Interpretações diferenciadas e convenientes da Lei de Probidade Pública
- Teodoro Waty, um dos rostos mais visíveis dos abrangidos pela lei, deu ontem a entender que nem pensa em colocar um dos cargos à disposição por entrar em choque com a lei
- “Estou convencido que estou em conformidade com a lei. A opinião de alguns juristas em relação a imoralidade de alguns deputados é da sua inteira responsabilidade. Eu não partilho” - Teodoro Waty
- “Assembleia da República deve fazer a interpretação autêntica da Lei de Probidade Pública” - CIP
A procissão ainda vai no adro, sói assim dizer tendo em conta que a discussão e o barulho que está a correr no âmbito da interpretação diferenciada e conveniente da Lei de Probidade Pública está apenas no seu início. É uma discussão que está apenas a começar porque a cada dia que passa fica claro que as figuras que, no âmbito da lei, estão em clara situação de ilegalidade e conflito de interesse, continuarão a usar tudo que estiver ao seu alcance para defender uma interpretação conveniente da lei, interpretação essa que lhes assegure continuarem a praticar aquilo que é proibido.
Um dos rostos mais visíveis quando se discute a questão da abrangência da lei veio, mais uma vez, na manhã de ontem, jurar de pés juntos que vai continuar a trabalhar normalmente como vem trabalhado porque não está em nenhuma situação de ilegalidade. Trata-se do deputado da Assembleia da República e Presidente do Conselho de Administração da Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) que directamente e sem gaguejar disse em alto som quando questionado por jornalistas em relação ao assunto que “estou convencido que estou em conformidade com a lei. A opinião de alguns juristas em relação a imoralidade de alguns deputados é da sua inteira responsabilidade. Eu não partilho”.
Este manto de discussão diferenciada vem todo a propósito da retroactividade ou não da lei para o caso específico da aplicação da Lei de Probidade Pública. Muitos juristas apesar de reconhecer a diversidade e a polémica que pode existir na interpretação desta norma constitucional, convergem no entendimento segundo o qual, tratando-se de normas tipicamente ético-morais, os abrangidos deviam ser os primeiros a dar uma imagem de honestidade e seriedade, colocando os seus cargos à disposição, do que estarem a correr atrás de justificativos para continuarem a protagonizar situações que no âmbito da lei estão completamente proibidas.
Teodoro Waty, rico em argumentos, disse, por outro lado, que “eu desde de manhã até ao anoitecer, estou tranquilo. Das interpretações que existem em torno da lei prefiro me abster disso. O sentido e o alcance da lei são claros. Pode ser encontrado no texto. O que está a acontecer, portanto, é que alguns juristas estão a lavrar num campo e terreno desnecessários” - elaborou Waty, em defesa da sua continuidade em todos os cargos públicos que exerce e recebe honorários de uma única mama, o Estado.
Na verdade, a lei abrange todos os servidores públicos mas o cenário parece mais gritante na Assembleia da República, onde pouco mais de uma dezena de deputados da Frelimo, ocupa paralelamente vários cargos de direcção e chefia em empresas públicas e ou participadas pelo Estado.
“É uma questão de pegar na lei e ver o que está lá escrito. O que está a acontecer, no meu entender, é que as pessoas não estão a ver na lei o que gostariam de ver. Vejam na lei, o que está lá” - exigiu Waty, aos seus críticos.
Enquanto isso
O Centro de Integridade Pública, CIP, emitiu ontem uma nota de imprensa onde faz um apelo no sentido de a Assembleia da República fazer uma interpretação autêntica da lei.
“Não pretendemos influenciar o debate assumindo uma posição sobre o assunto. Existem instituições próprias para fixar a interpretação da lei e conferi-la o sentido e o alcance que deve ter, particular e principalmente nos aspectos que se reservam a interpretações diversas e por isso, conflituantes entre si. É necessário fazer uma interpretação autêntica ou legislativa da Lei de Probidade Pública. Existem vários tipos de interpretação da lei. Parece-nos que numa primeira abordagem, a interpretação que deve ser feita no caso em análise é a autêntica ou legislativa, isto é, a que advém do órgão responsável pela edição ou produção de uma determinada lei, que deverá criar outra com função meramente interpretativa. A este tipo de interpretação se recorre quando determinada lei se reveste de dúvidas quanto ao seu sentido e alcance. Neste caso, cabe a própria AR fixar o sentido e o alcance da LPP nas situações concretas em que esta se oferecesse a várias interpretações. Quer dizer, sendo a AR o órgão que editou e fez aprovar a LPP, tem também a competência de interpretá-la e fixar o seu sentido e alcance, sem a modificar. Cabe papel central à AR, como órgão oficial que produziu a lei, para fazer a interpretação autêntica da lei e, para tanto deve usar desta prerrogativa para ilucidar aos cidadãos sobre o real sentido e alcance que se deve conferir a LPP” – diz a nota do CIP.
A lei de Probidade Pública entrou em vigor a 15 de Novembro corrente e, com um total de 91 artigos, visa assegurar moral e ética na administração pública.
MEDIAFAX – 27.11.2012