O DIÁLOGO entre o Governo e a Renamo é fundamental para a estabilização e consolidação da paz no país, segundo defenderam, ontem, em Maputo, jornalistas contactados pelo “Notícias” a propósito da criação, pelo Executivo, da comissão encarregue de tratar das questões reivindicativas da “perdiz”.
O Governo criou semana passada uma comissão para auscultar a Renamo sobre as reivindicações que o principal partido da oposição apresentou em sede do Executivo. A comissão é chefiada pelo ministro da Agricultura, José Pacheco, e integra os vice-ministros das pescas, Gabriel Muthissse, e da Função Pública, Abdul Remane.
A indicação da comissão pelo Conselho de Ministros acontece dias depois de a “perdiz” ter desclassificado e rejeitado a comissão nomeada pelo partido Frelimo. Refira-se que o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, que decidiu se estabelecer nas matas da Gorongosa desde Outubro último, havia exigido publicamente e em parada que a Frelimo devia para lá se deslocar para dialogar com ele sobre questões que considera cruciais no âmbito do Acordo Geral de Paz (AGP).
Abertura do Governo - Lobão João, do Diário de Moçambique
O JORNALISTA Lobão João, do Diário de Moçambique, disse que, ao ter criado uma comissão governamental, o Executivo mostrou a sua abertura e disponibilidade para o diálogo, uma atitude que, para a fonte, não é nova.
“O líder da Renamo disse, na Gorongosa, que queria dialogar com a Frelimo. Exigiu que a Frelimo se deslocasse àquele ponto do país para negociar com ele. O partido Frelimo criou uma comissão para o efeito. A Renamo rejeitou, preferindo que o diálogo se desenrolasse com o Governo. Então, o Governo criou uma comissão liderada por um membro quadro sénior, o ministro da Agricultura. Desta forma, caem por terra as alegações de que o Governo não está aberto ao diálogo. E não nos devemos esquecer de que o líder da Renamo já foi recebido pelo Chefe do Estado, em ocasiões anteriores”, disse, acrescentando que apesar de não se poder prever no que efectivamente resultará o diálogo, a criação duma comissão governamental já é, de per si, um sinal tranquilizador ao povo moçambicano.
“É imprevisível o que irá acontecer em termos de resultados, mas a atitude do Governo cria tranquilidade no seio dos moçambicanos. Isso é muito bom para o país. Devemo-nos recordar de que o mundo está de olhos postos em nós, dada a descoberta de recursos naturais. Precisamos de investimentos para desenvolvermos o nosso país e isso não se compadece com discursos belicistas, de ameaça. Se os investidores se retraírem, quem vai sofrer o povo moçambicano. Portanto, considero o gesto do Governo um passo muito importante. Arrisco-me até a dizer que os moçambicanos gostaram dessa abertura do Governo. Agora, o que esperamos é que o diálogo se realize dentro do espírito de franqueza e abertura também da parte da Renamo. O que se pretende é a manutenção da paz, do espírito de tolerância e reconciliação entre a família moçambicana”, afirmou.
Diálogo deve ser extensivo a todos - Armando Nenane, do jornalismo judiciário
PARA Armando Nenane, coordenador executivo da Associação dos Jornalistas do Judiciário, o diálogo que se pretende estabelecer entre o Governo e a Renamo não deve se circunscrever apenas a este nível, mas deve ser extensivo aos restantes partidos políticos e a todas as forças vivas da sociedade.
“As questões que a Renamo coloca como reivindicação não podem se restringir apenas a este partido e a Frelimo. Parece haver aqui uma monopolização das questões do país. Isso não pode ser assim. Tudo o que ganhámos, como povo, com a assinatura do Acordo Geral de Paz, foi a instalação dum sistema de pluralismo político, o que pressupõe a aceitação de diversos pensamentos, de diversas ideais e contribuições na abordagem dos problemas do país”, disse.
Armando Nenane afirmou, contudo, que a criação duma comissão governamental para tratar das reivindicações da Renamo representa um avanço muito importante em termos de inclusão, pois em causa estará discussão dos problemas do país e não duma determinada força política. Para aquele jornalista, é importante que esse diálogo seja contínuo e sobretudo inclusivo.
Observou que a criação de comissões de diálogo pode ser interpretado como o resultado do fracasso de algumas instituições que, permanentemente, se deviam de assuntos que podem perturbar a estabilidade do país, como é o caso do Conselho de Estado. Afirmou que sob ponto de vista de muitas instituições que se têm ocupado das questões de segurança e estabilidade do país, não há dúvidas que há matérias preocupantes no rol das reivindicações da Renamo.
“O diálogo é fundamental, mas penso que as questões não devem ser colocadas, em nenhum momento, num tom de ameaça de retorno à guerra. É preciso que as partes se sentem à mesa e conversem sobre as suas divergências, para o bem-estar social dos moçambicanos”, disse, ajuntando que o diálogo deve acontecer justamente para acautelar os supremos interesses dos moçambicanos, numa altura em que se fala da descoberta de recursos naturais pelo país.
Colocar as questões em fóruns apropriados - Emília Moyane, da TVM
PARA a jornalista Emília Moyane, da Televisão de Moçambique (TVM), a Renamo tem sistematicamente falhado por colocar as suas preocupações em tom de ameaça de retorno à guerra. Ela tem que saber encontrar uma forma mais pacífica e democrática de apresentar publicamente as suas inquietações.
“Tudo o que deve ser feito, 20 anos depois da assinatura do AGP, é preservar a paz. Tudo se resolve com diálogo. A Renamo está na Assembleia da República que é por excelência um fórum privilegiado. Por diversas vezes, a Renamo tem falado de manifestações à escala nacional, o que certamente não irá contribuir para os objectivos que todos nós almejamos. Os moçambicanos não mais querem a guerra. Todos nós queremos desenvolvimento, a tranquilidade”, disse.
Afirmou que ao ter decidido criar uma comissão governamental para o diálogo, o Executivo deu sinal de que está aberto, ante a aparente falta de clareza por parte da Renamo que, num primeiro momento, em Outubro último, exigiu que o diálogo ocorresse com a Frelimo.
Conversações a bem da paz - Filimão Saveca, do Correio da Manhã
FILIMÃO Saveca, jornalista do Correio da Manhã, considerou bem vinda a constituição duma equipa governamental para o diálogo com a Renamo, para o sossego de muitos moçambicanos.
“Muitos moçambicanos, como eu, viam a ida do presidente da Renamo a Gorongosa como prenúncio do início de mais um conflito armado no país. Esta medida do Governo vem sossegar, na verdade, os moçambicanos e surge numa altura em que não sabiam o que iria acontecer nas próximas horas, nos próximos dias e até ao final deste ano de 2012. Temíamos o retorno à guerra, com todas as consequências que ela arrasta para a população e até me arrisco a dizer para muitos projectos de desenvolvimento”, disse.
Filimão Saveca acrescentou que com o tom de ameaça patente no discurso proferido pelo líder da Renamo em Gorongosa, o que lhe ressaltou é que os projectos em curso no centro de Moçambique, particularmente de produção de carvão mineral em Tete e sua exportação através do Porto da Beira, seriam inviabilizados.
”Espero que as conversações terminem para o bem da paz, para o bem do desenvolvimento socioeconómico de Moçambique. Elas devem começar imediatamente e tragam resultados que nos permitam manter a paz. Todos os envolvidos devem ser sérios e defender interesses nacionais e não particulares das formações políticas que representam. Os nossos filhos que não conheceram a guerra merecem coisa melhor e apenas ouçam histórias contadas, mas não viverem a guerra tal como nós a vivemos. Devemos continuar a ser exemplo no mundo de defensores da paz e progresso”, disse.