A independência das colónias precipitou a vinda para Portugal de cerca de meio milhão de portugueses. Pelo menos 505 078 cidadãos nacionais foram forçados a abandonar África de um momento para o outro, num movimento de retorno apenas suplantado em número pela saída de um milhão de franceses da Argélia na década de 1960. Para os antigos colonos, era o fim de vidas felizes e prósperas que haviam construído no ultramar e o início de um futuro incerto na metrópole. Quem veio preferia ter ficado e quem ficou teria dispensado a invasão.
O momento não podia ser mais caótico para receber tamanho contingente de refugiados: em pleno processo revolucionário em curso (PREC), os governos sucediam--se, a instabilidade social agravava-se e a economia ressentia-se. Na segunda metade da década de setenta, com o país em recessão económica, os portugueses enfrentavam um sem-número de problemas, desde a escassez de empregos à falta de casas para morar. Por tudo isto, viam os retornados - assim lhes chamaram - como adversários dispostos a roubar-lhes trabalho, habitação e dinheiro.
Saídos de quarenta e oito anos de ditadura, encaravam com desconfiança a chegada daquela gente bronzeada e de costumes modernos que usava roupas demasiado curtas e coloridas. Os de cá tinham razão para ter medo: quem vinha das colónias não só tinha um nível académico superior como estava habituado a uma economia mais dinâmica do que a portuguesa. Além disso, haviam perdido tudo e precisavam de arriscar se queriam reconstruir ávida.
À mágoa de terem sido despojados dos seus bens, somavam a revolta de serem considerados portugueses de segunda e, por vezes, reagiam com violência aos que os apelidavam de exploradores de negros, habituados à boa vida e servidos por um exército de criados domésticos. A palavra retornado ganhou um peso insuportável, sobretudo para quem, como muitos, nascera em África, perdera as raízes na metrópole e ficara totalmente por sua conta à chegada, sem ninguém que os acolhesse.
Perante a emergência nacional, o Estado criou o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais para acudir às necessidades básicas dos refugiados: alimentação, transporte e alojamento. Os que tinham família foram encorajados a procurá-la nas terras de origem mesmo que não a conhecessem, sujeitando-se à eventual má vontade da receção. Os outros ficaram alojados em hotéis, pensões, residenciais, casas particulares, sanatórios e cadeias até conseguirem estabelecer-se.
Uma grande parte dos portugueses vindos das colónias demorou anos a recuperar uma vida normal e poucos voltaram a alcançar o nível de conforto que deixaram em África. Mas é inegável que os refugiados estimularam os negócios e transformaram as mentalidades à medida que se foram integrando.
Quase quarenta anos volvidos, a maioria dos retornados não esqueceu o passado nem perdoou a forma como os governantes portugueses conduziram o processo de descolonização. Para eles, que estavam habituados à abundância, o caminho foi longo e árduo: passaram fome, tremeram de frio e faltou-lhes de tudo. Alguns preferiram emigrar a sujeitar-se à discriminação em Portugal. Outros, mais frágeis, encontraram no suicídio a única saída para a inadaptação. Apesar de terem abandonado África contra a sua vontade, hoje, raros são os que querem voltar às ex-colónias, embora, ao fim de décadas, continuem a sentir-se desterrados na antiga metrópole.
Com o distanciamento que o tempo permite e através de casos concretos que traduzem sentimentos e experiências gerais, este é um livro sobre a inclusão forçada de meio milhão de pessoas na sua terra de origem - ainda que pouco ou nada soubessem do país dos seus antepassados. Porque, para os que lá nasceram ou se enraizaram por paixão, a sua verdadeira terra, de que se viram privados por uma curva brusca da História, era e continuará a ser Africa.
R.G.
junho de 2012
(Já nas livrarias)