Reflexão (133) de Adelino Buque
Não fosse o mundo em que vivemos hoje ("globalização"), esta posição de Angola em relação a Portugal seria, a todos os títulos, agradável, a um ex-colonizado como eu, infelizmente! Repito, o mundo em que vivemos mudou radicalmente. Os escravos foram libertos por convenção, o racismo está a ser combatido quer por via legislativa quer por via de consciencialização, a expressão mais alta de segregação racial, o APARTHEID, deu lugar a uma nação do "arco-íris" na África do Sul. Estas relações são transformadas de dia para noite ou vice-versa e todos temos de rapidamente nos adaptar. A África do Sul, que criou a Comissão da Verdade e Reconciliação, ainda assim se ressente das feridas do regime segregacionista. O famoso "Black empowment" não foi suficiente para sarar as feridas profundas criadas por esse regime hediondo. Portugal, por mais boa vontade que tenha, está inserido numa comunidade onde existem regras de convivência e de procedimento. Nesta comunidade, os crimes económicos ou de branqueamento de capitais são punidos de forma severa, pelo que, em algum momento, por mais boa vontade que tenha Portugal, as coisas irão acontecer como mandam as regras, independentemente de existirem 120 mil portugueses a trabalharem em Angola, isso, por si só, não muda as regras do jogo, que é transparência nos negócios!
Este intróito vem a propósito das declarações de Paulo Portas, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, à Lusa: “o Governo português fará tudo o que está ao seu alcance para melhorar ainda mais as relações com Angola e não deixar que nada as prejudique". De acordo com Paulo Portas, as relações entre Portugal e Angola são excelentes! Paulo Portas referiu ainda que mais de oito mil empresas exportam para o mercado angolano e acrescentou que "inúmeros interesses e investimentos angolanos fizeram o seu caminho e ganharam espaço muito relevante em Portugal. Como é evidente, tudo isto é tão importante para os dois países que o Governo português fará tudo o que estiver ao seu alcance para melhorar ainda mais as relações com Angola e não deixar que nada as prejudique”.
Este exercício do Executivo de Lisboa surge em resposta ao anúncio do Ministério Público português através do jornal Expresso de que altos dirigentes angolanos estão a ser investigados por suspeitas de crimes económicos ou de branqueamento de capitais.
As referidas figuras, segundo o mesmo jornal, são Manuel Vicente, o general Hélder Vieira Dias e Leopoldino Nascimento, Vice-Presidente de Angola, Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar e Consultor do anterior, respectivamente, restando saber o que fará efectivamente Portugal para evitar esse referido inquérito-crime.
Rafael Marques, um activista angolano, conhecido por investigar casos de corrupção naquele território, depôs em Janeiro e em Julho do corrente como testemunha num caso de denúncia de um cidadão angolano residente em Portugal e, na altura, referiu-se a uma longa lista de duas dezenas de cidadãos angolanos com "investimentos e propriedades em Portugal", acusando-os de branqueamento de capitais. Sendo Rafael Marques um cidadão angolano que denuncia a corrupção no seu território, não seria mais sensato Angola ocupar-se de corrigir esses casos, ao invés de querer exportar problemas de um grupo de pessoas para um país que terá muito pouca manobra para dar, porque as regras são claras. Outro aspecto que me parece relevante, a investigação de um cidadão, tenha ele o estatuto que tiver, na minha opinião, não deve pôr em causa as relações entre dois estados e governos, considerando que as relações baseiam-se no respeito mútuo.
Escrevo este artigo com duas perspectivas, a saber: uma, de alertar aos angolanos que eventualmente tenham adquirido propriedades e estejam a investir em Portugal que nenhum governo os irá proteger de acções judiciárias no quadro do espaço europeu. As boas relações e a amizade com alguns governantes podem adiar a execução, mas nunca impedir que se faça justiça, de acordo com as regras da União Europeia, onde Portugal tem a voz muito "rouca" e dependente de outras economias mais fortes, essas propriedades e investimentos serão revertidos a favor desses governos um dia, por isso, é melhor ouvir a voz do vosso concidadão no lugar de confiar na palavra do receptor que, certamente, será beneficiário amanhã!
A segunda é chamar a atenção de algumas personalidades portuguesas sobre o seu papel ambíguo na prossecução de relações sãs entre as antigas colónias.
Haja o que houver, é importante agir em função das políticas correctas no lugar de fazer um paternalismo que, na primeira oportunidade, descarta. A consequência disso é mais grave na medida em que, aí sim, serão os 120 mil portugueses que se sujeitarão à vingança de quem for a perder. Serão os oito mil empresários cujos negócios serão bloqueados como consequência de não cumprimento de algo que, à partida, estava claro que seria difícil conseguir.
Portugal deve desenvolver as relações com os países em estrito respeito às convenções internacionais e a demais legislação. Portugal não deve afirmar que esteja "disposto a tudo para salvaguardar relações com Angola", mesmo sabendo que se trata de uma promessa difícil de cumprir.
A terminar, Portugal deve ter o sentido de autoestima mesmo considerando a fase em que atravessa, porque, parafraseando a mãe do meu colega Baptista, “quanto mais baixar as calças mais se vê o que pretende proteger". Portugal não deve ser moleque de Angola, embora assim o desejasse!
PS: O escritor Sérgio Vieira, na sua rubrica dominical “Carta a muitos amigos" de 18 de Novembro, fala das minorias e de forma cínica refere que ganhou a presidência americana um "Genuíno". Esta atitude provocatória, que parece estar a pegar moda, pode degenerar em algo inestimável, para alguém como Sérgio Vieira, depois de assumir tantas pastas de responsabilidades, não fica bem esse abuso. Fica aqui o alerta: Sérgio Vieira ajudou a escrever a Constituição que fala de "Genuínos". O que terá mudado! Não nos empurre a debates dessa natureza. Caso queira continuar esse tipo de abordagem, pessoalmente estou interessado. Chega de abusos, estimado Coronel!
CORREIO DA MANHÃ – 26.11.2012