por
Fernando Mbanze
Joaquim Alberto Chissano, antigo Presidente da República de Moçambique de 1986 a 2004, é uma figura incontornável e respeitada no contexto e percurso históricos de Moçambique.
É, por muitos, considerado um homem sensato, ponderado, moderado e exímio diplomata. Provavelmente foi graças a esta sua marca registada que, de forma mais ou menos pacífica, conseguiu assegurar uma transição pacífica, primeiro como substituto de Samora Machel, em 1986 e depois no momento do pós guerra civil,
de 1992 a 1994, altura em que o país acolheu as primeiras eleições democráticas.
Com este timbre não poderia espantar a ninguém o facto de Joaquim Chissano ter
sido laureado com o prémio Mo Ibrahim sobre boa governação e recentemente ter
sido indigitado para mediar a busca de paz para alguns conflitos que assolam o continente, dos quais a situação em Madagáscar.
Entretanto, como se diz, é no melhor pano que cai a nódoa. Se calhar aqui seja mais do que uma simples nódoa a cair num pano. Provavelmente seja destapar o embrulho para se ver a real imagem de Joaquim Chissano: Cínico e verdadeiramente perigoso.
Tudo isto vem a propósito das recentes declarações públicas de Joaquim Chissano em torno das exigências que levaram o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, a instalar-se nas matas da Gorongosa, mais concretamente no posto administrativo de Vunduzi. Chissano, sem hesitar e sem pestanejar, disse que muito duvida da consciência e da lucidez de Afonso Dhlakama. Quis dizer Chissano, por outras palavras, que Dhlakama falou e tomou a decisão que tomou de forma inconsciente. A grande inconsciência de Dhlakama, segundo Chissano, reside no facto de ter pedido que o PR fosse a Gorongosa negociar com ele. Para Chissano, Dhlakama não tem legitimidade para fazer esta convocatória. Ele (Dhlakama) não é Deus por enquanto, disse Chissano.
Chissano deu ainda a entender que o mais razoável era Dhlakama convidar
Guebuza a encontrar-se com ele numa cidade e não num longínquo (?) posto
administrativo de uma província (rebelde?).
Entende Chissano que Dhlakama devia fazer requerimento e mandar para o gabinete presidencial, a pedir audiência. Várias foram as ideias lançadas por Joaquim Chissano a qualificar demoniacamente o comportamento de Dhlakama e a sugerir como o líder da Renamo se devia comportar neste mundo civilizado.
A estas palavras, se vem juntar ao também recente pronunciamento de Joaquim Chissano sobre o drible que conseguiu dar a Afonso Dhlakama, aquando dos derradeiros momentos da negociação do Acordo Geral de Paz em Roma. Chissano disse, sem hesitação, 20 anos depois da assinatura do AGP, que conseguiu fintar Dhlakama. Assim, Chissano estava a gabar-se por ter conseguido usar a sua esperteza para enganar um líder da Renamo dorminhoco e politicamente mal preparado para a máfiaÂÂ que se usa no jogo político. Não sabemos que intenção Chissano tinha ao fazer estes pronunciamentos, mas uma coisa é clara. De apaziguador e de conciliação este discurso nada tem. Apenas destapa feridas e cria, na parte enganada um espírito de zanga e ódio.
Provavelmente esta seja a intenção de Joaquim Chissano. Se de facto era essa sua intenção, Chissano conseguiu, pois Dhlakama zangou-se e se foi instalar nas matas da Gorongosa.
Bom, não vamos aqui discutir a validade e legitimidade das ideias de Chissano nem vamos tentar descortinar os culpados para a situação prevalecente, mas é importante discutir os contextos em que as declarações são feitas, a dimensão e a maneira como elas podem ser recebidas pelas partes em conflito verbal e ideológico e ainda a forma como o discurso vai ser recebido pelos moçambicanos no geral.
É que estamos num momento conturbado. Um momento que exige um discurso apaziguador, principalmente da ala aparentemente mais forte.
Vamos por partes: a questão de pedir audiência. Muitas vezes, pelo que nos recordamos, particularmente nos momentos que antecederam a assinatura do AGP e depois das eleições de 1999, Joaquim Chissano reuniu variadíssimas vezes com Afonso Dhlakama, tudo na perspectiva de se encontrar soluções para as preocupações que eram colocadas pela Renamo e seu líder. Nos recordamos de vários encontros no antigo Clube Militar, na cidade de Maputo. para estes encontros, pelo que se sabe, não foi necessário marcar audiências, como agora Chissano sugere. Foram manhãs, tardes, dias, noites e madrugadas que as delegações chefiadas por Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama num tete-a-tete discutiram e encontraram consensos para os pontos que os dividiam. Mais, depois das eleições de 1999, Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama (com respectivas delegações) se sentaram nas instalações da Assembleia da República para discutir pontos concretos que a Renamo e Dhlakama colocavam na mesa. Estas discussões, por exigência de Renamo não aconteceram na Presidência da República, exactamente porque a Renamo exigia que acontecessem num lugar neutro. E Chissano de facto cedeu. Cedeu, provavelmente porque nessa altura Dhlakama era Deus.
Chissano deve estar a pensar (com ou sem razão) que Dhlakama se encontra num momento de fragilidade e que, por essa razão, deixou de ser Deus. Não sendo mais Deus, não há porquê lhe dar ouvidos.
Segundo: a questão de ir a Gorongosa. O tom usado por Chissano para dizer que Gorongosa não era lugar para acolher qualquer conversa, pareceu-nos que Chissano estivesse a dizer ou a querer dizer que Guebuza, como Chefe de Estado, não pode com alguém se reunir (alguém que não Deus) no mato e num local desconhecido. Chissano estava a dizer ou a querer dizer que Gorongosa não é território de Moçambique? ou estaria a querer dizer que Armando Guebuza é tão importante que não pode sair do luxo e conforto do palácio presidencial e gabinete presidencial para pisar as matas da Gorongosa em reunião com Dhlakama (que não é Deus). Este entendimento é para nós
completamente absurdo, inconsequente e perigoso, um perigo que representa o tamanho do perigo que Joaquim Chissano representa para a paz, estabilidade e harmonia do país. É um discurso que alimenta o localismo, o regionalismo e o divisionismo. A questão que aqui se coloca é: será que estava Chissano na sua plena consciência quando nesses termos falou? Pelo sim pelo não, temos as nossas dúvidas. Caso nos prove que estava em plena faculdade mental, importante é perguntar, qual era então a intenção que na verdade Chissano tinha ao proferir aquelas palavras? Bajular Guebuza? Atirar Guebuza ao precipício? Vingar-se de Guebuza? Por que motivo? Lançar o país ao caos?
Bom, são várias as perguntas que podem ser feitas e até aqui toda a resposta está no campo especulativo e esperamos sair do campo especulativo caso Chissano, um dia, diga aos moçambicanos o que efectivamente pretendia dizer com o seu pronunciamento. Gorongosa, para onde Guebuza não deve ir hoje por conselho de Chissano, é para onde esse mesmo Guebuza irá muito brevemente ajoelhar-se e pedir votos, para a Frelimo e seu candidato, aos milhares de moçambicanos que lá estão. Portanto, nós não vemos o mínimo de problema em Guebuza ir a Gorongosa conversar com Dhlakama. Aliás, o ponto que se coloca não é nem tão pouco o local do encontro é sim a necessidade de as partes mostrarem que lutam pelo mesmo objectivo e estão plena e completamente abertas ao diálogo. O encontro pode acontecer na Gorongosa, em Maringue, em Palma, no Songo, em Majacaze, no Lago...em qualquer ponto do vastíssimo território nacional. Guebuza ganha muito se mostrar esse espírito de abertura ao diálogo porque para um bom entendedor, meio gesto basta. Se assim agir, Guebuza fica claramente registado como homem da paz porque até a Gorongosa terá ido a busca da paz. Aliás, na busca da paz, o governo moçambicano já foi a Maringuè negociar com a Renamo, já foi ao Malawi, no Quénia, em Roma e em outros pontos do mundo. E nessa altura, este vai e vem todo foi coordenado por Joaquim Chissano. A ideia era apenas buscar e assegurar a paz para Moçambique. porquê isso não pode acontecer agora?
Apenas porque Dhlakama não é Deus, vamos preferir atirar o país na sarjeta?
Discutir legitimidade das defesas de cada uma das alas é matéria complicada que só pode ser cabal e definitivamente esclarecido pelas partes.
Entretanto, arriscamo-nos a dizer que, nem tudo que sai da boca de Dhlakama
é inútil.
Aliás, grande parte das preocupações que tem estado a ser apresentado pelo líder da Renamo, tem também sido ponto de reclamação de partidos políticos da oposição, de académicos, organizações não governamentais nacionais e internacionais, dos parceiros bilaterais de Moçambique e por um número considerável da população moçambicana. É verdade que os protocolos do AGP foram todos incorporados e consumidos pela Constituição da República, mas não é a Constituição da República que diz que o Estado deve estar partidarizado; não é a Constituição da República que diz que apenas os antigos combatentes, governantes e seus próximos devem ter maiores e melhores oportunidades em comparação com outros moçambicanos; não é a
Constituição da República que diz que os membros da Frelimo que forem flagrados a tentar viciar os resultados eleitorais não podem ser julgados (exemplos há vários); não é a Constituição da República que diz que os membros do MDM em Inhambane tinham que ser julgados e condenados num processo jurídico manifestamente manipulado para silenciar a oposição; não é a Constituição da República que diz que a PRM deve agir em defesa dos
interesses do partido governamental; não é a Constituição da República que
fez com que os desmobilizados da Renamo não fossem incorporados nas forças policiais; não é a Constituição da República que fez com que os elementos da Renamo nas FADM fossem expurgados; não é a Constituição da República que protege e manda os deputados da Frelimo ganhar 2-3-4 salários de um mesmo Estado sob olhar sereno e tranquilo por parte de quem deve dizer não a isto...é um infindável número de coisas constam como reclamações na linguagem ruidosa e tortuosa de Afonso Dhlakama. Ainda esta semana, a Renamo exibiu em plena sessão plenária da AR, mais uma prova documental da partidarização do Estado, mas num cinismo absoluto, os deputados da bancada da Frelimo sorriram porque convictos de que nada lhes vai acontecer. Estas situações todas são preocupantes para qualquer moçambicano e devemos enquadrar as preocupações de Dhlakama neste estado de coisas e daí tentarmos acarinhá-lo respondendo positivamente a essência das suas preocupações. Com isto ninguém perde. Só saímos todos a ganhar. Mas o alcance desse desiderato precisa de gente humilde, gente que cultiva o bom senso, gente lúcida consciente e comprometida com a paz. Pelo que tudo indica, todas as estas características Joaquim Chissano não os têm.
Com os últimos pronunciamentos de Chissano, há quem está agora a chegar a
conclusão de que os processos de paz mediados por Chissano nunca terão um final feliz, exactamente pelo facto de o antigo Presidente da República ser um homem que de diplomata e bom senso, nada tem.
Há quem está igualmente a levantar a hipótese de Chissano estar a usar a sua malícia para fazer tropeçar o actual Presidente da República. Aliás, diz-se que no seio da Frelimo continuam as alas, uma pró Chissano e outra pró Guebuza. Mais, diz-se que Chissano sentiu-se e ainda se sente humilhado por causa dos 3 minutos concedidos por Armando Guebuza, no congresso de Pemba.
Há quem também entenda que Chissano esteja a receber algum tipo de pressão de dentro da Frelimo no sentido de tentar bajular o visionário chefão, limpando um pouco a pressão que contra Guebuza existe, isto sobre a necessidade de dialogar com o líder da Renamo.
Ainda em relação aos pronunciamentos de Chissano, o presidente do PDD, Raul Domingos, disse em conferência de imprensa na tarde de ontem que ficou espantado com o pronunciamento de Chissano, pois, mais que ninguém, ele (Chissano) sabe qual é o alcance dos pronunciamentos de Dhlakama. Mais, entende Raul Domingos “Chissano não é médico para dizer que Dhlakama está inconsciente”.
Diante de tudo isto e porque ainda estamos no campo especulativo sobre o grau de consciência de Chissano quando se pronunciou naqueles termos nem da sua real intenção, somos de opinião que o antigo PR devia, mais uma vez, publicamente esclarecer as dúvidas que agora pairam. Pelo sim, pelo não, Chissano ficará com os seus últimos pronunciamentos marcado pelo facto de ter perdido uma oportunidade soberana para manter-se calado, pois, como diz um preceito chinês “o silêncio vale ouro, a palavra vale prata”. Quer isto dizer: fale apenas quando tiver algo útil a dizer.
In http://savana.sapo.mz/index.php?option=com_content&view=article&id=1061%3A2012-11-23-08-34-02&catid=51%3Amediafax&Itemid=27
NOTA:
A propósito de Joaquim Chissano: Para quando os 2º e 3º volumes da trilogia há mais de um ano prometida?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE