“Estamos fartos”
– General Arlindo Maquival (ex-comandante da Renamo)
Fernando Veloso
“Já avisámos toda a gente, incluindo o Presidente da República que é o Comandante-em-Chefe das FADM, mas andam sempre a enganar-nos. Estamos cansados!
Estamos fartos! A questão central é a exclusão dos ex-guerrilheiros da Renamo e de novo a partidarização das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. A questão principal é que se está a voltar às FPLM, forças armadas do tempo do partido único, anterior aos Acordos de Paz de Roma. E com isso estão a voltar às mesmas razões que nos levaram a fazer a Guerra Civil”.
São palavras do General na Reserva, Arlindo Maquival, que recebeu o Canal de Moçambique na sua residência, no Bairro dos Oficiais Superiores das FADM, na zona militar da Sommerschild, em Maputo. Na circunstância ele fez-se acompanhar do Brigadeiro Miranda Pascoal Armindo, também ex-comandante da Renamo que a partir do Acordo Geral de Paz passou a integrar as forças armadas que era suposto manterem-se apartidárias e integradas igualitariamente por soldados de ambas as partes.
Estes dois oficiais superiores das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, passados compulsivamente à reserva mesmo antes da idade prevista por lei para que os oficiais das FADM passem à reserva, explicaram-nos toda a “manobra” que “está a ser posta em prática desde 2004”. O adjectivo é deles. “Manobra”. É com este termo que classificam as acções “para tornar as Forças Armadas de Defesa de Moçambique, de novo apenas comandadas por moçambicanos fiéis ao Partido Frelimo”, partido que exclusivamente tem vindo a formar governos desde a Independência Nacional a 25 de Junho de 1975.
Estes dois oficiais apresentaram-nos o despacho (nr. 334-A/2004, de 22 de Novembro) do então ministro da Defesa Nacional, Tobias Joaquim Dai, a passar à Reserva o Oficial Major-General Arlindo Arrigo Maquival, nos termos da número 1 do Artigo 165 conjugados com o artigo 177 ambos do Decreto N-4/98, de 17 de Fevereiro.
Apresentaram-nos ainda um outro Despacho, este com o N.520/ MDN/2009, de 14 de Julho, em que cessam as suas actividades por Destacamento no Ministério da Defesa Nacional. “Onde estivemos sem fazer nada desde 2004 a 2009”, acrescentam o Major-General Maquival e o Brigadeiro Miranda, referindo-se ao tempo em que ainda tinha que ir ao Ministério da Defesa.
Este último documento é um despacho, é assinado pelo actual ministro da Defesa, Filipe Nhussy.
Neste último despacho, de 14 de Julho de 2009, é reiterado que a 22 de Novembro de 2004 transitaram para a situação de reserva, por despacho do ministro da Defesa Tobias Dai, o Major General Teófilo João; o Major General Arlindo Arrigo Maquival; o Contra-Almirante José Pascoal Nhalungo; o Brigadeiro Rodrigues Jacinto Jossene Sumaila; o Brigadeiro Eduardo Cordeiro Lauchand; o Brigadeiro António João Torres; o Brigadeiro Amade Viagem Ngonhamo; o Brigadeiro José Acácio Chaneque; e o Brigadeiro Miranda Pascoal Armindo. “Destes nove (9) apenas dois oficiais (Major General Teófilo João e Brigadeiro Eduardo Lauchand) integraram as FADM provenientes das forças militares da Frelimo. Todos os outros, nós e mais cinco, éramos guerrilheiros da Renamo”, esclarecem os nossos interlocutores.
“Foram passados à reserva centenas de militares que integraram as FADM idos das forças da Renamo.
Dos vinte e oito oficiais actualmente no activo nas FADM, apenas quatro vieram da Renamo.
E há apenas duas excepções a nível superior para parecer que as FADM não são só da Frelimo: é o caso do Major-General Olímpio Cardoso, que é o vice-chefe do Estado-Maior General das FADM, e o Major-General Raúl Luís Dick, comandante Nacional das Forças Aéreas, um ramo das FADM que não tem nenhuma actividade”.
“Desde que isto aconteceu – começou em 2004 – até agora isto ainda não foi resolvido.
Continuamos todos sem fazer nada. Já avisámos toda a gente, incluindo o Presidente da República que é o Comandante-em-Chefe, mas andam sempre a enganar-nos. Estamos cansados!
Estamos fartos! Sempre nos dizem que devemos ser proactivos e propormos projectos. Já fizemos muitos projectos, mas nada anda. Até já nos quiseram tirar destas casas onde vivemos para nos mandarem para uma zona no mato, em Boane, que recusámos.
Até já quiseram-nos meter numa confusão em Intaka, na Matola.”
As casas em que moram no Bairro Militar, por trás da Cadeia Civil na Sommerschield, ao lado do antigo Hotel Militar, abandonado, ficam numa zona que certa Imprensa já chegou a noticiar que está a ser cobiçada pela nova empresária de sucesso, Valentina Guebuza, filha do presidente da República, para construção de um novo condomínio.
Esta situação põe-nos muito nervosos
“Esta nossa situação põe-nos muito nervosos. Estão em situação semelhante à nossa, aqui e incluindo as províncias, centenas de oficiais subalternos, superiores e generais.
Note bem que não estamos a chorar. Estamos a avisar. Uma vez estivemos com o secretário do presidente da República, Amad Miquidade, e dissemos-lhe que o problema vai ser no dia em que nós convencermos as nossas famílias de que pronto, tudo acabou, e não há outra coisa a fazer se não voltarmos para donde viemos”, concluiu o Major General Maquival.
Aqui colocámos aos nossos interlocutores a versão do Governo e do Comandante das FADM, várias vezes repetida, segundo a qual nas FADM já ninguém é da Frelimo ou da Renamo mas, sim, de Moçambique.
Ambos se indignam e dizem-nos que “isso é conversa” porque “os acordos da Roma eram para sempre funcionar o espírito de Paz e de reconciliação Nacional e com esta exclusão o que estão a fazer é parte de um plano para destruir a Renamo”.
Estes dois oficiais generais explicam-nos, entretanto, com detalhe, “como foi engendrada toda a manobra de exclusão nas FADM”.
Vejamos o que nos contaram: “O Major-General Teófilo João, que é da Frelimo, quando foi passado à reserva, em 2004, logo passou para o Ministério da Defesa Nacional (MDN). É até hoje secretário-permanente do MDN. O brigadeiro Eduardo Cordeiro Lauchand que também é da Frelimo passa à reserva em 2004 e vai logo para o Comité Central da Frelimo. Trabalha lá como assessor político. Os outros todos que foram passados à reserva em 2004, são todos da Renamo.
O Contra-Almirante José Pascoal Nhalungo era comandante nacional da Marinha de Guerra. O comandante que lhe sucedeu é da Frelimo. Nhalungo era comandante desde o Acordo Geral de Paz. Foi tirado do cargo e entretanto faleceu. Foi substituído por um coronel do exército da Frelimo que foi passado a capitão-de-mar-e-guerra, o equivalente a coronel. Chama-se Cancuta Yotamo. Foi promovido logo rapidamente a contra-almirante. Acabou depois por ser substituído por Lázaro Menete (Frelimo), que era brigadeiro e como não era da Marinha, não era da especialidade da Marinha, foi patenteado Contra-Almirante quando passa a Comandante Nacional da Marinha de Guerra. Também é da Frelimo. Foi o director Nacional da Doutrina Militar.
O Major General Arlindo Arrigo Maquival (Renamo) entra nas FADM como director nacional dos Serviços Sociais. Foi tirado para a reserva quando ocupava este posto. Nessa altura é extinta a direcção Nacional dos Serviços Sociais. Mais tarde quando o governador de Cabo Delgado era o coronel Lázaro Mathe, ele é demitido com problemas em Cabo Delgado e é de novo criada, aparentemente para o acomodar, é criada outra vez a Direcção Nacional dos Serviços Sociais nas FADM. Ele é nomeado director. Mantém a patente de coronel.
O brigadeiro Rodrigues Jacinto Jossene Sumaila, que foi da Renamo para as FADM, era o comandante da Região Norte. Foi passado à reserva quando ocupava tal cargo. Na mesma altura (2004) as regiões militares são extintas. Passaram a ser designadas como Áreas Regionais de Logística.
Na altura era início de 2005. Para comandante na Área Regional de Logística do Norte é nomeado o coronel André Messias. Mas dois anos depois tiram-no. É nomeado adjunto do Comando de Reservistas. Para comandante da Área Regional de Logística do Norte é indicado o coronel Langa, que foi muito tempo protocolo do General Lagos Lidimo. É um ex-militar do exército do tempo do partido único, Frelimo. Ainda está no posto.
O Brigadeiro António João Torres, que integrou as FADM ido da Renamo, foi nomeado Inspector do Comando do Exército, logo depois do Acordo Geral de Paz, quando se criam as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) e são extintas as FAM-FPLM.
A 22 de Novembro de 2004 é passado à reserva. Tem 50 anos. Normalmente vai à reserva, no caso de Majores Generais, vai-se à reserva com 56 anos, de acordo com o Estatuto dos Militares (Boletim da República de 17 de Fevereiro de 1998, Decreto 4/98). Os brigadeiros passam aos 55 anos. Quando o brigadeiro Torres, das ex-forças da Renamo, é passado à reserva é simultaneamente extinta a Inspecção-Geral das FADM. O General Graça Chongo, da Frelimo, era o Comandante Nacional da Inspecção-Geral e logo passou para chefe da Política de Defesa. Passado algum tempo é de novo criada a Inspecção-Geral das FADM e ele mesmo, o general Chongo, volta à Inspector-Geral. Mais uma vez está claro que se tratou de uma manobra para excluir os militares que foram da Renamo para as FADM. Manobra para afastar os da Renamo que estavam na Inspecção-Geral. Depois de serviço feito volta, também neste caso, tudo ao princípio.
O Brigadeiro Amad Viagem Ngonhamo (ido da Renamo para as FADM) – não confundir com o general Ngonhamo – foi vice-presidente do Tribunal Militar Supremo (1994-2004). Passa compulsivamente à reserva com 40 anos. Como já disse os brigadeiros, por lei, passam à reserva com 55 anos ou se tiverem 15 anos ou mais anos de serviço, neste último caso só se o próprio requerer. Não foi nomeado ninguém para o mesmo posto, até hoje.
O brigadeiro que foi da Renamo para as FADM, José Acácio Chaneque, com 46 anos, hoje, tinha 36 anos na altura em que foi passado compulsivamente à reserva pelo Ministro da Defesa Tobias Dai. Era o comandante-adjunto do Comando de Logística e Infra-estruturas (CLI). O chefe dele era o Major General Teófilo João, da Frelimo. Quando sai Teófilo era suposto o seu adjunto, brigadeiro Chaneque (Renamo), subir, mas foi passado à reserva compulsivamente. Para o posto de comandante do CLI foi nomeado o coronel Daniel Frazão Chale, que veio da Frelimo. Foi logo promovido a brigadeiro. Não mais se nomeou um adjunto. Assim eliminaram mais um oficial que veio para as FADM proveniente das forças da Renamo.
Aqui ao meu lado – prossegue o general Maquival – o Brigadeiro Miranda Pascoal Armindo. Tem 46 anos. Foi passado à reserva com 41 anos quando a lei diz o que diz e já falei disso lá atrás.
Era na altura director do Departamento de Planeamento e Administração no Estado-Maior General. O departamento foi extinto. Até hoje está sem fazer nada. Não tem tarefa. Fica só em casa. Todas estas decisões foram tomadas pelo ministro da Defesa Nacional, na altura Tobias Joaquim Dai, que é irmão da esposa do presidente da República e Comandante-em-chefe das Forças de Defesa e Segurança, incluindo as FADM, Armando Guebuza.
Guebuza, registe-se como uma nota à margem das declarações de Maquival, é tenente-general na reserva e foi comissário político das ex-FAM-FPLM.
Depois destes casos – continua Maquival– praticamente todos os oficiais das FADM vindos da Renamo, que ocupavam cargos de comandantes e cargos de chefia nas unidades militares em todo o País, foram afastados.
Nós pensamos que isto acontece para partidarizarem as Forças Armadas de Defesa de Moçambique. Alguns foram colocados, para disfarçarem, foram colocados como assessores de alguma coisita, em postos que na orgânica militar não existem. Não têm, desde então, qualquer espécie de actividade.
Há apenas umas duas ou quatro excepções para fazer parecer que as FADM não são da Frelimo.
Casos concretos recordamos o Major General Olímpio Cardoso, vice-chefe do Estado-Maior General das FADM, e o Major General Raul Luís Dick, comandante nacional da Força Aérea que não tem nenhuma actividade.
Estes dois estão no activo e foram da Renamo. São a excepção à regra.
A nossa questão central é a exclusão dos ex-guerrilheiros da Renamo e de novo a partidarização das Forças Armadas, acrescenta Maquival e prossegue:
A questão principal é que se está a voltar a criar as FAM-FPLM, exército partidário da Frelimo anterior aos Acordos de Paz. E com esta e muitas outras estão a voltar às mesmas razões que nos levaram a fazer a Guerra Civil.
Quando ouvimos na TVM, há dias, Marcelino dos Santos a dizer que não conseguia até hoje perceber por que razão a Frelimo não venceu a Renamo no teatro da guerra, deixou-nos ainda mais nervosos a pensar que toda esta exclusão tem o objectivo de destruir a Renamo, observa Maquival. Tudo isto que está a acontecer viola o Acordo de Paz e a própria reconciliação nacional.
É a Frelimo a declarar-nos guerra. Esta nossa situação põe-nos muito nervosos.
Estão nestas circunstâncias, inclusive nas províncias, centenas de oficiais subalternos, superiores e oficiais generais.
Não estamos a chorar, estamos a avisar
“E note bem que não estamos a chorar. Agora já estamos a avisar.
Não falta muito, teremos de dizer às nossas famílias: Pronto! Acabou!
Não há outra coisa a fazer!...”
O quê? – perguntámos. A mímica da resposta deixou-nos preocupados. A troca de olhares foi suficiente…
As esposas destes ex-combatentes das forças de guerrilha da Renamo também foram guerrilheiras durante a Guerra Civil.
Canal de Moçambique – 14.11.2012