A história começa assim: duzentos e cinquenta e seis agricultores que produziam milho e amendoim em sequeiro juntaram-se em 1994, sob proposta do Governo, para criar a Associação dos Regantes de Mafuiane.
A perspectiva era permitir que o grupo fizesse uso, de forma organizada, de uma infra-estrutura de irrigação construída com apoio de uma organização italiana. O Regadio de Mafuiane comporta cinco bombas de captação de água no rio Umbeluzi, cerca de 2500 metros de tubagem até a um tanque reservatório a partir do qual se distribuem condutas de irrigação para um universo de 192 parcelas.
Sobre parte do historial da associação falou-nos Ana Casimiro Nhaca, tesoureira da agremiação, que falou à nossa Reportagem na companhia de Dinis Mucacho, vogal da Associação e de João Chavango, chefe da localidade de Mafuiane.
Segundo nos contaram, a cada associado coube uma área de 0,64 hectar (80mx80m) para trabalhar de maneira independente, na condição de contribuir, mensalmente, com um valor previamente acordado, para a cobertura de despesas fixas como honorários dos trabalhadores, fornecimento de água e energia eléctrica para accionar as bombas no centro de captação.
Aliás, e tendo em conta a envergadura do regadio que a Electricidade de Moçambique montou uma linha de média tensão e instalou um posto de transformação, equipamentos que passaram a fazer parte da complexa infra-estrutura do regadio.
No início, segundo os nossos interlocutores, a contribuição mensal por cada associado era de 35 meticais. Depois subiu para 75 meticais, mais tarde para 150, e depois para 250 meticais. Mais tarde, e atendendo ao agravamento dos custos, o grupo acordou em que a quota mensal fosse fixada em 500 meticais e mais tarde em mil meticais, valor que ainda não foi revogado.
Na verdade, segundo reconheceram, apesar de o estatuto da associação determinar que o membro que faltar a esta obrigação por um período de cinco meses perde o direito de uso da sua parcela, hoje em dia são pouco mais de quarenta, dos 256 agricultores que subscreveram a carta da associação, que pagam as suas quotas.
Aliás, a nossa Reportagem testemunhou no local que muitas parcelas foram abandonadas, havendo apenas focos de áreas trabalhadas e um matagal a dominar mais de metade da área do regadio.
Devido ao abandono das parcelas e ao não pagamento das quotas, a Associação dos Regantes de Mafuiane acumulou dívidas num valor que ultrapassa os 2,5 milhões de meticais com a Electricidade de Moçambique, além de outras não especificadas com os trabalhadores e com a ARA-Sul, esta última pela utilização da água da bacia do Umbeluzi.
“As facturas de energia chegam a atingir os 180 mil meticais por mês. Por exemplo, a factura de Dezembro de 2012 foi de 147 mil meticais! Antes as facturas oscilavam entre os 30 e 45 mil meticais mas de repente a conta disparou para níveis acima dos 150 mil meticais. Temos que ir buscar esse dinheiro de algum lugar… E devia ser do rendimento das nossas machambas mas não temos conseguido ser rentáveis primeiro porque a nossa produção enfrenta problemas de colocação devido à concorrência de produtos estrangeiros”, justifica-se a tesoureira da associação.
Depois de um período de crise profunda na produção, segundo eles motivada pela suspensão do fornecimento de energia por parte da EDM, alguns agricultores retomaram a produção em Agosto de 2012, apostando no milho e pepino.
Colocar estes produtos no mercado é que tem sido o maior desafio dos agricultores, uma vez que os clientes impõem o preço de compra, no caso do pepino, além de que enfrentam concorrência dos produtos importados da vizinha África do Sul.
“A nossa vocação é fazer milho, amendoim, repolho, feijão-verde e pepino. Não conseguimos fazer tomate porque não temos como comprar os produtos fertilizantes que geralmente se usam para aquela cultura. Na verdade produzimos muito pouco e as pessoas até já se habituaram a ir procurar no Mercado do Zimpeto produtos em antes vinham comprar aqui na estrada onde tradicionalmente vendemos os nossos produtos”, explica Dinis Mucacho, vogal da associação.
Equipamento está votada ao abandono
Lacunas na gestão amordaçam o grupo
Em 2007, a Associação Mozal para o Desenvolvimento da Comunidade ofereceu uma prenda à Associação dos Regantes de Mafuiane: montou e equipou uma fabriqueta de embalagem e processamento de produtos agrícolas, infra-estrutura hoje dormente, e com os equipamentos a degradar-se devido à falta de uso.
Na conversa com a nossa Reportagem, os membros da direcção da associação admitiram que o grupo não se tem encontrado quando se trata de desenhar soluções para os problemas comuns, razão porque cada um tende a agir de forma individual, deitando por terra a perspectiva de acção de grupo que norteou a criação da agremiação.
“Hoje em dia alguns venderam as suas parcelas a indivíduos que estão na cidade, que não produzem e nem têm vocação para se dedicar à produção agrícola. A fabriqueta parou de funcionar porque já não tínhamos produtos para embalar nem para processar mas também sempre faltou um frigorífico para garantirmos a conservação dos produtos, mas esse equipamento nunca conseguimos comprar porque nunca tivemos isso como objectivo colectivo…”, disseram.
Nos dois anos que a fabriqueta funcionou, segundo soubemos, embalou pepino, feijão-verde, morango, cenoura e outros produtos que depois foram vendidos em supermercados e feiras agrícolas. Alguns produtos eram para lá levados por produtores de outros pontos da província de Maputo, que faziam uso dos serviços então disponíveis para melhorar as condições de conservação e apresentação dos seus produtos para a venda.
Hoje, o ambiente na fabriqueta é de total abandono, as máquinas desmontadas, e diversa matéria-prima espalhada nas prateleiras subaproveitadas da infra-estrutura.
“O Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA) já nos prometeu que vai custear a amortização da dívida com a EDM o que para nós seria bom porque este é um custo que não sabemos como vamos amortizar. Das cinco bombas de captação instaladas hoje apenas três funcionam e garantem a bombagem da água para a irrigação”, explica Ana Nhaca.
Neide Xerinda
Solução pode estar nos painéis solares
O uso de painéis solares pode ser a alternativa mais viável para gerar energia necessária para accionar as bombas no Regadio de Mafuiane, que agora acumula dívidas acima dos 2,5 milhões de meticais referentes a consumos de energia eléctrica fornecida pela Electricidade de Moçambique.
O administrador do distrito da Namaacha, Domingos Junqueiro, conta que esta opção já foi considerada nas conversas com os associados, tendo inclusivamente sido ensaiados contactos de base junto do Fundo Nacional de Energia (FUNAE), visando avaliar a possibilidade do uso de painéis solares.
O Governo Distrital da Namaacha intercedeu junto da Electricidade de Moçambique para conseguir que fosse restabelecido o fornecimento de energia eléctrica ao regadio, quando foi suspenso há cerca de dois anos por falta de pagamento das facturas de consumos anteriores.
Domingos Junqueiro, conta que esse pode ter sido o maior dos apoios que o governo distrital concedeu à associação, assumindo que é a ela que cabe fazer a gestão do regadio e garantir que seja rentável e capaz de se auto-sustentar.
“ Na verdade a situação do regadio é complicada. Tem muitas dívidas acumuladas com a EDM e nada indica que eles um dia possam ter capacidade para liquidá-las, pelo menos enquanto o modelo de funcionamento continuar o mesmo…”, disse Junqueiro.
Sobre facturas e dívidas de consumos do Regadio de Mafuiane, uma fonte da Direcção Comercial da EDM explicou ao “Notícias” que o corte no fornecimento de energia é algo que está previsto no contrato que o cliente assina com a empresa.
“Os cortes no fornecimento de energia resultam do incumprimento do contrato. Muitas vezes nós criamos espaço para o diálogo com o cliente que não cumpre as suas obrigações contratuais e quando vemos que isso não resulta suspendemos o fornecimento de energia como forma de pressão para que a dívida não se avolume”, explica a fonte, deixando em aberto a possibilidade de a EDM efectuar um novo corte no fornecimento de energia ao regadio, já que mensalmente as dívidas se acumulam e a Associação de Regantes não tem conseguido dar vazão às facturas.
Fabriqueta de processamento degrada-se por falta de uso
Falta cultura de trabalho e sentido de pertença
Os membros da Associação de Regantes de Mafuiane não estão a olhar para o regadio como uma infra-estrutura que lhes pertence, mas eles precisam assumir que é a eles que cabe a tarefa de gerir a infra-estrutura e garantir que seja produtiva e sustentável.
Esta posição foi defendida por Neide Xerinda, directora executiva do Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA), que nega que seja responsabilidade da sua instituição custear as despesas decorrentes do funcionamento do Regadio de Mafuiane.
Segundo ela, a única forma de viabilizar o regadio é a associação ligar-se a pessoas que querem, que podem e que vão efectivamente trabalhar a terra, o que segundo ela ainda vai a tempo de ser feito.
Segundo a fonte, em devido tempo o Estado concedeu o Direito de Uso e Aproveitamento dos 164 hectares do regadio à Associação dos Regantes de Mafuiane e, embora a infra-estrutura tenha sido entregue formalmente ao Estado, é à associação que recai a responsabilidade pela sua gestão sustentável.
“ Sabemos que os associados não estão a pagar as quotas e seria desse dinheiro que viria o suporte para o normal funcionamento do regadio. É verdade que o Estado goza da prerrogativa de cancelar o DUAT nos casos em que os beneficiários da terra não a utilizam, mas isso tem que ser analisado e discutido num fórum que envolva os próprios associados. Existem alternativas para se tornar o regadio produtivo e justificar os investimentos feitos”, disse Neide Xerinda.
Acrescentou que há pessoas que compraram parcelas no regadio mas que não têm nem vontade nem vocação para trabalhar a terra, mas que têm a perspectiva de, um dia, ver a área tornar-se numa zona para habitação para poderem venderem os espaços, como aconteceu no Regadio de Massaca onde foram erguidas mansões em pleno regadio.
“ Temos que convencer a associação a entregar parte do regadio a um parceiro que possa rentabilizar a infra-estrutura. É triste ver um regadio daqueles ocioso, aqui ao lado de potenciais mercados nas cidades de Matola e Maputo, que praticamente vivem de produtos agrícolas importados. Não se pode permitir que terra fértil como aquela, infra-estruturada, com água disponível e outras facilidades operacionais, esteja subaproveitada.
Vamos ter que encontrar uma solução para a situação”, disse Neide Xerinda.
- Júlio Manjate