O mais recente livro da escritora moçambicana Paulina Chiziane, "Na mão de Deus", evoca a experiência da autora durante um internamento numa ala psiquiátrica, onde, diz, em entrevista à Lusa, despertou para a "mediunidade".
Através do relato da personagem Alice, a autora descreve o que lhe aconteceu durante a semana em que esteve internada numa ala psiquiátrica, em 2010, evocando todo o drama que diz ter vivido, desde as perturbações físicas e psíquicas, a "visões e vozes de entidades espirituais que se manifestavam de diferentes formas".
"Não existe margem nenhuma entre a Alice e a Paulina Chiziane porque fui eu que fiquei doente, tive um transtorno mental, baixei na psiquiatria uma semana", diz a escritora à Lusa.
A família, que a acompanhou no tratamento da doença, diz, nunca percebeu que se tratava do "despertar da mediunidade", fenómeno que é descrito à Lusa como "a capacidade de se estar num meio entre os planos físicos e extra físico", pela coautora da obra, Maria do Carmo da Silva, uma médium e estudante de espiritismo.
"A minha família está ligada à cultura ocidental e como todas as famílias julga-se superior. Entretanto, elas não têm capacidade para gerir o invisível que é muito bem gerido pelas tradições africanas e asiáticas, algumas delas, e pelo espiritismo", defende Paulina Chiziane.
"O que pude constatar é que, com a minha doença, eu encontrei respostas muito positivas tanto na esfera tradicional, como tive assistência também do espiritismo", afirma.
Mas durante dois anos, a mulher escritora mais lida e traduzida de Moçambique optou pelo silêncio.
"A omissão tem a ver com o estigma social, que vem da religião cristã. Das tradições africanas nem tanto, porque sabem como lidar com este tipo de problemas. As tradições cristãs, a cultura ocidental onde tudo é palpável, tem que ser visível. Então, quando aparece uma doença causada pelo invisível, então a igreja vem dizer que não", afirma.
De resto, a autora de obras como "A balada de Amor ao Vento" ou "O Alegre Canto da Perdiz", acredita que, neste campo "não há mais esclarecidos".
"Acho que a cultura ocidental é menos esclarecida do que a africana neste campo. Quando um padre, por exemplo, diz que ele sabe, abençoa e que faz, o que é que ele está a fazer? Será que o que ele faz é superior ao que os nossos antepassados faziam?", questiona.
Paulina Chiziane acredita que "o caso da doença levanta todos os aspetos de cultura e tradição desde os tempos mais antigos: se foi o próprio Deus que criou a multiplicidade, porque a expressão divina não pode ser múltipla? Eu sou negra, sou africana, de uma terra lá de Manjacaze (sul de Moçambique). Eu para chegar a Deus não preciso da cultura de outro, porque Deus está em mim".
E, defende, "cada indivíduo deve ter a sua maneira individual, cultural de encontrar o supremo".
"Por que é que tenho que ficar presa a dogmas criados por tantas outras culturas? Temos que nos libertar. Eu rejeito a ideia de um Deus que vem da mão do ocidente. E a minha descrição toda caminha nesse sentido", afirma.
MMT // VM.
Lusa – 27.01.20131