Estamos chocados e profundamente preocupados com o rumo que as coisas estão a tomar no nosso País! A transmissão, pela Televisão de Moçambique (TVM), a TV pública nacional, da festa do 700 aniversário de Armando Guebuza, que é actualmente o Presidente da República, é, quanto a nós, a prova mais do que evidente de que se está a enveredar no País pelo “culto de personalidade” a uma figura que só encontra paralelo no ridículo ambiente político norte coreano, em pleno século XXI.
Guebuza tem estado a convocar todos os moçambicanos rumo à sua consagração como “líder espiritual” moçambicano, como o mundo se habituou a ver na Coreia do Norte com os falecidos ditadores: Kim Il Sung e seu filho Kim Sung Il…
A TVM – paga pelos nossos impostos – transmitiu, durante aproximadamente 8 horas (das 12 horas às 19h20 de domingo, 20 de Janeiro de 2013), o banquete servido pelos 70 anos de Armando Guebuza, na Ponta Vermelha, e difundiu todas as intervenções de louvor a Guebuza. Ora pela “clarividência”, ora pela “celestial postura”, ora pela “episcopal sabedoria” com que nos dirige rumo ao desenvolvimento, a TVM, pura e simplesmente, esteve horas a endeusar Guebuza.
Absolutamente ridículo!
Simplesmente um atentado à República e aos mais elementares princípios de um Estado plural.
Um atentado ao que deve ser a postura de um órgão de comunicação social público nos exactos termos da Constituição da República de Moçambique.
Tratou-se de um dispêndio de meios do Estado que facilmente nos leva a entender porque depois não há dinheiro para se pagar melhores salários aos professores, aos médicos, aos enfermeiros, aos polícias e, de uma forma geral, aos funcionários públicos.
Assim entende-se melhor porque não há dinheiro para se construírem e repararem infra-estruturas públicas e cuidar-se dos milhões de desfavorecidos.
É de estarrecer qualquer cidadão medianamente lúcido tão degradante espectáculo que nos foi dado a ver pela TVM, no último domingo.
Pagamos impostos por um serviço público de televisão profissional e de rigor e dão-nos um dia inteiro de kim-il-sunguismo.
Passou-se um domingo com a TVM a promover a estupidificação de milhões de moçambicanos por causa das benesses que os seus gestores usufruem no banquete do poder.
Mais do que a uma festa de aniversário de um cidadão a quem assiste o direito, como a outro qualquer, de a celebrar em alegria e felicidade com os seus familiares e amigos, assistimos a um vergonhoso acto de endeusamento do aniversariante.
É preciso que os gestores da TVM tenham mais respeito para com os moçambicanos!
Qual é o interesse público da festa do aniversário do senhor Armando Guebuza?
O que muda na vida dos moçambicanos as pomposas festas do senhor Armando Guebuza?
Afinal um cidadão-presidente está para servir o País ou para ser servido?
Quer a direcção da TVM que nós cidadãos existamos para servir Guebuza?
Afinal não é o Presidente que jura servir os cidadãos e o País, quando toma posse?
Que inversão de valores está esta governação a querer impingir-nos? Ou será apenas um problema interno da TVM?
A TVM não teria estado a prestar melhor serviço ao País se tivesse mostrado antes as milhares de famílias que não têm onde dormir, nem que comer por causa das chuvas, a fim de promover uma onda de solidariedade nacional que as tire urgentemente do grande sofrimento por que estão a passar?
Que Governo é este que, num momento em que centenas de famílias sofrem abandonadas e votadas à sua triste sorte, celebra com pompa o aniversário de um cidadão, só porque é circunstancialmente Chefe de Estado?
Que Governo é este que gasta milhões de meticais do Estado ao mesmo tempo que diz não haver dinheiro para permitir melhor vida aos que sofrem?
Que Governo é este que diz não ter dinheiro para pagar melhor aos enfermeiros, aos professores, aos polícias, aos militares, aos médicos, aos funcionários públicos, de uma forma geral, e passa os dias a rebentar dinheiro do Estado em festas, festinhas e festarolas?
O Senhor Armando Emílio Guebuza está a usar dinheiro do povo para dar festas para o venerarem. É este o absurdo da insensibilidade que caminha de mãos dadas com quem nos dirige.
Numa altura em que deveríamos estar todos a estudar formas de ajudar os nossos compatriotas e seus filhos menores que vivem um autêntico desespero por causa das enxurradas, preferem convocar cultos de exibição de poder absoluto.
Enquanto se sofre por todo o País, insistem com festas transmitidas pela televisão pública para fazer crer que o Estado da Nação é Bom? Haverá maior hipocrisia?
O poder absoluto só conhece um processo de recompensar a virtude: esmagar quem devia ser servido. Isso tem uma explicação: é que o déspota, tendo sido homem (auto atribui-se a transcendência). Exige aos homens que se curvem e o adorem num espectáculo servil com o qual o próprio colhe incenso e insígnias que o confirma na condição de todo o poderoso. Trata de exigir que seja chamado filho mais querido do seu País.
Oliveira Salazar, o ditador que impediu a independência nacional, também era o filho mais querido dos portugueses que se serviam do Estado português, na altura o Estado que nos colonizava. Recebeu louvores e palmas orquestrados pelo seu domesticado público mantido na ignorância, endeusado pelos membros dos seus sucessivos governos e pelas elites que usufruíam do Estado.
Não deixemos que isso aconteça connosco!
É imperioso que combatamos o “culto de personalidade” e que lutemos para promover um Moçambique moderno.
Enquanto se louva o “todo-poderoso” em pomposos banquetes, há gente sem esperança cá do lado de fora do Palácio. É essa gente que se está a enterrar enquanto se endeusa quem já se julga dono e senhor do País.
Há famílias desesperadas na Polana Caniço, em Maputo, e pelo País todo que nem sequer caixão tem para enterrar seus filhos que perderam a vida por causa das chuvas, mas há quem teime em ser o salvador dos moçambicanos, promovendo o seu próprio endeusamento.
A milhões de Moçambicanos na pobreza é dado a ver pela televisão pública como comem bem os que se banqueteiam com o dinheiro dos nossos impostos, em vez de usarem os escassos fundos do Estado para obras fundamentais, essas, sim, de enorme interesse público, tais como estradas para escoar a produção agrícola, silos para armazenar excedentes, organizar sistemas de transportes modernos e eficientes, promover a indústria nacional, patrocinar habitação para os jovens, para não irmos mais longe…
É com atentados à consciência cívica dos moçambicanos, como o espectáculo que a TVM transmitiu no domingo, durante horas, que querem fazer crer aos moçambicanos que o Governo que temos promove a “inclusão”?
É a isto que chamam de luta contra a pobreza absoluta? Enquanto uns sofrem outros banqueteiam-se. É isto o combate à pobreza?...
Enquanto uns pedem aumento de salário, outros dizem que o Estado não tem dinheiro, mas depois o esbanjam em festas em que o gasto por conviva deve ter andado pela ordem de quatro ou cinco salários mínimos, em poucas horas, para além dos custos subjacentes.
É assim o combate à pobreza?
O dia-a-dia mostra-nos e o espectáculo de domingo confirma-o em absoluto que este Governo de Moçambique está longe de dar golpes à pobreza. Mostra-nos que a insistência no discurso de combate à pobreza não passa de um disco riscado!...
O Governo que temos, como nos foi dado a ver pela TVM da Ponta Vermelha, está a golpear milhares de moçambicanos, piorando cada vez mais a sua condição de miséria, ao gastar indevidamente dinheiros públicos.
Não há Unidade Nacional que se edifique perante tamanha falta de sensibilidade e de falta de respeito pelo sofrimento que uns passam, enquanto outros esbanjam recursos do Estado em exercícios de endeusamento.
Nós recusamo-nos a ser cúmplices desse festival de hipocrisia e vampirismo.
Nós dizemos não ao culto de personalidade!
Achamos legítimo que o cidadão Armando Guebuza celebre o seu aniversário em Paz e que seja muito feliz no conforto da sua família e dos seus amigos. É um direito de qualquer cidadão celebrar a vida em festa e alegria. Mas como Chefe de Estado ele devia ser o primeiro a recusar pompas das que nos foram mostradas pela Televisão Pública. Devia ser o primeiro a mostrar ao País que o Estado não é para ser usado em benefício próprio de quem está investido de responsabilidades públicas.
Canal de Moçambique – 23.01.2013