Repescagem de artigo de 2003 relança a polémica
O Canal de Moçambique inicia hoje uma série de depoimentos especiais de pilotos nacionais e estrangeiros que discutem questões técnicas sobre o acidente de Mbuzini.
Recentemente, órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros repescaram uma notícia já antiga, remontando a 2003, em que se cita um antigo membro das Forças Armadas do antigo regime do apartheid, Hans Louw, a dizer que ele próprio integrou um grupo que matou Samora Machel e assim se relança a polémica sobre as causas da morte do primeiro presidente de Moçambique, Samora Moisés Machel, ainda por esclarecer oficialmente pelo Estado moçambicano que desde 1986 afirma que está a investigar o caso.
Hans Louw assumiu que o VOR foi determinante para o fim que teve o voo em que ia Samora Machel.
Louw admite-se como agente ao serviço do “Civil Cooperation Bureau” (CCB), departamento de operações especiais dos serviços secretos do então regime do “apartheid”, e assume ter estado envolvido na morte de Samora Machel.
Hans Louw disse ao jornal “Sowetan Sunday World” que fizera parte de uma “equipa de apoio, munida de mísseis portáteis terra-ar, cuja missão era a de abater o avião na eventualidade do dito VOR falso não ter funcionado”.
Um dos filhos do falecido chefe de Estado moçambicano, Samora Machel Júnior, o primogénito, a propósito da repescagem das declarações de Hans Louw em 2003, vem agora, a 17 de Janeiro do corrente ano afirmar, à agência de notícias portuguesa, LUSA, que as declarações de Hans Louw constituíam “informações importantes e encorajadoras” para se apurar a verdade sobre as causas da queda do avião presidencial, acrescentando que eram “sinal de que existem fortes indícios (de que não se tratou de erro humano, como indicam algumas teorias) que levaram o governo sul-africano a reabrir o processo”.
Mas diz também que a sua família continua “à espera dos resultados dos inquéritos dos governos de Moçambique e da África do Sul”, deixando assim crer que para a família Machel continua tudo em aberto.
Hans Louw reiterou as declarações que proferira em 2003 durante um programa do canal de televisão sul-africano, SABC TV 3, transmitido em 2008.
Originalmente publicada pelo semanário sul-africano em 2003, “Sowetan Sunday World”, a notícia agora relançada pelo jornal português Expresso, recorda Hans Louw a dizer que fizera parte de uma equipa que se encontrava em Mbuzini na noite do acidente em que perdeu a vida o Presidente Samora Machel e 33 outras pessoas que seguiam a bordo do Tupolev 134A-3, pilotado por uma tripulação da então União Soviética.
O Canal de Moçambique inicia hoje uma série de depoimentos de pilotos nacionais e estrangeiros que discutem questões técnicas sobre o acidente de Mbuzini. Mas começamos pelas declarações do primogénito do primeiro presidente da República de Moçambique:
Sobre as declarações do agente do Apartheid
O que diz Samora Machel Júnior
O filho mais velho de Samora Machel destaca que as declarações de ex-agente secreto sobre a morte do pai “são importantes como quaisquer outras”, mas disse à LUSA que a sua família continua “à espera dos resultados dos inquéritos” dos governos de Moçambique e da África do Sul”.
“Os Estados moçambicano e sul-africano é que têm que fazer as devidas análises (dessas informações divulgadas). Para nós quaisquer informações são importantes”, conclui, admitindo que a família Machel não está esclarecida em definitivo sobre as causas da morte de Samora.
O primogénito de Samora Machel fez estas declarações no dia 17 de Janeiro do corrente ano à LUSA (Agência portuguesa de notícias).
Considerou “importantes e encorajadoras” as declarações do ex-agente da secreta sul-africana Hans Louw que assumiu a autoria da morte do primeiro presidente moçambicano, mas disse esperar pelos resultados da comissão de inquérito.
Nestas declarações à Lusa, Samora Machel Júnior (Samito) disse tratar-se de “informações importantes” para se apurar a verdade sobre as causas da queda do avião presidencial, a 19 de Outubro de 1986, em Mbuzini; acrescentou que “é sinal de que existem fortes indícios (de que não se tratou de erro humano, como indicam algumas teorias) que levaram o governo sul-africano a reabrir o processo”, mas admitiu, simultaneamente, que “a família continua à espera” de uma posição oficial do Estado moçambicano sobre a morte do ex-Presidente de Moçambique, porque “até este momento tudo o que temos ouvido é com base no que sai nos órgãos moçambicanos e sul-africanos”.
“Não tivemos nenhum contacto com o Estado”, concluiu.
As declarações à LUSA vieram a propósito de uma entrevista exclusiva publicada em 2003 pelo semanário sul-africano “Sowetan Sunday World”
O ex-agente da secreta sul-africana contou que o regime do “apartheid” tinha um plano “A”: desviar o Tupolev da sua rota por meio de emissão de falsos sinais de radio (VOR), para que o piloto russo conduzisse o avião para território sul-africano, o que efetivamente aconteceu.
O aparelho acabou por se despenhar nas montanhas de Libombo, na região de Mbuzini, pois o piloto estava convencido de que estava a baixar em direcção a Maputo.
Hans Louw disse que os falsos sinais que desviaram o avião presidencial moçambicano teriam sido usados também para abater um avião militar angolano em 1986. (Lusa / Redacção)
O incidente com o Tupolev de Samora em Mocímboa da Praia
Por mais que se tenha instalado um VOR falso, com outros instrumentos de bordo em funcionamento, dificilmente um piloto vai-se guiar com base no VOR falso. Com certeza que não vai seguir a indicação desse VOR falso…
– considera o piloto entrevistado pelo Canal de Moçambique
André Mulungo
Ouvimos esta semana um piloto moçambicano para nos falar da função de um VOR para um piloto e ele acabou por nos contar também um episódio, em Cabo Delgado, mais precisamente no aeródromo de Mocímboa da Praia, ocorrido pouco tempo antes da tragédia de Mbuzini, com a mesma aeronave que acabaria por se despenhar quando transportava o presidente Samora Machel.
Esta entrevista é a primeira de uma série que terá sequência nas nossas próximas edições.
Siga em discurso directo a entrevista gravada com o primeiro piloto. Este pediu-nos que não revelássemos a sua identidade:
Canal de Moçambique (Canal): Como é que funciona um VOR e para que serve?
Piloto (anónimo mas devidamente identificado): O VOR é um instrumento moderno, apesar de já ter sido inventado há bastante tempo. É um instrumento que ainda está em uso, bastante eficiente, que emite sinais para o avião. Depois de os pilotos seleccionarem a frequência desse VOR, o equipamento que está no avião capta esse sinal e orienta para esse mesmo VOR.
Canal: O que é que aconteceria se se instalasse um VOR falso?
Piloto: Se houvesse um VOR falso em algum lado, o avião não há dúvida nenhuma que ia ter ao sítio onde esse VOR falso foi instalado. Mas se o avião tiver outro equipamento – normalmente tem – os pilotos têm de saber comparar.
Canal: A que outro equipamento se refere?
Piloto: Outro equipamento como o GPS, o Radar, o ADF também, mas principalmente o GPS e o Radar…Tem de saber comparar os dados e a rota que a gente está a seguir, o rumo que o avião está a levar.
Canal: Com isso quer dizer quepor mais que se tenha instalado um VOR falso, esse equipamento, estando em funcionamento, dificilmente o piloto vai-se guiar com base no VOR falso?
Piloto: Com certeza que não vai seguir a indicação desse VOR falso…
Canal: Há possibilidade de o avião descolar com esse equipamento como o Radar e o GPS não em bom funcionamento ou avariado?
Piloto: Possibilidades há sempre. Desde que o piloto queira descola. Simplesmente, se esses equipamentos estão avariados, independentemente do voo que os pilotos vão fazer, há que decidir se está em condições de segurança para navegar ou não. Se for com passageiros – sejam quais forem os passageiros – não pode descolar.
Canal: Mas antes de descolar há uma série de procedimentos que o piloto tem de seguir?
Piloto: Sim, o piloto tem de verificar todos esses equipamentos.
Canal: E isso não pode falhar em hipótese nenhuma?
Piloto: Não pode falhar. Tem que fazer. E se há algo que é indicado que não funciona o piloto deve ir aos livros para saber se pode sair com aquele equipamento avariado ou não. É o chamado MEL ou Minimum Equipment List.
Canal: Disse que há possibilidade de o avião mesmo com o GPS e o Radar avariados poder descolar em função da distância, é isso?
Piloto: Não. É em função do voo que vai fazer. Por exemplo: se vai fazer um VOO FERRY, quer dizer o avião está avariado e tem que ir para outro sítio para fazer a manutenção, não pode levar passageiros. A isso chama-se VOO FERRY. Ok.
Pode descolar com tudo avariado até, desde que tenha os motores. Ok. Pode descolar com tudo ou quase tudo avariado, não tem problema nenhum, se vai para um sítio a que vai fazer a manutenção. Agora se for com passageiros, com certeza que não pode descolar. Porque esses elementos que eu falei agora são elementos de muita importância em segurança aérea para que o voo seja feito com todo o conforto.
Canal: Pode-se dizer que houve um pouco de negligência por parte dos pilotos do Tupolev?
Piloto: Não posso dizer uma coisa dessas, porque não sei o que se passou. O que lhe posso dizer é que se os instrumentos importantes não funcionam o voo não pode ser feito. Os testes que se fazem antes do voo têm que ser feitos. Se não for assim, é claro: os desastres acontecem.
Canal: Antes do Presidente Samora viajar para a Zâmbia, houve aquela viagem de Pemba para Mocímboa da Praia e consta ter havido um incidente com o Tupolev, pode explicar melhor isso?
Piloto: Eu não sei de onde é que o avião vinha. Só sei que o avião aterrou em Mocímboa da Praia. Estava um dia bonito, um dia de sol, não havia uma nuvem no céu. Um dia calmo com uma visibilidade extraordinária. O Tupolev 134A-3 fez-se à pista muito alto, muito alto mesmo, de tal maneira que bateu no meio da pista, ou um pouco depois no meio da pista e saiu da pista uns 200 ou 300 metros e ficou envolvido numa nuvem de pó. As portas abriram-se, os passageiros saíram. Ia lá a Senhora Graça (Machel) e o Sr. Ministro Chipande e outras entidades. Os pilotos deviam, ao detectarem que estavam a fazer uma aproximação alta, deviam ter borregado, deviam ter dado outra volta, fazer outra aproximação profissional de forma a aterrarem no início da pista. O avião foi rebocado depois por um tractor para o meio da pista e descolaram e fizerem um voozinho ali. Voltaram a aterrar e passado um bocado meteram os passageiros e foram-se embora. Esse avião não devia voar assim.
Canal: Ficou algum tempo o avião para depois se realizar a viagem do Presidente Samora?
Piloto: Mas não sei, não faço ideia, não sei o que se passou. O que lhe posso dizer é que dadas as condições excelentes de tempo em Mocímboa da Praia, pela aproximação que o avião teve, os pilotos eram de uma incompetência total e absoluta.
Canal: Depois daquele incidente em Mocímboa da Praia o avião não estava mais em condições de voltar a voar antes que passasse por uma manutenção?
Piloto: Não! Antes que passasse pelas mãos de especialistas de várias matérias para fazer uma vistoria ao avião como deve ser, não podia andar com passageiros. O avião pode ter ficado com fracturas em vários sítios que não são detectadas a olho nu. Tem máquinas próprias para isso. E outras coisas. Portanto, o avião devia ter passado por uma manutenção. Devia ter vindo vazio para Maputo ou ido vazio para qualquer sítio onde se fizesse a manutenção do avião E isso não foi feito!
Canal: Não há possibilidade alguma de um VOR que está instalado em Mbuzini nos dar uma informação para Moçambique, indicar Maputo?
Piloto: Sim, há. O VOR é colocado num sítio X com as frequências do sítio Y. Por exemplo, podiam ter posto um VOR em Mbuzini a emitir como se estivesse aqui no Maputo.
Canal: Mas já os outros instrumentos não vão por aí… O GPS e o Radar não se enganam?...
Piloto: Não, não, os outros instrumentos não se enganam.
Canal: Não se enganam?
Piloto: Não têm nada a ver com o VOR.
Canal: Então no seu ponto de vista, o acidente de Mbuzini é um erro humano?
Piloto: Até prova em contrário, sim. Até prova em contrário é, sem dúvida nenhuma erro humano. É preciso que as causas sejam descobertas e pôr a informação a circular. E depois é preciso que digam a verdade para a gente poder acreditar. Não venham com uma invenção qualquer!!!...
Canal: Há possibilidades de ter havido uma sabotagem?
Piloto: Existem sempre possibilidades de sabotagem. Agora, se houve, se não houve, não sei, não faço ideia.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 06.02.2013
NOTA:
Há aqui uma coisa nas declarações do sul-africano que há muito me atormentam:
“Hans Louw disse ao jornal “Sowetan Sunday World” que fizera parte de uma “equipa de apoio, munida de mísseis portáteis terra-ar, cuja missão era a de abater o avião na eventualidade do dito VOR falso não ter funcionado”.”
Ora, caso o piloto não tivesse sido “enganado” pelo VOR, o avião seguiria a sua rota normal. Quando a sua equipa verificasse tal, seria que os mísseis teriam alcance para atingir o avião desde o território sul-africano? Entre esta constatação, a decisão e o disparo haveria tempo suficiente para que o avião ainda estivesse ao seu alcance?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE