editorial
O Procurador Geral Ajunto da República, Taibo Mucobora, veio na semana passada dizer, em entrevista ao SAVANA, que a instituição da qual faz parte irá iniciar, nos próximos dias, investigação visando apurar até que ponto correspondem à verdade as constatações patentes no segundo relatório da EIA
(Enviornmental Investigation Agency), intitulado “Conexões de Primeira Classe”, onde figuras da nomenklatura políticogovernamental são citados como verdadeiros pivots na exploração desenfreada e ilegal de madeira nacional e posterior exportação, essencialmente para o mercado chinês. O pronunciamento pode, à priori, constituir uma grande e boa nova. Mas a questão pertinente que se coloca logo a seguir é: por quê só agora vai iniciar uma investigação, se todos nós sabemos que o primeiro relatório da EIA, com quase as mesmíssimas constatações, foi publicado ano passado. Nessa altura, tal como acontece agora, os jornais, as televisões, as rádios abordaram o assunto. Certamente que a PGR viu, ouviu e leu as notícias. Até porque é de lei, as empresas jornalísticas entregarem jornais a PGR de borla.
Portanto, os visados, o actual ministro da Agricultura e membro da Comissão
Política da Frelimo, José Pacheco, e o antigo ministro do mesmo pelouro, Tomás Mandlate, tiveram vergonha na cara no sentido de se sentirem obrigados a vir a público, ou para assumir a culpa e pedir desculpas aos moçambicanos (entregando-se às instâncias judiciais), ou então, para tranquilizar os moçambicanos provando que nada têm a ver com os crimes reportados no relatório. Costuma se dizer, no adágio popular, que quem cala consente. Quer isto dizer que, efectivamente os crimes apontados no relatório são reais e as pessoas arroladas têm culpa no cartório. Nessa altura, a Procuradoria Geral da República
(também) manteve-se caladinha. Não moveu palha sequer. O Governo de Armando Guebuza, que nomeou Pacheco para ministro da Agricultura, (também) não moveu palha. O partido que tem Pacheco como membro do mais importante órgão partidário, (também) não moveu palha. Por que será que os três órgãos que deviam ter agido, nada fizeram?
Não sabemos, porque ninguém disse nada.
Mas não estaríamos a dizer asneiras se especulássemos que a camaradagem torna-se regra nestes casos. Ninguém quer queimar a ninguém. É exactamente por causa desse tipo de coisas que costuma se questionar a independência entre os poderes executivo, legislativo e judicial.
Em quatro paredes terão aplicado o provérbio português: os cães ladram, a caravana passa. No caso seria: os cães ladram e Pacheco continua ministro.
Conclui-se aqui que ninguém moveu palha porque estes esquemas tem o beneplácito ao mais alto nível das autoridades governamentais.
Portanto, não seria também asneira nenhuma se concluíssemos aqui que as promessas do Procurador Geral Adjunto da República são apenas para o boi dormir.
Não somos apóstolos da desgraça, mas por aquilo que testemunhas todos os dias, somos obrigados a viajar para o futuro e dizer que o discurso de Mucobora vai acabar no discurso. É que os discursos recorrentes das nossas autoridades são de um país do futuro em que tudo vai acontecer. Nunca acontece agora. Portanto, uma justiça futura, segundo promessa de Mucobora, não vai parar com os roubos que se registam em todos os lados, pois de justiça futura ninguém tem medo. Só se pode ter medo sim de uma justiça do presente. Não estamos, de maneira nenhuma, a querer dizer que os dados do relatório da EIA são definitivos e correspondem a verdades absolutas.
Estamos, sim, a tentar dizer que é necessário fazer alguma coisa agora. O tempo de agir é agora.
A PGR diz que vai iniciar uma investigação acerca dos “findings” dos britânicos. Mas pensamos que seria de bom tom que as investigações acontecessem com Pacheco fora dos assentos políticogovernamentais, pois pode tudo fazer para deturpar o curso das futuras investigações.
É que poder e capacidade para tal ele tem.
Afinal é ministro e é membro da comissão política do partido governamental.
A Constituição da República diz que somos todos iguais perante a Lei. Ao Almerino Manhenge, a PGR preferiu continuar com as investigações com o acusado preso.
Mantendo José Pacheco a passear a sua classe livre como se nada estivesse a acontecer é o mesmo que aplicar dois pesos e duas medidas, contrariando o mais básico preceito constitucional sobre a igualdade perante a lei.
Se a PGR não fizer nada nos próximos dias, alguém, ao mais alto nível governamental deve, a bem da credibilidade deste Governo, tomar alguma posição.
Não em relação a Tomás Mandlate, mas sim em relação ao membro do Governo e da comissão política, no caso José Pacheco.
O Presidente da República que nomeou Pacheco deve perceber que situações destas são como verdadeiros vermes que carcomem a ideologia traçada na criação da Frelimo. Ideologia que, infelizmente, vem sendo destruídos nos« últimos anos, particularmente nos últimos 8 anos.
Situações como estas devem preocupar o Senhor Presidente, pois, estamos numa era em que o povo não é mero observador e cumpridor. O povo tem televisão, tem rádio e lê jornais. Tente entender o que isso significa, Senhor Presidente!
O Senhor Presidente não terá ouvido que o ministro responsável pela protecção das florestas é, afinal, o contrabandista mor deste recurso esgotável e pura e simplesmente assobiado para o lado. É que estamos a falar de muito dinheiro que pode ter ido parar ilegalmente nos bolsos de alguém, Senhor Presidente. Segundo o relatório, as perdas do Estado moçambicano estão na ordem de USD 29 milhões, só em 2012.
Se isso aconteceu, o Senhor Presidente tem ainda oportunidade de, nos próximos dias, dizer qualquer coisa aos moçambicanos.
Nunca é tarde para corrigir um mal e mostrar a sua verticalidade. Se isso não acontecer seremos obrigados, como já se diz por aí, que boa parte dos lucros do saque da madeira vão para os cofres do partido que o Senhor é presidente.
Não nos deixe pensar assim porque queremos continuar a sonhar com um país melhor e isso só poderá acontecer se tivermos dirigentes que cultivam a integridade e a transparência. Chega de promiscuidade e apelo para auto-estima de um país sem referências positivas que possam guiar futuras gerações.
PS. Foi com alguma estranheza que ouvi, no RM jornal das 12h30 desta segundafeira, o ministro da Agricultura, em visita de trabalho a Cabo Delgado, dizer que o Governo iria continuar a apertar o cerco aos contrabandistas de madeira no país. Citando, o ministro disse que “para os que forem apanhados no tráfico não haverá contemplações. Serão punidos de acordo com a lei”. Embora pareça claro o discurso de José Pacheco, dúvidas ainda pairam e a pergunta pertinente é: Pacheco falou como governante ou como suposto traficante de madeira?
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MEDIA FAX – 19.02.2013