Exmo. Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal,
Exmo. Sr. Cônsul Geral de Portugal em Moçambique,
Exmo.s Srs.
Cumpre-me, antes de mais, apresentar as minhas saudações e agradecer, antecipadamente, pela atenção que, estou certa, votarão ao preocupante assunto exposto abaixo.
O meu nome é Sandra Rodrigues, sou uma cidadã portuguesa, tenho 38 anos e sou arqueóloga de profissão; residente desde 2008 em Moçambique, país para onde decidi mudar-me, felizmente, não por necessidade - tinha emprego em Portugal - mas por opção, sendo que trabalhei como voluntária durante 2 anos. Mais tarde, acabei por empregar-me num consórcio de duas empresas, uma portuguesa e outra tutelada em 80% pelo Governo Moçambicano. Assim, resido na Ilha de Moçambique, desde Fevereiro de 2011.
O motivo que me impeliu a dirigir esta missiva a V.ªs Ex.ªs (e à comunicação social portuguesa) prende-se com o facto de me solidarizar com os milhares de portugueses que, ao contrário de mim, estão a abandonar o país por aí não encontrarem sustento para as suas famílias nem condições de vida dignificantes.
Portugal sempre foi um país de emigrantes e de imigrantes, os quais são, por tradição e cultura, geralmente, bem acolhidos pelos nossos concidadãos. Contudo, a mais recente vaga de emigração que sai de Portugal começa a optar por destinos mais exóticos e com afinidades linguísticas e culturais, isto é, algumas das antigas colónias portuguesas, como Angola, Brasil e mesmo Moçambique. É aqui que surgem os 1ºs problemas e que, após muita ponderação, resolvi ajudar a denunciar a quem de direito, na expectativa de ver medidas sérias a serem tomadas em defesa dos interesses nacionais.
Moçambique é um país que integra a CPLP e os PALOP, pelo que estes factores deveriam também contribuir para que a relação entre moçambicanos e portugueses (ou outros membros) fosse privilegiada. Todavia, nos últimos meses começa a assistir-se a um crescente fenómeno xenófobo e nacionalista por parte de alguns moçambicanos (nomeadamente na comunicação social e nas esferas mais elevadas da sociedade moçambicana) relativamente aos estrangeiros, principalmente aos portugueses.
Durante vários meses tenho vindo a acompanhar tomadas de posição e opiniões públicas verdadeiramente preocupantes, seja nas televisões, jornais ou internet, mas por me ter parecido que seria uma reacção normal face a um inesperado número de estrangeiros recém-chegados, mantive-me à margem, esperando que se tratasse meramente de uma “reacção momentânea”. ENGANEI-ME!
A atitude xenófoba, o nacionalismo crescente – numa espécie de “nova guerrilha colonial” começa a acentuar-se e a ameaçar a paz e o sentimento de confiança e amizade que existia antes. O mais grave, é que se trata de tomadas de posição/opiniões que estão a ser notícia diariamente na imprensa escrita e na televisão, bem como se vê pessoas que ocupam altos cargos do governo a assumir publicamente este ódio racial submerso numa espécie de sentimento de superioridade grave, agora que o ex-colonizador está de “mão estendida”. Estes moçambicanos, que agora menciono, referem-se aos portugueses (e não só) como “novos colonos”, maus, abusadores, exploradores, ladrões, vis, entre outros adjectivos menos dignificantes.
Ora, é certo que, lamentavelmente, nem todos os que chegam a África, neste caso concreto a Moçambique, são bem formados ou polidos e muitos não estão, em absoluto, preparados para lidar com a cultura e mentalidade locais, tendendo a esquecer-se que efectivamente não estão na Europa, muito menos no tempo colonial. Mas não é por algumas atitudes menos refinadas de, estou certa, um pequeno conjunto, que se pode admitir que se recorra aos média para espalhar um sentimento xenófobo e nacionalista que, para se afirmar, atropela, sem dó nem piedade, factos históricos, relações diplomáticas, políticas e económicas. Para ilustrar todas as afirmações que faço supra e para não ser tomada por alarmista, envio apenas dois exemplos recentes daquilo que se escreve e circula neste país sobre os portugueses. Trata-se de uma “carta aberta aos portugueses que querem vir (ou vieram) para Moçambique” – que circulava em todas as redes sociais no dia 30 de Janeiro; e um editorial do “Diário de Notícias de Moçambique” de dia 1 de Fevereiro. Quanto à 1ª e por cuja ignorância me ter despertado a necessidade de reacção, respondi de igual forma na carta anexa “Comentários de uma portuguesa à carta aos portugueses”, mas as coisas estão a chegar longe demais…
A manter-se este ritmo, em pouco tempo, temo que esteja instaurado um sentimento injusto e generalizado relativamente a tantas pessoas que elegerem este país para viver e trabalhar com honestidade e respeito.
Assim, o meu apelo às autoridades político-diplomáticas vai no sentido de que dialoguem com os seus pares Moçambicanos, a fim de mudar este cenário, nem que para isso sugiram que se façam campanhas públicas de sensibilização para a boa relação entre os dois povos… afinal, também em Portugal residem centenas de Moçambicanos e, à parte alguns casos pontuais de xenofobia perpetrados por partidários de extrema-direita, julgo que vivem lá muito bem e são respeitados e bem acolhidos. Talvez seja bom lembrar que se muitos portugueses vêm procurar trabalho, a maioria vem ao serviço de empresas portuguesas ou vem estabelecer aqui as suas empresas criando centenas de postos de trabalho. Portanto, se alguns moçambicanos não entendem esta fórmula base da economia mundial e não têm sentido de diplomacia nem de globalização, especialmente por insciência, impera que a nossa diplomacia aja em conformidade no sentido de mudar este estado de coisas.
Finalmente e porque já me alonguei demais, apelo para que a diplomacia portuguesa não nos faça sentir verdadeiramente “pequeninos” e esteja atenta a estes graves sinais de que nem tudo está bem também fora de Portugal. Apraz-me recordar, a este título, o episódio em que o Governo Moçambicano, em 2010, aumentou o valor dos DIRE (autorização de residência) de 2.500mt/ano (cerca de 70 euros) para 24.000mt/ano (cerca de 600 euros) indistintamente para todos os cidadãos estrangeiros, sem contemplações se estes pertenciam à CPLP, PALOP ou outros organismos. Como é óbvio, tal como eu, muitos meus concidadãos se manifestaram junto do consulado e as coisas acabaram por mudar um bocadinho... Mas só um bocadinho! Ou seja, os cidadãos da CPLP passaram a pagar 14.500mt (aproximadamente 350 euros). No entanto e arrogância à parte – pois não posso, não quero, nem devo imiscuir-me de assuntos que não são da minha competência, sou apologista de que se deveriam seguir as peugadas da diplomacia britânica no Quénia, por exemplo, que quando as autoridades quenianas decidiram aumentar drasticamente os preços dos vistos para britânicos, a resposta destes foi pronta e eficaz... Enquanto os quenianos mantivessem tais medidas absurdas, nenhum cidadão queniano podia entrar em território britânico e os vistos para os - à época - residentes no RU iria aumentar também exponencialmente. Portanto, também a solução foi imediata e eficaz - duas semanas depois, o governo queniano retomou as antigas políticas de atribuição de vistos e respectivos preços para cidadãos britânicos! Talvez este seja um bom exemplo de diplomacia em acção…
Por muito que compreenda que Moçambique não tem capacidade para dar resposta a tão grande quantidade de gente que chega, não posso assentir que Portugal nada faça para, diplomaticamente, estabelecer protocolos claros com o governo moçambicano, no sentido de não se envergonhar a nossa gente, que já está bem humilhada tendo que sair forçadamente do seu país para sobreviver. Como cidadã, julgo ter cumprido a minha parte e fico expectante de que os governantes que também ajudei a eleger, cumpram a sua.
Muito grata pela atenção, subscrevo-me cordial e atentamente,
Sandra Rodrigues
Documentos anexos:
Download Diário Noticias de Moçambique - 1 de fevereiro 2013
Download Comentários de uma portuguesa à carta aos portugueses
Download Carta aberta aos portugueses que querem vir (ou já vieram) para Moçambique