Numa entrevista concedida ontem ao “ Noticias”, aquele académico defendeu que o que um país faz, é apenas redistribuir o rendimento produto do esforço dos seus cidadãos. Na conversa com o nosso jornal cujo mote foi a recente sessão do Comité Central do partido no Governo, Jauana também fala duma Frelimo monolítica e chama atenção para a serenidade com que os moçambicanos devem lidar com a questão dos recursos naturais:
NOTICIAS(NOT)- No seu mais recente pronunciamento público, o Presidente da Frelimo, Armando Guebuza, elegeu o diálogo como a palavra chave do seu discurso aos membros do Comité Central. Que mensagem acha que o presidente pretendia fazer passar ao insistir na questão do diálogo?
HÉLDER JAUNA (HJ) - A questão do dialogo eu penso que tem duas vertentes. Primeiro tratava-se de uma reunião do Comité Central e, o Presidente da Frelimo, que é o Presidente da República, estava a fazer um discurso para dentro do partido na qual, de certeza, insistia nos militantes, que é importante que haja diálogo entre os militantes, no caso, e entre os militantes e os cidadãos que não são nem militantes nem simpatizantes da Frelimo. Este é um primeiro aspecto. O segundo aspecto tem a ver com uma mensagem para fora. Muitas vezes tem sido acusado por alguns sectores da sociedade e por alguns fazedores da opinião publica, que o Chefe de Estado está pouco dialogante e ele insiste neste aspecto, e chama a atenção que o dialogo é um aspecto importante para se fazer democracia, e que devem os militantes da Frelimo, em particular, e os moçambicanos, no geral, insistir no diálogo para ultrapassar todas as diferenças que eles tem. Penso que esta questão do diálogo tem estas duas vertentes, a vertente mensagem interna e uma vertente mensagem externa ao partido. É preciso também não perder de vista que um dos aspectos que foi discutido foi a avaliação dos municípios e, na avaliação feita, alguns militantes fizeram as suas observações sobre a forma como alguns edis estiveram a dirigir os municípios, e, esta questão do diálogo, e bem tomada pelo Chefe do Estado, e que surge em momento oportuno, tanto para dentro do partido assim como para fora, momento em que nos estamos a viver uma situação politica calma, mas também tensa pelo facto de a Renamo fazer constantes ameaças de retorno a guerra, por isso esta componente de discurso para fora também veio a calhar muito bem.
NOT- Mas no Congresso de Pemba, algumas vozes foram citadas a questionar algum défice de diálogo no seio da Frelimo…
HJ - Eu penso que este reparo não faz sentido. Eu, tal como milhares de moçambicanos, tive a oportunidade de assistir as transmissões televisivas do Congresso, ver os vários espaços em que os membros da Frelimo discutem os seus problemas internos e os problemas de governação do país, e eu penso que em qualquer partido político há aquilo que eu chamo espaço e campo de debate político. Para mim, oiço sectores a falarem sobre isso, mas é estranho que aquando do Congresso que nós vimos a transmissão a nível nacional, as mesmas pessoas que fazem esse tipo de discurso, tiveram a oportunidade de falar e não falaram. Então eu não consigo perceber o tal défice de dialogo, ou o medo de falar. O que acontece, do meu ponto de vista, é que no seio dos partidos políticos existem tendências internas, algumas dessas pessoas podem ter uma visão de direcção e de condução dos destinos da Frelimo diferente da que tem o actual Presidente do partido. Mas o que é importante é que as pessoas que assim pensam diferente, nos órgãos a que participam, coloquem a sua visão. Eu penso que um partido se faz assim e amadurece assim, e não com falas fora do órgão. Eu costuma dizer as pessoas que em qualquer que seja o grupo ou movimento social ou político, ninguém transforma os grupos nem os movimentos políticos por fora. Se quer fazer alguma transformação faca parte destes grupos , coloque a sua visão , o seu caminho e penso que estes militantes que tem esta perspectiva que é plausível, devem falar nos órgãos e isso contribuirá para que a Frelimo se fortaleça e passe também uma imagem para fora de que as pessoas falam nos órgãos e que não estão receosas em falar. Eu penso que há mais receio e não creio que seja um receio por causa de uma possível sanção, mas aquilo que alguns sociólogos dizem ser o medo de falar ou a auto – censura individual. Ninguém faz a censura, mas eu acho que se eu falar , aquilo vai cair mal mas, se eu falasse aquilo cairia bem, e esta ‘e a grande questão das pessoas. Elas próprias se auto-censuaram e ninguém as censura.
NOT- E como enquadrar a postura de algumas figuras da Frelimo algumas das quais ex-governantes que, por via da imprensa, ou em debates fora dos órgãos, manifestam o seu desacordo a governação do dia?
HJ - A critica é bem vinda em qualquer que seja o espaço. Esses antigos membros do Governo teem espaços nos quais intervêm dentro dos órgãos do partido e também teem outros espaços de intervenção porque eles não deixam de ser cidadãos e , por via disso, participam em vários espaços nos quais se discutem politica e emitem os seus juízos de valor e de facto em relação a várias situações do país. Não creio que seja mau que antigos governantes façam a sua avaliação crítica a actual governação. Mas creio que é importante em qualquer grupo que, primeiro, façam a critica dentro do partido porque isso fortalece qualquer organização política, quando os seus militantes primeiro fazem a critica dentro dos órgãos do partido, e também quando fazem fora, fazem-no com alguma responsabilidade política. Isto porque um antigo governante quando fala ele mobiliza pessoas, tem um grupo de gente com a qual simpatiza com ele, sejam militantes ou não do partido, e ele quando fala, fala com autoridade que as pessoas vem que ele tem legitimidade para falar e, se fala, por mais que esteja a dizer coisas que não acontecem as pessoas dão credito aquilo que ele fala. Eu penso que não é de todo mau que as pessoas falem para os órgãos de comunicação social , mas para qualquer organização é importante que um antigo dirigente também faca primeiro a critica dentro da organização , e quando o faz fora, os militantes sabem que ele já fez dentro, esta é a perspectiva dele e que não é uma questão de desqualificação ou desvalorização de quem esteja a governar , e quem está a governar também sente que o antigo dirigente já me colocou esta critica nos órgãos, e está a fazer fora também com a responsabilidade politica, também sem desqualificar a forma como a pessoa que esteja a dirigir esteja no momento.
NOT- Que análise faz sobre o pronunciamento de certos sectores internos do partido que defendem existir uma Frelimo de Mondlane, de Samora, outra de Chissano e a actual de Armando Guebuza?
HJ - Eu creio que não existe uma Frelimo um dois e três, uma Frelimo de Mondlane, de Samora, de Chissano e de Guebuza. Do meu ponto de vista existe uma Frelimo que, em função da conjuntura e da estrutura que ela enfrenta se vai adaptando e vai reagindo aos estímulos internos provocados pelos seus militantes, e externos provocados pela sociedade e pela mudança que a sociedade vai tendo. E existe uma Frelimo que, em função do líder que esteja na altura, vai marcar um estilo de governação, um estilo de lidar com os militantes. Não creio tanto que exista uma Frelimo de Chissano. Mas é importante que não se pense que a Frelimo é monolítica, um partido que tem militantes que pensam da mesma forma, um partido que tem militantes que seguem apenas uma visão do mundo. A Frelimo é um partido que tem pessoas que pensam sobre a politica de forma diferente , que pensam sobre o desenvolvimento nacional de forma diferente, mas que, quando estão nos órgãos e os órgãos decidem sobre o caminho que ela deve trilhar, assumem que este é o caminho que ela deve trilhar, o que não quer dizer que não tenham essas pessoas nos órgãos, apresentado uma forma diferente de seguir o caminho. Nenhum partido é monolítico. O mais importante é que estas coloquem a sua visão de governação, de desenvolvimento, de gestão de recursos naturais dentro dos órgãos, e mostrem e encontrem consensos dentro do próprio partido Frelimo para que, tal como sempre, haja um comando que todos os militantes sigam, mesmo aqueles que tenham apresentado uma visão diferente. Eu tenho medo de pessoas que podem pegar em armas e lutarem para defender uma ideia, por mais errada que ela seja. Essas pessoas são perigosas. Quando se discute uma visão do pais é preciso ser-se razoável e muitas vezes assumir que a posição dos meus correligionários neste momento é a mais sensata em função das condições em que nos vivemos. As pessoas teem que saber perder e reconhecer que as pessoas pensam diferente.
Criticar o Governo mas sem arrogância
NOT- Recuando aos pronunciamentos públicos do Presidente da Republica, ele também manifesta alguma inquietação com o que se pode chamar de fenómeno de autoflagelação em alguns sectores da sociedade…
HJ - Este discurso do Chefe de Estado sobre a autoflagelação é que as pessoas muitas vezes tudo que é dito mal sobre Moçambique, as pessoas facilmente embarcam e dizem que é verdade. O país esta caótico, está ingovernável, nunca o pais esteve pior como hoje, são os tipos de discurso que as pessoas fazem. Mas é importante que haja alguma serenidade e as pessoas façam a critica tendo em conta aquilo que nos estamos a viver. Num processo de desenvolvimento , dizia o sociólogo Edgar Muran, ‘e que o processo de desenvolvimento não implica por si a evolução, esta perspectiva evolucionista que nos temos do desenvolvimento, que há um caminho só para frente. Edgar Muran, na sua analise sobre o desenvolvimento olha para o desenvolvimento a partir do organismo humano e diz que o desenvolvimento também implica retrocessos, ou seja, quando se avançam em alguns aspectos, há processos também que aquele processo de recuo não é tanto por ser recuo. Há sectores e aspectos da sociedade, como existem células que vão desenvolvendo e outras vão morrendo. É preciso ter presente que há alguma mudança e substancial, mas tem –se a expectativa que se melhore ainda mais. O que acontece é que , e isto é compreensível porque nós temos outras referencias que não sejam só as referencias de Moçambique, as pessoas estão muito intolerantes e a intolerância das pessoas para com a politica e não só, mas também da sua vida diária, leva a que as pessoas sejam menos sensatas e, pelo facto de estarem intolerantes, vejam tudo de mal. Eu penso que este discurso do Chefe de Estado não é para o interior do partido mas é para os outros grupos sociais de fora do partido. Boaventura de Sousa Santos ( proeminente sociólogo português ) escreveu um texto no qual chama atenção do conhecimento cientifico ser arrogante e totalitário. Eu olha muitas vezes gente que anda na universidade como eu, e académicos que eu tenho muito respeito e admiro pelo trabalho que fazem, a forma como fazem a critica ao Governo leva muitas vezes a que estas pessoas não sejam respeitadas porque aparecem a fazer a critica de forma arrogante e totalitária como diz Boaventura de Sousa Santos. Quer dizer, se nos fazermos os nossos estudos como académicos e fazemos a nossa critica a quem esta a governar de forma responsável e mostramos com “ a” mais “b” que há falhas que estão a acontecer, e que há vários caminhos para dar a volta a falha, somos mais susceptíveis a ser ouvidos e a ser respeitados e não a ser combatidos. Quando fazemos de forma arrogante, ninguém nos quer ouvir e vamos ser colocados sempre de parte e vai haver sempre este despique em que alguns destes académicos chamam a actual governação de intolerante e a actual governação não da ouvidos a estas pessoas porque não sabem a forma como fazem a critica e passam um atestado quase que de incompetência a quem esta a governar.
Recursos minerais: serenar ânimos
NOT- Ainda na esteira do discurso do Presidente da Frelimo na sessão do Comité Central, este fez alusão a uma visão “ limitada e estereotipada de povo e de nação expressa pela reclamação para si, só para si, dos recursos e das oportunidades localmente existentes, Qual acha que seja o alcance desta referencia feita por Armando Guebuza?
HJ - Eu penso que esta mensagem também tem dois sentidos, um sentido para dentro e outra para fora. Vamos convergir que o Presidente Guebuza faz a sua governação num momento que se começa a explorar os recursos naturais. Não ‘e uma questão de descoberta e, dentro do partido, naturalmente que alguns sectores pensam, ou pensavam que também devem participar no processo de exploração e de gestão destes recursos. Portanto, quando o Presidente faz este discurso chama atenção, primeiro, aos seus correligionários, que esses recursos são recursos do pais e, não se deve, em nenhum momento, pensar que esses recursos devem pertencer a um grupo restrito, ou que se pegue nestes recursos e se aloque a um grupo restrito a partir do qual se vai explorar. Depois há uma vertente para fora. Há esta ideia de que há recursos e quem esta a explorar esses recursos ‘e um grupo pequeno e se vai distribuindo por si as licenças de exploração desses recursos. Eu penso que esta questão deve ser gerida com muita serenidade. Por parte de quem governa tenho acompanhado os discursos do Chefe de Estado que tem chamado sempre atenção ao facto de que ‘e preciso refrearmos os nossos ânimos. E quando surgem recursos naturais, e se prestar atenção, vai ver que começam algumas elites locais , quando falo de elites refiro-me não só políticos, mas também intelectuais das zonas onde os recursos surgem, elas podem não fazer de forma manifesta o discurso, mas, em pequenos grupos, vão fazendo um discurso etno-regional. Um discurso segundo o qual estes recursos estão a ser descobertos na zona “ x” e, por isso, esses recursos devem ser explorados apenas por essas pessoas dessa região e devem garantir também emprego a pessoas dessa mesma região. O Presidente da Republica, insiste, e muito bem que, se nos moçambicanos não olharmos para a questão dos recursos naturais com muita serenidade, esta questão da unidade nacional pode ser posta em causa por interesses daquilo que um africanista especialista em estudos africanos, chama de “ la politique du ventre” ou seja, a politica da barriga, que eu sou penso no meu bem estar e não me interessa o que os outros vão ter. Eu penso que deve-se fazer uma analise com muita calma e com muita serenidade a questão dos recursos naturais, porque o facto deles existirem hoje e começar a sua exploração, não significa necessariamente que nos vamos desenvolver. O desenvolvimento depende do trabalho de cada moçambicano, da forma como nos vamos lidar com a técnica e com a ciência e da forma como nos insistimos em formar gente competente e que seja capaz de resolver os problemas que o pais enfrenta, e não tanto pensarmos naquilo que a terra e o mar nos dão com a expectativa de que a terra e o mar vão transformar o pais. Quem transforma o pais ‘e um homem que, com o seu trabalho e o seu conhecimento vai transformar os recursos que a terra e o mar lhe da em seu beneficio. Eu penso que a insistência deve ser mais no capital humano, um capital humano que seja capaz de lidar com estes recursos.
NOT- Aliada a esta questão o que se pretende dizer concretamente quando se fala de distribuição de riqueza? Esta a ser recorrente tanto em alguns discursos oficiais quanto em vozes de fora do Governo ouvir com insistência badalar esta questão.
HJ - Esta é uma questão para mim pertinente e que vem a calhar. Estranhamente, até alguns dirigentes, com todo o respeito que eu tenho por eles, falam de distribuição de riqueza. A riqueza não se distribui. Não se deve falar em distribuição da riqueza. Um país produz e em função do rendimento que o país tem por ano, este rendimento é redistribuído, há uma redistribuição do rendimento produto do esforço dos moçambicanos que eles colocam ao longo do ano. Não estou a ver um indivíduo que trabalha a produzir, ser rico, e pegar na sua riqueza e redistribuir. Há uma redistribuição do rendimento e eu penso que aqui deve ser dito que esta a ser mal colocada a questão. Não há redistribuição da riqueza, mas sim redistribuição do rendimento.
NOT- De algum tempo a esta parte agências de pesquisa internacional publicam relatórios muito críticos visando a governação do dia e também dirigentes do Executivo. Porem questiona-se também o rigor científico e metodologias usadas para se chegar as conclusões que são tornadas públicas nos “ media”, Que comentário se oferece fazer?
HJ - Eu penso que há muitos especialistas que teem estado em Moçambique a fazer analises tanto de governação como de desenvolvimento do pais. A perspectiva através da qual qualquer investigador olha para um fenómeno social condiciona os resultados que ele vai apresentar. Eu penso que ninguém se deve alarmar pelos resultados desses estudos. Os estudos são apresentados, sim, mas ‘e altura, do meu ponto de vista, que se potencie as universidades que tenham centros de pesquisa com meios. Por outro lado, a carreira de investigador deve ser valorizada e deve-se alocar aos centros de pesquisa das diferentes universidades , e essa deve ser agenda nacional, uma verba na qual os pesquisadores que estão nessas áreas reflictam sobre a condição, sobre os diferentes índices sejam eles de governação sejam de desenvolvimento humano. Isto para que não tanto se oponha a analise que se faz do pais via externa, que ‘e uma forma de analisar o pais e não ‘e a única e nem se deve agitar pelo facto de vermos estes resultados da nossa governação, mas ‘e importante quem a inteligência nacional também faca uma reflexão interna e olhe para estes números com alguma serenidade.
NOT- Não acha que quem veicula esses estudos precisa de lê-los e analisa-los com alguma profundidade?º
HJ - A mim espanta-me a forma como as pessoas sem lerem um relatório fazem pronunciamentos públicos. Eu não vou fazer um pronunciamento so porque li a introdução e a conclusão. ‘E importante que tenhamos o domínio daquilo que vem espelhado nesses relatórios, portanto, que se perceba a que período este relatório faz a analise, estamos a falar do período temporal, o que ‘e que estava a acontecer nesse período que vai levar a que Moçambique seja colocado naquela posição. Quer dizer, há um conjunto de elementos que ‘e preciso ter em conta e nos precisamos de ter alguma frieza e algum distanciamento para não dizer que os números falam por si. Os números não falam por si, a estatística ‘e apresentada e a interpretação dos números ‘e feita por pesquisadores, por políticos e ‘e feito muitas vezes a guisa daquilo que lhe interessa. Portanto, ‘e preciso termos muita serenidade e não nos alarmarmos com as avaliações que são feitas por agências externas sobre Moçambique.
- Jaime Cuambe