Conhecida no início da década 2.000 pelo acidente ferroviário que tirou a vida a centenas de pessoas e feriu outras, Tenga enfrenta problemas de vias de acesso e de meios de transporte que as estruturas locais não conseguem resolver passam muitos anos.
A população local recorre, muitas vezes, a camionetas e carrinhas de caixa aberta para se deslocar para outros pontos da província, principalmente quando o comboio que liga Maputo à Ressano Garcia não circula.
Maria Armando está a pouco mais de três quilómetros da pequena vila e conta que desde que chegou àquela zona, nunca foi fácil sair de lá para outros pontos e quem tiver que o fazer tem que levar no mínimo 100 meticais para pagar o transporte.
“Para ir até a cidade de Maputo, por exemplo, tenho que fazer inúmeras ligações que me gastam 40 meticais, só a ida. No regresso o problema agrava-se pela falta de chapas que saem de lá até Machava-Sede, terminal dos carros que partem de Tenga e isso sem contar com o que temos que pagar pela carga”, contou a nossa interlocutora.
O mau estado da via que liga a localidade ao Posto Administrativo de Ressano Garcia, no distrito de Moamba, e ao bairro Machava Km-15, no Município da Matola, passando por Matola-Gare, só veio agravar a crise.
“Os carros têm que se submeter uma ginástica para circular, porque a estrada de terra batida, quando chove abre grandes crateras que dificultam, sobremaneira, o trânsito e leva o trajecto a durar mais tempo”, explicou Américo Manjate, operador de transporte na rota Tenga-Machava.
Esta situação, segundo explicou o operador, concorreu para o agravamento da tarifa do “chapa” para 12 meticais, a fim de garantir o lucro e o custo de manutenção das viaturas. “Reunimo-nos com os residentes e as autoridades para discutir formas de compensar e foi de consenso que podíamos ajustar o preço de nove para 12 meticais por viagem”, acrescentou Manjate.
Como grande parte dos produtos que a população local consome são provenientes da cidade de Maputo, multiplicam-se as despesas para os nativos que, na sua maioria, depende do cultivo e da pastorícia para a sua sobrevivência.

População de Tenga bebe esta água
Partilha-se água com gado
O drama da falta de água em Tenga, assim como nas localidades circunvizinhas como Boanine, Gumbana e Siduaba está longe de ser resolvido, apesar de começarem a aparecer pequenos investimentos e se registar o aumento do número de residentes.
Rosa Mathe, vive a cinco quilómetros da pequena vila, na localidade de Gumbana, e contou à nossa Reportagem que desde que chegou, na década de 80, enfrenta dificuldades de acesso a água potável, chegando a percorrer quilómetros para encontrar uma fonte do precioso líquido.
"Aqui andamos muito para ter água e o máximo que se consegue é um recipiente de 20 litros para beber durante três dias. Têm vindo aqui um camião que abastece o bairro e cobra-nos 10 meticais por uma lata de 20 litros”, afirmou Mathe.
A situação é ainda mais preocupante em Tenga, onde os moradores caminham entre cinco e sete quilómetros para chegar a um poço em forma de vala, onde a população partilha água com bois que pastam nos arredores e com os peixes que ali existem.
A chefe do quarteirão “D” de Tenga Nwanambara, Laurinda Mazipande, explicou ao “Notícias” que os residentes fazem uma grande ginástica para obter o precioso líquido. Quem não tem força, a solução é pagar jovens que transportam com uma carrinha de mão, vulgo txova, atrelada a um burro.
“Para nós que estamos em idade já avançada carregar água é difícil. Pagamos jovens para tirarem para nós no poço e depois distribuem pela população. Tens que ter no mínimo 20 meticais para conseguir água para o banho e cozinhar”, narrou a responsável pelo quarteirão.
A nossa Reportagem foi à fonte onde os habitantes de Tenga buscam água e constatou que não está em condições higiénicas de ser consumida por ser turva, apresentar-se com algas, capim em redor, peixes e por estar a ser partilhada com outros animais.
Gaspar Olga, menor que lá se encontrava à busca de água para o consumo da sua casa, afirmou que aquela “água já provocou doenças diarreicas e de pele na minha família, mas como não temos alternativa, bebemos esta mesma".
Além da água, a falta de energia eléctrica constitui entrave para o desenvolvimento da localidade que gasta avultadas somas para ter uma ligação clandestina. Para fazer uma ligação à rede de energia eléctrica, os moradores desembolsam no mínimo 4.200 meticais, conforme explicou Laurinda Mazipande.
Laurinda Mazipande
Precisamos de um médico - Laurinda Mazipande, chefe do quarteirão D
O centro de saúde de Tenga, que atende a população que vem de KM-25, Siduaba, Boanine e Gumbana clama por um médico para doenças mais graves, segundo avançou Laurinda Mazipande, responsável do quarteirão D.
Conforme explicou, são muitos os casos de morte que ocorrem naquela unidade sanitária devido ao agravamento do estado de saúde dos pacientes e falta de assistência médica. “Temos muitos casos de pessoas que morrem por falta de médico. Se existisse um e atendesse duas vezes por semana acho que ia minimizar o problema e evitar que quando a doença se agrava, recorramos ao Hospital Distrital de Moamba e depois a José Macamo, na cidade de Maputo”, contou a anciã.
A falta de medicamentos no hospital e de casas de mãe espera são algumas das preocupações que tiram sono principalmente às mulheres da localidade que, vezes sem conta, dão a luz à caminho do hospital.
Helena Zimba, residente e chefe-adjunta do quarteirão, avançou ao “Notícias” que a falta de casas de mãe espera contribuiu para a redução da cobertura de partos institucionais, levando a que mulheres experientes (matronas) mas sem formação em obstetrícia assistam ao nascimento de bebés.
“Quando uma mulher entra em trabalho de parto, as mais velhas é que socorrem e levam-na ao hospital para ser assistida já no dia seguinte, isso agravado ao facto de os carros pararem de circular às 18:00 horas”, lamentou Helena Zimba.
O centro de saúde local conta apenas com enfermeiros e serventes que atendem os pacientes entre às 7:30 e 15:30 horas.

Custa levar água às pessoas
Docentes vivem longe e atrasam às aulas
Os professores da Escola Primária de Tenga quase sempre atrasam-se às aulas por residirem muito longe e pela dificuldade de transporte para chegar àquele ponto do distrito de Moamba, partindo da Machava e até da cidade de Maputo.
A líder local, Laurinda Mazipande, pediu que fosse construída uma residência para os professores que até então sofrem com as inúmeras ligações no “chapa” para chegar à escola, afectando deste modo o curso normal das aulas e cumprimento dos programas de ensino.
"Os professores passam mal para chegar até à escola e isso têm contribuído negativamente para o desempenho dos alunos e deles mesmos. Muita matéria que devia ser leccionada num trimestre chega a ser posta de lado”, referiu aquela dirigente comunitária.
A falta de uma escola de ensino secundário faz com que grande parte dos alunos graduados na 7ª classe fique sem estudar. Outros ainda nem sequer se dão o luxo de concluir a 5ª classe, porque sabem que daí os seus encarregados não terão fundos para custear as despesas no internato em Moamba.
È o caso de Moisés Massango, de 16 anos de idade, que interrompeu os estudos em 2010 e agora vive apenas de pequenos biscates em machambas e transporte de água no poço e outros bens.
“Não estudo e nem trabalho. Fiz a 6ª classe e parei de estudar porque envolvi-me numa luta com o professor por causa de um aparelho de rádio que lhe dei emprestado, não me queria devolver e fui suspenso”, contou Massango.
Trabalho, só na RAS
Quase ninguém tem emprego em Tenga, com a excepção dos professores, enfermeiros, vendedores e os que vivem do cultivo e da pastorícia. Os jovens não conseguem nenhuma destas saídas e optam por emigrar para a vizinha África do Sul (RSA).
Naquela zona, é possível ver rapazes e raparigas que sem alternativas de trabalho vivem deambulando pelas ruas, sem fazer algo para o seu sustento. A principal actividade destes jovens é sentar-se debaixo de uma sombra, jogar a dama e tomar bebidas alcoólicas, principalmente “Tentação” e “Boss”.
Manuel Tamele, 25 anos de idade, residente em Chivondzweni, a três quilómetros de Tenga, abandonou cedo a escola e foi à Nelspruit, na vizinha RSA, onde trabalhava na área de construção civil. Como o trabalho por lá não lhe foi rentável, regressou e agora está na sua zona de origem sem saber o que fazer.
"Agora regressei porque não há muito trabalho por lá. Assim que surgir mais uma oportunidade voltarei. Por enquanto estou aqui ao lado da família e sem saber o que fazer, porque não me vejo a ir à machamba”, confessou Tamele.
Tudo o que os jovens precisam é a criação de postos de emprego para permitir que possam progredir economicamente e desenvolver os seus bairros que actualmente vivem abandonados, conforme disse Moisés Massango, também morador de Chivondzwanine.
“Se o governo pudesse criar espaço para os jovens trabalharem e dar espaço para que acedam ao fundo de iniciativa local, vulgo sete milhões, penso que a vida iria melhorar. Só assim é que poderemos fazer algo para desenvolver a nossa terra”, sublinhou Massango.
Helena Zimba
Nem tudo está mal
Apesar de todos problemas que se assistem e perturbam a população de Tenga, esta ainda vive nalguma tranquilidade. Isto porque o número de casos de roubo de gado reduziu e já não se verificam crimes violentos.
"Felizmente registamos poucos casos de roubo quer de gado, quer em residências isto porque a polícia tem estado a trabalhar para prevenir os casos de roubo, o que ajuda muito”, disse a chefe-adjunta do quarteirão, Helena Zimba.
O aumento da produção agrícola, aliado à queda regular de chuvas, é também motivo de alegria para os nativos e aos que se dedicam ao cultivo naquela povoação. Carolina Nhacule dedica grande parte do seu tempo a cultivar diversos produtos para sustentar a sua família.
Ela reside na Machava Socimol e em tempos de boa chuva passa pelo menos cinco dias em Tenga e os restantes em casa.“Eu casei-me e tive os meus filhos aqui. Sai daqui por causa da guerra dos 16 anos e agora venho apenas para a machamba, apesar de ter construído uma casa. Produzo mandioca, milho, amendoim e quando a produção está boa, consigo o suficiente para sustentar a família”, disse Carolina Nhacule.
- Ana Rita Tene