A localização geográfica de Muatide, localidade do posto administrativo de Miteda, distrito de Muidumbe, onde nasceu o herói Romão Fernandes Farinha, permitiu que fosse possível, nos últimos 40 a 50 anos, procriar filhos que estivessem à frente do processo de libertação de Moçambique, entregando a sua vida, juventude e todo o seu saber para que o país chegasse à Independência que hoje desfrutamos.
Trata-se de uma zona que influenciaria o resto da região planáltica dos macondes, constituída pelos distritos de Mueda, Nangade e o de Muidumbe. Embrião e acolhedor de todo o processo de libertação, o distrito de Muidumbe, a cada dia que passa, revela-se, perante a história, como o centro da nossa emancipação política, através da luta armada, tendo chegado a ser, quase totalmente, uma zona libertada em plena guerra colonial.
Muatide, no interior do distrito planáltico de Muidumbe, localiza-se a cerca de 8 quilómetros da ex-base Moçambique (central), onde se planificavam todas as acções de manutenção, progressão e abertura de novas frentes da luta armada de libertação nacional. Mais três quilómetros, estava uma outra base, a de N’tchinga.
É em Muatide onde se localizava o primeiro hospital da Frelimo, nas zonas libertadas, baptizado com o nome de Zambézia, hoje o único centro de saúde do distrito de Muidumbe. A povoação está ligada ao centro-piloto de Luanda, que formou muitos quadros que viriam a assegurar as várias frentes de desenvolvimento do país, depois da Independência. Hoje é uma escola secundária.
Trata-se, afinal de contas, de um dos vértices do triângulo feito de heróis, que é o planalto dos macondes, que inclui os distritos de Mueda, Nangade, para além, obviamente, do próprio Muidumbe, o depositário imbatível em número de heróis e antigos combatentes da luta de libertação. É difícil, em Muidumbe, encontrar quem não seja antigo combatente ou que não seja dele descendente.
A sede de Muatide, onde nasceu o herói que se homenageia, por ocasião da passagem dos 40 anos da sua morte, em Março de 1973, na frente do Niassa, tem a sul, cerca de 12 quilómetros, a aldeia Nampanha, onde nasceu Tomás Nduda, que também mereceu as honras de Estado reservadas a pessoas que deram a sua vida à causa nacional, facto que teve lugar há quatro anos. Nduda morreu em combate, em 23 de Março de 1968, na então missão Nambude, no hoje posto administrativo de Mbau, distrito de Mocímboa da Praia.
Mais acima, cerca de 20 quilómetros, está a aldeia Muade, já no distrito de Nangade, onde nasceu e foi homenageado, há dois anos, o herói Robati Carlos, também morto em combate, na província do Niassa.
O cemitério da família do herói Romão Fernandes Farinha está ao lado do local, igualmente histórico, donde partiram os moçambicanos que no dia 16 de Junho de 1960, liderados pelo trio Faustino Vanomba, Chibiliti Vanduvane e Modesta Neva, para a reunião na sede da circunscrição de Mueda, onde iam pedir a independência e autodeterminação, que culminou com o massacre que deu lugar ao início da Luta Armada de Libertação Nacional.
A região onde nasceu o herói homenageado está, na verdade, cheia de heróis, sendo, por outro lado, contígua à aldeia Matambalale, onde nasceram muitos moçambicanos ainda hoje no activo, cuja contribuição no desenvolvimento do país é inquestionável. Apenas para exemplo, são de Matambalale o engenheiro Baptista Cosme, a família Namashulua, o General Selésio Nalyambipano, o falecido escritor Grandel Nkepe, entre muitos.

Familiares de Romão Fernandes Farinha, em Muidumbe
Biografia do herói
Romão Fernandes Farinha nasceu em 1943, na localidade de Muatide, posto administrativo de Miteda, distrito de Muidumbe, província de Cabo Delgado. Era um dos 10 irmãos filhos de Fernando Navilavi e de Rufina Atibo.
Aquando do seu nascimento, a Romão foi atribuído o nome Malilene, que viria, mais tarde, a ser substituído por Mishau, depois dos ritos de iniciação. A segunda mudança de nome, como acontecia entre os seus correligionários, teria lugar por ocasião do seu baptismo, na Missão de Nangololo, tendo adoptado o nome Romão, ao qual foi agregado Farinha, inspirado num missionário, seu professor, em Mariri. Doravante, passou a chamar-se Romão Fernandes Farinha.
Em 1953, ingressou na Escola da Missão de Nangololo, onde concluiu a 3.ª Classe Rudimentar, em 1956. Depois, formou-se em professorado em Mariri, em 1960, tendo posteriormente trabalhado na zona de N’tamba dos macondes, até por volta de 1964. Nessa altura, Romão mobilizou os jovens para que se empenhassem na formação, na perspectiva de servirem o país, futuramente.
Em 1962, contraiu matrimónio com Beata Augusto, na Missão de Nangololo. Desta relação nasceram duas filhas, nomeadamente, Madalena e Jacinta.
Em 1964, o herói ingressou na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), ainda no interior de Moçambique, concretamente na zona de Mpanola. A sua acção centrou-se na mobilização da população, difundindo mensagens e propaganda da FRELIMO, acção que terá fortificado, por um lado, o apoio popular indispensável à guerrilha e, por outro, a atracção de mais jovens para a luta armada. Tendo-se destacado nesta actividade, Romão seguiu para Tanzania.
Em Novembro de 1965, foi integrado num grupo de 48 jovens nacionalistas que rumou para treinos militares, em Sinferopol, na Ucrânia. Neste centro, especializou-se na área de Comando. Terminada a formação, Romão Farinha regressou a Dar-es-Salaam, em Maio de 1966.
Em Outubro de 1966, foi enviado para a província do Niassa como chefe do 1.º Pelotão, da 3.ª Companhia. Na ocasião, foi-lhe incumbida a responsabilidade de garantir a segurança junto à fronteira com a Tanzania, de modo a assegurar o abastecimento de material de guerra e víveres para as frentes de combate, missão que cumpriu com destreza.
Em 1967, foi indigitado chefe de Efectivo Provincial, no Niassa. Em reconhecimento das suas qualidades, em 1968, após a realização do II Congresso da FRELIMO, Romão foi indicado chefe provincial das Operações, igualmente, no Niassa.
Romão Fernandes Farinha evidenciou-se como um comandante corajoso, destemido e perspicaz. As suas acções combativas contribuíram para a consolidação das zonas libertadas e para a progressão impetuosa da Luta Armada de Libertação Nacional em direcção aos redutos “fortificados da tropa colonial” no Niassa.
Romão Fernandes Farinha faleceu a 28 de Março de 1973 na base Mepoche, região ocidental do Niassa, vítima de doença.
- Pedro Nacuo