MARCO DO CORREIO, por Machado da Graça
Olá Julieta
Como vai a vida, amiga? Do meu lado tudo bem, felizmente.
Mas preocupado. E a razão da minha preocupação é a FIR, a Força de Intervenção Rápida.
Eu explico porquê.
Em quase todos os países existem unidades policiais semelhantes à FIR. A grande diferença, em relação ao que se passa por cá, é a sua utilização.
Nos estados democráticos o uso desse tipo de força é uma coisa rara. Em muitos passam-se anos sem que saiam dos seus aquartelamentos. Só mesmo em ocasiões especiais, quando os riscos para a ordem pública são muito altos, os vemos aparecer.
Pelo contrário, entre nós, quase não passa um dia sem termos a notícia de que a FIR foi chamada a actuar em qualquer ponto do país.
A FIR está a cercar a residência de Afonso Dhlakama, a FIR foi usada para intimidar os médicos grevistas, a FIR foi enviada para Cateme, para reprimir os realojados, a FIR rega os desmobilizados com água à pressão, a FIR ataca sedes de partidos políticos da oposição e prende os seus militantes, a FIR, colocada junto dos postos de votação eleitoral, intimida os cidadãos votantes, a FIR..., a FIR..., a FIR...
Ora este uso, e abuso, da FIR, só pode indicar uma coisa: uma sociedade profundamente descontente com a forma como está a ser (des)governada e dirigentes sem capacidade política para enfrentar esse descontentamento. Por isso procurando sempre reprimir, pela força bruta, aquilo que não conseguem resolver através de soluções políticas inteligentes.
Só que, amiga Julieta, esta maneira de lidar com os problemas tem uma limitação óbvia: como resolver as coisas no dia em que a revolta chegar aos próprios elementos que fazem parte da FIR? No dia em que eles se fartarem de andar a espancar os seus amigos e parentes nas ruas das nossas cidades.
De qualquer forma, mesmo que isso nunca venha a acontecer, o facto de eles estarem permanentemente em acção em todo o país é um termómetro que nos permite diagnosticar uma sociedade doente, uma sociedade a precisar de outro tipo de tratamento para voltar à saúde.
Só que, aparentemente, quem manda não consegue encontrar outros remédios que não sejam as balas de borracha, os bastões, a água à pressão e, muitas vezes, as próprias balas reais.
E, quando se chega a esse ponto, as coisas já são, muitas vezes, de tratamento quase impossível.
Um beijo para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ – 24.05.2013