Aliás, a falta de um sinal sobre a sua existência faz temer o pior. Os familiares, na pessoa da sua mãe, Rabia Jagá, e do tio, Ibrahimo Jagá, não se alongam em apontar o esposo (cujo nome omitimos propositadamente), também moçambicano, como sendo o principal suspeito do sumiço de Atelísia que no último mês de Fevereiro completou 30 anos de idade.
Desde Março de 2012 que ela deixou de estar contactável, sobretudo com a mãe, pessoa com quem regularmente se comunicava. Durante este tempo nem sequer uma mensagem mandou para alguém da família a dizer algo sobre o seu paradeiro, uma situação que antes nunca tinha acontecido.
A suspeita no esposo encontra suporte, segundo contaram os familiares, no facto de nos últimos dois anos o casal ter estado a conviver num ambiente de tremendas desavenças, com ameaças de morte à mistura. O marido vive na Alemanha há 22 anos e a sua esposa, agora desapreciada, estava desde 2006, altura em que se casaram em Maputo seguiram juntos para Europa. Ela já tinha conseguido emprego num hotel de Berlim como servente de mesa, segundo conta a família.
O epicentro do desentendimento do casal, ao que nos afiançou a família da jovem, começou em 2011 numa das visitas que efectuou aos familiares em Maputo. Ao contrário do que era habitual, se hospedarem em casa dos familiares do marido, desta vez cada um foi para casa dos seus pais. Uma semana depois houve uma reunião, na qual o esposo exigia da esposa a devolução incondicional de todas as jóias que havia lhe oferecido desde o casamento, bem como a casa comprada em Laulane e registada em nome dela. O terceiro ponto apresentado pelo esposo era o filho que a esposa estava à espera, que dizia não ser seu.
Segundo o tio da jovem sumida, no que diz respeito às jóias, ela recusou-se a devolvê-las, justificando terem-lhe sido oferecidas, enquanto que a troca de nomes na casa de Laulane foi pacifica, tendo sido efectuada sem problemas.
“Agora, onde não se chegou a consenso foi na questão da gravidez. O marido escondeu da esposa que fez vasotomia (operação que retira ao homem o poder de gerar filhos), tanto mais que em Berlim ele simulava que estava interessado em ter filhos uma vez que sempre lhe acompanhava para as consultas médicas para que a esposa concebesse, quando na verdade ele não faz filhos. Pode-se perguntar de onde veio então a gravidez da Altísia? Ela admitiu ter mantido uma relação extra-conjugal em Maputo, isto numa das suas viagens ao país. Isso resultou na gravidez. As famílias conversaram sobre o assunto e o casal resolveu perdoar-se. Voltaram para Alemanha para continuarem juntos já que disseram que ainda se amavam” – explicou Jagá.
Para a surpresa dos familiares, o casal viajou separado, cada um no seu dia e voo, tendo apenas se encontrado em casa, já na cidade de Berlim. Desde essa altura até ao desaparecimento de Atelísia, nunca mais o lar deles voltou a ser o mesmo. O marido passou a maltratar e a espancar a esposa.
“Porque ela sofria tanto, acabou perdendo o bebé aos seis meses de gestação. Acreditamos que isso resultou da pressão que o marido vinha exercendo sobre ela. Todos dias eram torturas psicológicas e físicas, o que contribuiu para que Atelísia perdesse o bebé. Para nós, ele é o único responsável pelo desaparecimento da nossa filha, tanto que desde essa altura não mais quis falar connosco, para além de que quando vem a Maputo fá-lo de forma escondida que é para não nos avistarmos” – queixou-se Ismael Jagá.
Explicou que a gravidez foi descoberta em Berlim, quando os dois foram a uma unidade hospitalar a fim de realizar testes médicos porque a jovem desaparecida estava incomodada. Depois da confirmação, o marido acabou revelando o seu segredo de que não podia fazer filhos devido à operação que havia feito. Este foi o motivo que os fez voltar às pressas a Moçambique para junto das famílias tentar resolver o assunto. Inicialmente o esposo exigia o divórcio e a devolução de todos os bens que lhe ofereceu.Declarações contraditórias
A DENÚNCIA do desaparecimento de Atelísia Cossa foi feita por uma amiga que, passado algum tempo sem a ver, tratou de comunicar às autoridades policiais sobre o estranho silêncio da compatriota. De imediato, o esposo foi solicitado pela Polícia para prestar declarações, tendo revelado que a esposa o teria abandonado, indo para um outro lugar, com um outro homem, levando consigo todos os seus pertences, incluindo o seu telemóvel que usava o cartão com o número 00491723916665.
Ainda na sua justificação, o esposo teria dito à Polícia alemã que a esposa teria viajado provavelmente para a África do Sul com um cidadão deste país. Estas informações nunca foram confirmadas, tanto mais que, segundo dados avançados pelos familiares, nos registos migratórios não consta nenhuma saída dela a partir de Berlim ou de um outro ponto da Alemanha, para o exterior.
Estranhamente, volvidos alguns meses, o número do telemóvel que Atelísia usava antes do seu desaparecimento (00491723916665) voltou a funcionar, e a pessoa que o detém, também uma jovem moçambicana, postou-o numa das redes sociais. Por vê-lo a operar, os familiares trataram de ligar e a jovem, ao atender, confirmou tratar-se de uma nova utente do número e que era nova namorada do esposo da Atelísia, também a residir em Berlim. Disse que o número lhe foi oferecido por ele.
“Com esta contradição ficámos interrogados. Se ele disse à Polícia que Atelísia viajou para a África do Sul com o seu telemóvel, como é que agora o mesmo número aparece a ser usado por uma mulher que se diz ser sua namorada? Algo não está certo. Para nós, ele sabe onde a nossa filha está e não quer nos dizer. Toda esta situação leva-nos a pensar no pior: que ele tenha a assassinado e jogado o seu corpo em parte incerta. Pelo trabalho que o marido faz em Berlim, de captador de lixo e de jardineiro, é bem possível que tenha a morto e enterrado o seu corpo algures. Infelizmente, ele não quer se sentar connosco e explicar o que, efectivamente, terá acontecido” – lamentou Ismael Jagá, tio da jovem.Suspeito em Maputo para se casar de novo
O MARIDO da desaparecida Atelísia Cossa tem sido visto pela família da jovem em Maputo, mas tudo aponta que ele faz de tudo para não se cruzar com os parentes da esposa para evitar explicar o que sabe sobre o desaparecimento dela. Segundo Ismael Jagá, da última vez que ele cá esteve chegou a propor um encontro.
“Surpreendentemente, mandou uma mensagem a partir de Berlim a dizer que teve de viajar no dia combinado para a reunião. Com esta atitude ele demonstrou que faz de tudo para não prestar esclarecimentos necessários sobre o paradeiro da nossa filha” – lamentou Jagá, ao mesmo tempo que nos exibia a referida mensagem.
Sublinhou que informações avançadas de alguns familiares directos dele indicam que se encontra em Maputo desde a semana passada a preparar um novo casamento, mas o que querem dele é que lhes informe das circunstâncias em que Atelísia desapareceu da casa que compartilhavam em Berlim.
Polícia alemã nas investigações
O CASO já está nas mãos das autoridades policiais de Berlim e até agora as investigações não revelaram dados substanciais sobre o que terá acontecido com a jovem desaparecida. São trocadas correspondências via correio electrónico e telefonemas entre a Polícia alemã, a família da Atelísia e a Embaixada moçambicana naquele país.
Para além de estar a par do processo de investigação, a Embaixada está a apoiar a família em tudo que é preciso para se descobrir o paradeiro de Atelísia Cossa. Em Moçambique, a família participou o caso ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação que no dia 05 de Junho de 2012 escreveu uma carta à Embaixada moçambicana em Berlim, no sentido de efectuar as diligências necessárias para a localização da moçambicana.
Ao Comando-Geral da Polícia, com realce ainda para a Polícia de Investigação Criminal (PIC) também foi participado o caso, bem como a Embaixada da Alemanha em Maputo. Nesta última instituição, o embaixador apenas disse que não podia fazer nada porque o caso se deu na Alemanha e com uma cidadã moçambicana, dai que a sua intervenção é irrelevante. As outras entidades, neste caso, moçambicanas, remeteram as denúncias e as provas reunidas pela família à Embaixada de Moçambique em Berlim que já está a trabalhar no assunto em coordenação com a Polícia local.- Hélio Filimone