A greve laboral do sector da saúde, decretada pela AMM (Associação Médica de Moçambique) e pela Comissão dos PSU (Profissionais de Saúde Unidos), que já vai na terceira semana consecutiva, continua a revelar realidades, atitudes e comportamentos que certamente não passavam pela cabeça de muitos moçambicanos. A situação no sector da saúde continua um verdadeiro caos e estranhamente, as luzes verdes para dar ponto final a esta situação continuam, ao que tudo indica, distantes.
Não é postura deste jornal discutir pessoas, mas sim debater assuntos que fazem o dia-a-dia da realidade moçambicana, tudo na perspectiva de mantermo-nos presentes na construção de um Moçambique cada vez melhor. Entretanto, porque não é possível abordar alguns assuntos sem falar dos respectivos actores, tomamos a liberdade de em parte destas linhas tocarmos, de forma deliberada ou não, nomes de alguns dirigentes deste país. A grande preocupação nossa reside naquilo que pode se resumir no nível de inaceitável insensibilidade dos principais actores desta situação verdadeiramente calamitosa. Há sim insensibilidade da parte dos servidores do sector da saúde, mas também se nota uma grande insensibilidade do governo e dirigentes governamentais deste país. Parece, nalgum momento, que o governo eleito pelo povo em 2009, não está nem tão pouco preocupado com o povo que o elegeu. Um povo que, por causa da greve laboral no sector da saúde, está simples e claramente a sucumbir. Parece não haver dúvidas que o governo que devia levantar mundos e céus na busca de soluções que garantam saúde ao seu povo, inexplicavelmente demitiu-se. Isso acontece quando se sabe que o mesmo governo que praticamente abandonou o povo, dentro em breve vai iniciar correrias pelos bairros, quarteirões, localidades e vilas, a apelar voto deste povo actualmente abandonado por quem tem a obrigação moral e constitucional de se bater à busca de soluções a bem do povo.
Nisto, parece-nos estranho o Presidente da República ter activado o seu “gabinete aéreo” desde que a greve iniciou, viajando consecutiva e ininterruptamente para a Ethiópia, República Popular da China, Japão e para a
Coreia do Sul. A única pausa foi para receber, em Maputo, o Secretário Geral das Nações Unidas. Não estamos a dizer que as viagens inscritas como “visitas de Estado” tenham sido marcadas exactamente quando a greve foi anunciada. Estamos sim a dizer que o Presidente da República devia mostrar o seu lado humano, mostrar que é sensível e está preocupado com a saúde do seu povo. Isso só se pode mostrar visitando os doentes nos hospitais, vendo in loco o estado de abandono a que está sujeito o “maravilhoso povo”.
Sendo esta, uma situação de verdadeira emergência, muito bem poderia o Presidente da República interromper as suas visitas e dizer aos seus homólogos que, neste momento de sofrimento, o “maravilhoso povo” precisa sim de sentir o colo do pai da Nação. Mas nada.
Não é possível, pensamos nós, que Armando Guebuza consiga ter a real dimensão do que efectivamente está a acontecer nas unidades sanitárias recebendo informações por internet, por mail, por vídeo conferencia, pela televisão, por jornais, pelos porta-vozes...
Pensamos nós que é esta altura de inventar “presidências abertas e inclusivas” para ver, in loco, o sofrimento do povo nas unidades sanitárias. Provavelmente o Presidente não vá nunca fazer isso, porque sabe de antemão que nas unidades sanitárias vai apenas ver choros, lamúrias, sofrimento e morte. O senhor Presidente não vai não às unidades sanitárias porque está consciente que o cenário presente nesses locais vai, certamente, activar o lado sensível que um Homem normal tem. Acreditamos nós que não é possível, matar por completo o lado sensível de um Homem normal. Com o actual estado de coisas, sinceramente somos obrigados a concordar com as pessoas que dizem que as “presidenciais abertas” que o senhor presidente faz são uma verdadeira mentira a sí mesmo, na medida em que tudo é preparado para dar uma imagem ilusória de que o país está a caminhar e o povo está bem. Aliás, diz-se até que as pessoas que devem intervir nos seus comícios, são criteriosamente seleccionadas e os discursos minuciosamente checados. Esta não é a postura recomendada para um Chefe de Estado que publicamente diz que ama o seu povo. Estar longe do povo em momentos críticos, mostra, isso sim, um presidente que cultiva a mentira e a insensibilidade.
Pode ser verdade que o governo não esteja em condições de satisfazer, em pleno, as exigências do pessoal da saúde, mas parece estar a ficar cada vez mais claro, haver uma insensibilidade governamental que, nalgum momento, pode ser tipificado como crime, tendo em conta os deveres de um governo que diz trabalhar pelo povo e para o povo.
De facto é crime dizer que o povo está a ser atendido “normalmente”, enquanto não está nada a ser atendido, exactamente porque não há ninguém para o atender. Os poucos que lá estão, fingem estar a atender as pessoas, mas na verdade não estão a atender devidamente os doentes. Este é um crime imperdoável que deve ficar devidamente registado na história deste país.
As actuais viagens do presidente vêm recordar-nos o jantar regalado oferecido a si (presidente) e aos seus, exactamente na altura em que em as populações eram levadas para a morte por causa das fortes correntes de água (da chuva) que inundavam muitas regiões da zona sul. Estes são pecados que podem ser capitais para um governo que brevemente deve mostrar serviço para merecer renovação da confiança popular nos pleitos eleitorais que estão à porta.
MEDIA FAX – 05.06.2013