Professor Boaventura Sousa
Santos não duvida:
O mundo vive tempos de grandes incertezas! Quem assim o diz é o prestigiado sociólogo português Boaventura Sousa Santos que, a convite da Procuradoria-Geral da República de Moçambique, proferiu, ontem, uma palestra subordinada ao tema “Justiça em tempos incertos e desafiadores”.
Boaventura Sousa Santos apresentou-se como adepto da sociologia cidadã e um cidadão do mundo, até porque a sua actividade profissional se desenvolve na Europa, Estados Unidos da América, América Latina, Ásia e África.
O orador disse que o tema era curioso na medida em que, justamente, vinha de um país (Portugal) que atravessava um período de grande incerteza e que se encontra sob tutela internacional e condicionado pelo Fundo Monetário Internacional, FMI, e pelas instituições da União Europeia. Lembrou ainda que, durante muitos anos, os países europeus viram as instituições internacionais, como o FMI, a aplicarem receitas severas aos países em desenvolvimento e nunca imaginaram que os chamados programas de ajustamentos poderiam, alguma vez, serem aplicados na Europa. Estes programas consistem, em regra, em despedimentos em massa na administração pública, cortes nas despesas sociais do Estado, entre outras medidas com graves consequências na vida dos cidadãos.
Aliás, serve de referência lembrar o caso de Moçambique que, nos finais da década 80 e início da década 90, foi alvo de um programa de ajustamento semelhante ao que está em curso em Portugal e na Grécia e com efeitos devastadores no sector produtivo nacional como, por exemplo, a indústria do caju.
Quem manda nos nossos países?
Para Boaventura Sousa Santos, a questão de se saber quem realmente manda nos países é, sem dúvidas, a primeira grande incerteza. Para Sousa Santos, os verdadeiros poderes já não são territoriais. Deu exemplo do poder das empresas informáticas, como o Google, o Facebook, que dispõem de uma imensidão de informações sobre as pessoas em todo o mundo que nem os próprios Estados possuem. Outro poder global apontado pelo sociólogo tem que ver com as chamadas agências de notação financeira ou de rating e os chamados mercados que têm o poder de arruinar um país como, aliás, se vê na Europa. Apontou também as multinacionais detentoras de grandes concessões mineiras em vários países e que têm um poder muito grande, ou seja, na opinião do orador, nesses países, “quem decide não é, na verdade, quem decide”, apontou.
Quais são as fontes de direito hoje?
A segunda incerteza apontada pelo orador tem que ver com as verdadeiras fontes de direito nos dias de hoje. É que, durante muitos anos, a ciência de direito tinha como fontes de direito as leis, a doutrina, os usos e costumes...mas nos dias que correm, acrescentou o orador, há o chamado “constitucionalismo global”, que se sobrepõe até às “constituições nacionais”. Ou seja, existe hoje aquilo a que denomina “direito supranacional”. A título de exemplo, falou dos contratos com as multinacionais sobre concessões mineiras. Disse também que, nos dias que correm, os grandes escritórios de advogados transformaram-se em verdadeiras “fontes de direito”, na medida em que muitos advogados que lá trabalham são, ao mesmo tempo, deputados que, em muitas ocasiões, se especializam na produção de leis com “lacunas e ambiguidades” e, depois, usam as “lacunas e ambiguidades” a seu favor com emissões de pareceres e outros serviços.
Boaventura Sousa Santos falou também do poder das organizações internacionais, cujas simples recomendações se impõem como “leis” nos países visados.
A turbulência na separação de poderes
A terceira grande incerteza apontada tem que ver com aquilo a que o orador resolveu chamar “turbulência na separação de poderes”. Boaventura Sousa Santos chama atenção para o facto de se verificar, em muitos países, a “primazia do poder executivo sobre o legislativo e, por outro lado, as pastas económicas no Governo (Ministério das Finanças e Economia) terem um enorme peso e subalternizarem” os restantes ministérios, tais como da Justiça, Cultura, etc.
E, perante esta realidade, tem-se notado, em vários países, a transformação do poder judicial na nova centralidade, na medida em que o poder judicial tem resistido à “usurpação da democracia”. O orador deu exemplo dos cortes de salários que o Governo português pretendia fazer na função pública e que foram travados pelo Tribunal Constitucional. Denunciou também a subversão da democracia, porquanto “o poder executivo é hoje a via pela qual o poder económico adquire o poder político, gerando uma promiscuidade”. lembrou que o poder político deve personificar os valores que não se vendem nem se compram numa verdadeira antíntese do que representa o poder económico e financeiro.
O PAÍS – 25.07.2013