Por: Raúl Chambote ([email protected] )
23 Julho 2013
Cogitar, discutir e tentativas de contestação de incongruências e inverdades sobre a história política de Moçambique não é assunto novo, nem para académicos, jornalistas, professores de História de Moçambique e muito menos para os ideólogos, que deram forma a concepção oficial da verdade sobre a história política de Moçambique. Os acesos debates públicos em torno das celebrações dos 50 Anos da FRELIMO (Frelimo) – FRELIMO (Frelimo) que completava os 50 Anos se referia ao Movimento (Frente de Libertação Moçambique) criado em 1962 ou o Partido Frelimo criado em 1977 - são exemplos incontornáveis para compreender as motivações do presente artigo.
Mas a que propósito serve essa introdução? A resposta encontramo-la no “MOZAMBIQUE News reports & clippings 224”, de 22 de Julho 2013, editado por Joseph Hanlon. O artigo de Hanlon estádividido em duas partes. Na primeira, procura descrever os meandros sobre o possível acordo entre Frelimo e Renamo. Na segunda, Hanlon faz análise questionando a possibilidade do tal acordo. É exactamente nessa secção do artigo que somos bafejados com uma (mais uma) inverdade da história política de Moçambique.
Qual é o problem neste extrato do trabalho de Hanlon? Ele afirma que o Movimento Democrático de Moçambique “... e agora elegeu edis em duas cidades, Quelimane e Beira”.
Reconhecendo o trabalho de investigação que Hanlon tem vindo a fazer sobre Moçambique e seu contributo para consciencialização política atravéz de suas publicações e livremente concordando com o resto do texto, devo discordar com ele que não constitui nenhuma verdade histórica nem política em Moçambique afirmar que o MDM “elegeu dois edis em duas cidades” sugerindo erroneamente aos menos atentos que os presidentes dos municípios de Quelimane e da Beira foram eleitos como candidatos membros do MDM. Ora vejamos:
Primeiro, as Eleições Autárquicas de Novembro de 2008.
A re-eleição do Eng°. Daviz Simango para a Presidência do Município da Beira ocorre no dia 19 de Novembro de 2008 e ele toma posse no dia 7 de Fevereiro de 2009. Até aqui não podemos falar de Movimento Democrático de Moçambique. O que se sabe, até um estudo aprofundado ser feito, são especulações sobre as intrigas sócio-políticas no seio da Renamo e consequente afastamento de alguns membros séniores da Renamo, incluindo o próprio Eng°. Daviz Simango.
Este decidiu concorrer como independente a sua própria sucessão dada a legitimidade de exercício do poder autárquico cuja simpatia os Beirenses quiseram gratificá-lo com mais um mandato, derrotando a Frelimo e Renamo, os dois maiores partidos políticos, naquela urbe. Para a história política de Moçambique esse foi um marcohistórico-político importante doprocesso
da democratização em Moçambique, que vai para além do figurino político-partidário do binómio Frelimo-Renamo que caracterizava a dinâmica do quadro político nacional. A vitória de Daviz Simango em Novembro de 2008 resultou da sua “irreverência politica”, que a observância dos limites impostos pelos holofotes dos fiscalizadores da chamada “disciplina partidária”. É facto histórico e político que o MDM ainda não elegeu Daviz Simango como edil de nenhum
Município de Moçambique. Igualmente, é facto histórico e político que MDM realizou a sua Assembleia Constituinte entre os dias 4-6 de Março de 2009 em Inhamízua, Cidade da Beira, e seu primeiro Congresso entre os dias 5-8 de Dezembro de 2012 em que Daviz Simango foi eleito Presidente do MDM, portanto o primeiro presidente daquele partido.
Em abono da verdade histórica e política, o MDM não existia em 2008, pois dos dados públicos disponíveis indicam que dia 5 de Maio de 2009, o MDM procede a escritura pública como partido político e dia 15 de Maio de 2009 os Estatudos do MDM são oficialmente publicados no Boletim da República. Não me parece que Hanlon cometeu esse erro de forma deliberada. Creio ter sido influenciado ou assumido o quadro de especulações que pairavam na altura da re-eleição de Daviz Simango. Podemos, sim, especular que havia um tal Grupo de Reflexão para Mudança na Beira, alegadamente liderado por Francisco Masquil, antigo Governador de Sofala.
Igualmente, especulava-se na altura que havia um grupo de cidadãos (ex-membros da Renamo) que aventavam a criação de um novo partido político. Portanto, não constitui verdade que Daviz Simango tenha sido eleito Presidente do Município da Beira sob indicação/eleição interna ou como membro do MDM nas Eleições Municipais de 2008.
Segundo: Hanlon foi quase “feliz”, mas com sarcasmo político, em colocar, no artigo, a ordem das cidades (Quelimane e depois Beira). Implicitamente, ele reconhece que o edil de Quelimane figura como o primeiro membro de MDM que é eleito a categoria de edil, mas depois coloca Beira como a fonte donde veio a chama. Deve-se também reconhecer o significado e impactopolítico da áurea da vitória da “irreverência política” de Daviz Simango na Beira sobre a “disciplina partidária” na ascensão de Doutor Manuel de Araújo à edil de Quelimane no dia 7 de Dezembro de 2011 e tomada de posse no dia 28 de Dezembro do mesmo ano. Quase que um feito similar ao de Daviz Simango se repetiu: Manuel de Araújo concorre como membro de MDM e este partido não tem assento na Assembleia Municipal em Quelimane, mas a Frelimo e Renamo detêm-nos. Até que uma investigação mais aprofundada seja feita, tudo indica que a pessoa de Manuel de Araújo jogou um papel importante na sua própria vitória e da sua formação política e consequente elevação do nome do MDM a escala provincial e nacional no sentido de afirmação do MDM como uma força a ser levada em consideração nos próximos pleitos eleitorais, pelo menos a nível das autarquias. A chamada “revolução de Novembro de 2008”, como os membros e simpatizantes de MDM gostam de qualificar a re-eleição de Daviz Simango na Beira e a eleição de Manuel de Araújo em Dezembro de 2011 em Quelimane complementamse politicamente, mas descruzam-se em termos factuais quando pretendemos analisar a história política do MDM.
Concluíndo, a inverdade histórica e política sobre o MDM apresentada por Hanlon, creio involuntariamente, no artigo aqui citado, faz nos lembrar das várias alegadas inverdades sobre a história política de Moçambique. Não restam dúvidas de que precisamos corrigir esse tipo de erros. Hanlon é académico experiente e publica extensivamente sobre Moçambique e tenho a percepção de que muitos lêm suas publicações como verdades incontestáveis. Por isso, tamanha deve ser a sua responsabilidade em publicar assuntos que perfazem a história política dum país.
Nesse sentido, espero que Hanlon aceite o reparo que faço ao seu trabalho. Uma pergunta ao Dr. Hanlon: “Can MDM survive without Simango and/or Araújo?” Me pre-disponho a fazer uma investigação conjunta sobre o assunto.
(Recebido por email)