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livro “Os Ismailis de Moçambique – Vida económica no tempo colonial”, Joana
Pereira Leite e Nicole Khouri contam-nos a História e o legado destes
comerciantes, que viajaram da Índia para a África Oriental e tiveram um papel
decisivo na dinamização do comércio local, a partir dos finais do século XIX e
início do século XX.
Os ismailis, assim chamados pelo ramo da religião islâmica que professam, são muitas vezes olhados sem a devida atenção e tidos como uma comunidade proveniente da Índia com inclinação para o comércio. Joana Pereira Leite, investigadora do Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento (CESA), não desmistifica esta ideia pois é verdade que a maioria das famílias que chegou da Índia desenvolveu uma forte actividade comercial.
A diferença é que nesta obra os autores entrevistam membros de diferentes famílias e “os Ismailis são considerados como sujeitos e não apenas como entidade abstracta”.
Joana Pereira Leite explica-nos que estas comunidades se dedicaram às trocas comerciais porque era o único nicho profissional que lhes era acessível nas colónias, já que muitas destas famílias, provenientes de meios rurais, eram estranhas ao mundo do comércio.
Apesar disto, os ismailis acabaram por dar um contributo inegável: “A sua função na dinamização comercial constitui facto histórico indiscutível e de maior relevo em toda a África Oriental, quer no decurso do século XX colonial quer nos dias de hoje”.
A dinamização do comércio, quer vendendo e exportando produtos agrícolas, quer dinamizando e monetarizando a economia, vendendo produtos aos trabalhadores locais, passou por esta comunidade. Um povo que lentamente deixou de ser “invisível” nas colónias.
“Tal como as outras comunidades oriundas do subcontinente indiano (hindus, muçulmanos sunitas, parsis), os ismailis ocuparam uma posição intermédia na sociedade colonial.
Situando-se à margem, entre o mundo dos colonizadores (os brancos) e o dos colonizados (africanos/ negros) , a natureza da ordem colonial, sustentada no mito da superioridade da cultura ocidental e na prática da hierarquização sócio económica e religiosa, não os livrou nem de serem vítimas de segregação racista por parte dos primeiros, nem de manifestarem um complexo de superioridade face aos africanos”, afirma.
Os exemplos apresentados deixam-nos as histórias de famílias inteiras que se dedicaram a um negócio. Descobrimos os altos e baixos destas histórias que no geral são marcadas pelo sucesso.
Histórias que, em muitos casos, ainda não terminaram: “A maior parte dos membros da comunidade ismaili de Moçambique deixou o território no momento da independência fixando-se em Portugal, no Canadá e também no Reino Unido”, explica a co-autora.
“A importância que esta comunidade consagrou ao investimento na educação dos seus descendentes permitiu-lhes uma inserção diversificada e mesmo influente nas sociedades de acolhimento. A partir de meados dos anos 90 a estabilização política e económica, tanto em Moçambique como em Angola, estimulou o regresso a África de alguns membros desta comunidade de ismailis lusófonos”.
A atracção da comunidade por África é forte e neste contexto de estabilização até podemos assistir a “novas vagas de ismailis originários do Paquistão” que chegam a Moçambique.
Este movimento acabou também por deixar uma marca nos países para onde se deslocaram depois da independência, nomeadamente em Portugal onde “algumas das famílias ismailis originárias de Moçambique se evidenciam, inclusive no negócio da hotelaria (Grupo Sana, por exemplo) ou no comércio (Sacoor)”.
Além dos negócios, os ismailis têm também um papel importante na acção social através da intervenção da Fundação Aga Khan e do Centro Ismaili de Lisboa.
RM – 19.07.2013