Delegações do Governo moçambicano e do principal partido da oposição do país, o antigo movimento rebelde Renamo, reuniram-se novamente em Maputo na quarta-feira de manhã para o que foi descrito como uma sessão "extraordinária” do diálogo Governo-Renamo.Mas, ordinária ou extraordinária, o resultado de todas as recentes sessões tem sido exactamente o mesmo - impasse, porque a Renamo se recusa a passar da sua exigência de "paridade" com o Partido Frelimo na Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Como tem sido evidente por muitos meses, esta é uma exigência que o Governo não pode aceitar. No entanto, em vez de passar para os outros pontos da agenda, a Renamo insiste que não pode haver nenhum avanço em qualquer outro item até que seja alcançado um "acordo político" sobre a legislação eleitoral.
A reunião de quarta-feira, portanto, como uma gravação proverbial perplexa numa ranhura, simplesmente passou por cima de argumentos que já foram repetidos até à exaustão. Nada de novo foi adicionado.
Como em ocasiões anteriores, o chefe da delegação do Governo, o Ministro da Agricultura José Pacheco, disse na conferência de imprensa no final das conversações que não há nada que impede a Renamo de depositar as suas propostas no Parlamento do país, a Assembleia da República.
Na segunda-feira a presidente da Assembleia da República, Verónica Macamo, prometeu que logo que as propostas da Renamo fossem recebidas elas seriam distribuídas a todos os deputados. As comissões de trabalho relevantes do Parlamento seriam encarregues de emitir pareceres por escrito sobre as propostas e a Comissão Permanente da Assembleia agendar o assunto para debate.
A Sessão Extraordinária da Assembleia devia terminar ontem, quinta-feira -, mas se a proposta da Renamo tivesse, de fato, sido recebida, então sem dúvidas que a mesma poderia ter sido prorrogada.
Pacheco frisou que o grupo parlamentar da Renamo tem direito a depositar propostas de legislação ou de alterações da legislação e não precisa da anuência do Governo para fazê-lo. A Renamo pode depositar o seu documento na Assembleia da República imediatamente.
Frisou que a Renamo ficou a ganhar com o processo, pois o Governo aceitou na íntegra 12 dos 19 pontos contidos no documento da Renamo, sugeriu que quatro fossem reformulados e rejeitou apenas três.
O
Governo, por exemplo, não tem qualquer objecção à proposta da Renamo
para recontagem de votos, desde que esta ocorra nas assembleias de voto,
e aceita que os tribunais eleitorais possam ser configurados para lidar
com disputas eleitorais, dois assuntos que não são abrangidos pela
legislação vigente.
O Governo também aceita as propostas da Renamo de que os delegados de lista dos partidos políticos possam estar o mais próximo possível das mesas de voto, e que nenhum dos membros das mesa de voto ou delegados de lista dos partidos possam ser presos durante as eleições.
Mas as três exigências que o Governo não aceita são caras para o coração da Renamo. Estas incluem um novo calendário para as eleições - o que certamente significa adiar as eleições municipais marcadas para 20 de Novembro deste ano e, possivelmente, as eleições gerais previstas para Outubro de 2014.
A Renamo também insiste na "paridade" com a Frelimo na indicação de membros para a CNE. Pacheco tem repetidamente afirmado que não há base legal para essa demanda.
O problema poderia ter sido resolvido retirando completamente os partidos políticos da CNE. Em muitos outros países as comissões eleitorais são verdadeiramente independentes e não contêm membros indicados pelos partidos políticos. Mas, quando em Março de 2012 a Frelimo propôs uma CNE inteiramente composto por membros oriundos da sociedade civil a Renamo rejeitou a ideia com horror.
A Frelimo defende que se os partidos políticos podem nomear os membros da CNE deverá haver um critério para fazê-lo. A prática geral em Moçambique é que para quaisquer órgãos onde a Assembleia escolhe membros fá-lo em função do número de assentos ocupados por cada um dos partidos. Uma vez que a Frelimo tem 191 assentos, a Renamo apenas 51 e do Movimento Democrático de Moçambique oito, é inevitável que a Frelimo vá escolher mais membros do que os dois partidos da oposição. Esse é o preço que a Renamo paga pela sua insistência em que os partidos políticos devem estar representados na CNE.
O Governo também rejeita a exigência da Renamo para a politização do órgão executivo da CNE, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE). A Renamo quer representantes políticos em todos os níveis do STAE supervisionando os profissionais eleitorais.
Estas exigências foram rejeitadas quando a Assembleia votou a legislação eleitoral em Dezembro. Agora a Renamo quer reintroduzi-las, na esperança de que, se elas carregarem um selo de aprovação do Governo o grupo parlamentar da Frelimo será obrigado a mudar de ideia.
A Renamo não quer ter 12 ou 16 dos seus 19 pontos aceites na Assembleia. Ela quer tudo ou nada. O chefe da delegação da Renamo, Saimone Macuiana, disse na conferência de imprensa que "o Governo não aceitou os pontos que permitiriam a Renamo apresentar uma proposta à Assembleia da República".
Para Macuiana, o único caminho a seguir agora seria a intervenção do Presidente Armando Guebuza. Mas não há nenhuma boa razão para imaginar que Guebuza tomasse uma posição diferente daquela tomada pelo Governo que ele nomeou.
Quando Guebuza esteve recentemente em Tete, os repórteres lhe perguntaram sobre o diálogo com a Renamo ele disse que queria que a Renamo acabasse com o seu boicote às eleições, mas não tinha nenhuma maneira de obrigar a Renamo a participar. "Nós continuamos a trabalhar no diálogo para convencer a Renamo a participar nas eleições, mas não podemos obrigá-la a fazê-lo", comentou.
Na Assembleia a bancada da Frelimo tem repetidamente dito que está disposta a debater as propostas da Renamo, mas a sua submissão depende da Renamo. O deputado da Frelimo, Francisco Mucanheia, que preside a Comissão da Agricultura na Assembleia, disse à estação de televisão independente STV que "estamos prontos para discutir este ponto e analisá-lo. Mas primeiro tem que ser depositado no Parlamento, e, tanto quanto sabemos, tal ainda não aconteceu”.
"Não
foi a Frelimo que manifestou interesse em rever a legislação
eleitoral", acrescentou. "Como vocês sabem, a Assembleia já aprovou a
legislação e durante os dois anos anteriores estivemos envolvidos na sua
discussão. Estamos confortáveis com as disposições da actual
legislação".
“Foi a Renamo que manifestou interesse na revisão", acrescentou Mucanheia. "Não temos agenda para alterar a legislação agora, mas estamos prontos para analisar e discutir o assunto se essas alterações forem submetidas por aqueles que acreditam que a legislação actual não satisfaz os seus interesses".
Mas se a Renamo não apresentar as suas propostas, então "o processo eleitoral vai continuar normalmente", disse.
O porta-voz da bancada parlamentar da Renamo, Arnaldo Chalaua, simplesmente repetiu que a Renamo não vai apresentar a sua própria proposta até que um "acordo político" com o Governo seja assinado. Como Macuiana, ele acreditava que Guebuza pudesse, de alguma forma, salvar o dia para a Renamo.
Cabe ao Presidente, segundo ele, "definir o caminho que este país deve seguir". A bancada parlamentar da Renamo na Assembleia da República não pode fazer "absolutamente nada, porque dependemos das negociações".
A Renamo já está fora do prazo para se inscrever para as eleições municipais. Sem dúvida, se a Renamo fosse, mesmo nesta fase já tardia, a abandonar o seu boicote, a CNE poderia ajustar as regras para permitir que a Renamo se registasse depois do prazo expirado.
Mas o tempo está a se esgotar e se a Renamo continuar intransigente, então, parece certo que as eleições municipais serão uma batalha entre a Frelimo e o MDM, as duas únicas forças que se comprometeram a apresentar candidatos em todos os 53 municípios.
PAUL FAUVET, da AIM