CANAL DE OPINIÃO por Matias Guente
Se consultássemos a um psicólogo, aconselhar-nos-ia doses elevadas de calma. Se consultássemos a um líder eclesiástico, aconselhar-nos-ia muita oração com jejum em anexo.
Se pedíssemos ajuda a um especialista em metafísica negra, recomendar-nos-ia um ajuste de contas mal paradas com os antepassados.
Vem isto muito a propósito dos ecos da reunião do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), a plataforma do Estado que vela pela juventude, mas que infelizmente está transformada num clube de alucinados que pouco se empresta ao raciocínio. Essa cultura de alucinação adquirida está a levar à frustração colectiva de toda uma juventude que esperava que o CNJ fosse seu interlocutor válido.
Definitivamente, alguma coisa de muito grave se está a passar com a juventude atrelada ao partido no poder, a Frelimo e que controla o CNJ.
Se formos pela via dos vícios da juventude do nosso século, diríamos, sem receio de processos de calúnia, que a direcção do CNJ anda a consumir muito álcool intercalado com outras substâncias entorpecentes.
Se formos por vias da psicanálise, o aconselhável é diagnosticar a este mesmo CNJ, a alucinação mórbida!
Já havia eu questionado a preferência da juventude ligada ao partido Frelimo, por lugares estranhos para a realização de reuniões que são de vital importância para a vida colectiva da juventude. E quer parecer-me que o CNJ, mais uma vez, veio dar-me razão em relação ao seu raciocínio rural. É impressionante o amor do CNJ aos distritos sempre que for para realizar encontros que se saldem em debates profícuos.
É muito estranho que jovens potenciais líderes do amanhã prefiram organizar processos como eleições e debates que se querem participativos em campos agrícolas como que de uma organização de produtores de tabacos se tratasse. Escolha de distritos como Changara, Caia, Muanza, Gorongosa, Nipepe, Ancuabe com o fito de dificultar a presença de outros jovens actores relevantes na sociedade, mostra a feudalização de uma organização constituída por jovens mais que persegue ideais de pessoas de terceira idade que pregam o isolamento. Não se pode ter nem perspectivar um País com uma juventude com mente tão corrupta e sem valores. Decidiram, desta vez, organizar a reunião da juventude em Anchilo, um distrito que fica a mais de 30 quilómetros da cidade de Nampula. Não me venham com tretas de integração destes locais, pois a verdade é que preferiram esconder-se nos “Anchilos”, para fugi rem de pessoas esclarecidas e irem fazer politiquices em campos agrícolas com gente não esclarecida.
O próprio presidente do CNJ não gosta da crítica. Tem alergia a jovens esclarecidos. Nada melhor que um Anchilo, Nipepe, Cheringoma para servir-lhe de palco e discursar para camponeses e criadores de gado misturados com uma meia dúzia de professores de ensino primário que já desistiram de ser jovens, dadas as dificuldades impostas pelo regime.
Quer parecer-me que a ideia de “Anchilizar” a reunião colheu muita simpatia por parte do chefe de Estado que padece da mesma sarna anticrítica. E a banda estava completamente composta: uma juventude que prega a exclusão e a anticrítica e o nosso presidente que tudo faz para que a crítica seja vista como heresia. Assim, todos eles podem discursar à vontade para os camponeses, pescadores, caçadores, e criadores de gado sem direito a questionamento, nem contraditório. Isso é muito mau. Mostra que não pretendem debater ideias, mas exaltarem-se uns aos outros, numa escadaria partidária em que os que tiverem mais disposição e fôlego para aplaudir têm tacho garantido. Não há País sério que se construa com essa decadente base.
O resultado dessa feudalização da juventude acabou-se materializando no discurso do presidente do CNJ, o jovem Osvaldo Petersburgo.
Para quem acompanhou o discurso lido por Petersburgo ficou invariavelmente com a dúvida se era um representante da juventude a falar ou era um ministro da Juventude e Integração Social! Um discurso completamente vazio no que o conteúdo encerra. Um discurso inspirado na alucinação que só o fórum espiritual lhe pode decifrar o alcance.
Por exemplo, disse o bom de Petersburgo que há muitas actividades que estão a ser levadas a cabo pelo Governo com vista a incluir a juventude. Citou os polémicos “sete milhões” como estando a tirar a juventude da pobreza. Citou a inclusão da juventude nos Conselhos Consultivos Distritais como outra fórmula que está a enriquecer a juventude.
Outra forma de rendimento para os jovens é, para o bom de Petersburgo, a criação do Gabinete Parlamentar da Juventude, na Assembleia da República. Teve o mais hilariante: disse Petersburgo que uma das acções do Governo que ajudou a juventude foi a aprovação, pelo Conselho de Ministros, da revisão da política da juventude. O documento ainda está lá no Conselho de Ministros e nem sequer foi ao parlamento! Diga-me, meu caro leitor, se é verdade que as acções acima mencionadas são o que de facto a juventude precisa. Se a resposta for afirmativa, pode parar por aqui dada a invalidade material lógica dos próximos parágrafos.
Petersburgo não deixou seus créditos de jovem alucinado em mãos alheias. Teve mais. Disse perante o presidente da República que o que preocupa, na verdade, a juventude são duas coisas: o consumo do álcool/drogas e o HIV-Sida.
Estes dois combinados causam o que Petersburgo chama de “autoflagelação” em estrito cumprimento com os vocábulos partidários.
Ora, por força do rigor, eu pessoalmente fiquei com dúvidas, se o álcool e estupefacientes são o maior problema da juventude nacional ou da direcção do CNJ. E há elevadas probabilidades de a última hipótese ser válida e sede do teste. Só um indivíduo sob efeito de estupefacientes é que não consegue ver que o problema da juventude moçambicana é a falta de oportunidades e a partidarização das poucas que existem. Só um jovem embriagado é que pode ver que no lugar de políticas de emprego e de habitação seja prioritário um plano de salvação nacional da juventude, contra a droga e o Sida. Mantendo constante a luta contra o Sida e as drogas, os jovens precisam mais é de política de habitação para deixarem de viver nas garagens, terraços e guaritas. Os jovens precisam de casa condigna para deixarem as casas dos seus pais. Os jovens precisam de ocupação para deixarem a delinquência. Os jovens andam frustrados, não é pelo fraco combate ao HIV-Sida. Andam frustrados mais é com este regime da Frelimo que em 38 anos não consegue dar habitação nem emprego aos jovens. Os jovens andam frustrados porque os projectos de habitação estão com custos inflacionados para alimentar os mesmos parasitas de há 37 anos que usurparam os negócios do Estado. Os jovens andam frustrados porque há pessoas que nunca trabalharam e não sabem o que é disputar uma vaga de emprego e de dia para noite aparecem em revistas internacionais sendo apresentadas como detentoras de fortunas de proveniência muito duvidosa. É isso que preocupa um jovem moçambicano normal. Só quem está em Petersburgo lá na Rússia é que vê para o estado de coisas de forma adulterada e põe-se a falar disparates. Só um alucinado pode achar que o problema da juventude é a autoflagelação. A autoflagelação sobrevive da falta de esperança. E a falta de esperança e perspectivas é o maior produto que a Frelimo e seus dirigentes criaram nestes 37 anos de governação, o que não deixa de ser uma marca notável: muito pela negativa, claro! (Matias Guente)
CANALMOZ – 21.08.2013