Canal de Opinião por Reginaldo Ernesto Nhachengo
Nas últimas semanas, a maior parte da Mídia moçambicana relatou o fenómeno “G-20”, um grupo de 20 criminosos que cimenta uma onda de violência sobretudo em Maputo e Matola, sob a forma de violação, roubo, queimadura do corpo com o ferro-de-engomar e assim em diante. Em res posta, o porta-voz da Polícia, Pedro Cossa, referira-se à “falta de meios” para o patrulhamento das urbes onde a violência está instalada, e que as pessoas eram “culpadas” por não “cooperar” (www.jornaldigital.com/, de 9 de Agosto de 2013, 11:33:54).
Este artigo tem por escopo reflectir sobre a reacção da Polícia da República de Moçambique a cada vez mais crescente onda de violência e criminalidade que se vive em Moçambique e, particularmente, em Maputo e Matola, assertando que o clima de insegurança e violência é, em parte, fundada na ausência de princípios éticos entre os membros da Polícia. Isto não é, como a priori se pode pensar, para dizer que o crime não ocorreria se a Polícia observasse estritamente os princípios deontológicos. Vários estudos mostram que existe uma relação intrínseca entre o nível de crimes e o do desenvolvimento das cidades, bem como a eficácia do Governo em responder às demandas sociais.
Em primeiro lugar, consta que os criminosos, através de panfletos: «Hoje vamos trabalhar aqui», identificam e anunciam os lugares que pretendem perpetrar crimes. A Polícia é informada, ainda assim, sob a pretensão de escassez de meios, não se toma qualquer tipo de providência para proteger as vítimas ou pelo menos para dissuadir os referidos criminosos. O que acontece são discursos politicamente correctos. Afinal de contas, que meios são necessários para neutralizar o “G-20”? E o que aconteceria se o grupo fosse relativamente extenso? Tendo em conta que a Polícia pode colaborar com outras instituições do Estado para mobilizar os meios de segurança, por exemplo o Ministério da Defesa Nacional (e até instituições privadas quando se declarar uma total incapacidade do Estado), a reacção da Polícia denuncia, até certo ponto, uma incompetência e falta de comprometimento com o seu dever, e isto viola os princípios deontológicos de competência, respeito e preocupação que deveriam reger a acção de quem lhe é, em primeira mão, atribuída a função de garantir a ordem e segurança públicas.
Em segundo, por alegada não cooperação, a Polícia atribui “culpa” à população pelos crimes cometidos. Declarações dessa natureza podem criar desordem e aumentar ainda mais a ocorrência de violência. Criar condições de guerra de todos contra todos. De facto, uma análise superficial desse discurso reve la, por um lado, a irresponsabilidade e a falta de honestidade por parte da corporação. É bem verdade que os cidadãos têm o dever moral de colaborar com a Polícia através de testemunho, queixa, denúncia ou prestação de qualquer tipo de informação que possa ajudar a neutralizar os criminosos. Embora importante, o papel dos cidadãos não é uma condição suficiente para a Polícia despir-se de responsabilidade e considerá-los “culpados” pela violência e crimes. Se houver que encontrar algum culpado pela crescente onda de violência, tem de sê-lo entre as instituições governamentais, entre as quais a Polícia é a mais provável, pela razão de, constitucionalmente, ser sua função primária garantir a lei, a salvaguarda de pessoas e bens e a ordem e segurança públicas.
E uma vez que a Polícia prova ser ausente e por isso ineficiente, viola os princípios éticos da responsabilidade e competência.
Por outro lado, tal reacção que imputa “culpa” ao cidadão pode dar origem a pelo menos dois tipos de impacto obviamente indesejável na sociedade. Numa faceta, a culpa imposta aos cidadãos pode reduzir o nível óptimo de cooperação necessária com a Polícia, uma vez que o cidadão perde a confiança na corporação, contribuindo desta forma para o aumento da criminalidade. Noutra – e isto é o que a evidência indica estar a acontecer até ao momento –, dado que os cidadãos não têm a quem recorrer, e salientando que se trata do seu direito primordial em perigo, eles criam esquemas de defesa colectiva formando grupos para fazer a vigilância nocturna, ou seja, eles transferem para si o dever moral e legal da Polícia em resposta à inacção do Governo como um todo. Até onde se pode chegar com este tipo de segurança? O grande perigo desta iniciativa é que basta o grupo suspeitar que o indivíduo seja criminoso, ele vai simples e brutalmente linchá-lo sem observar os procedimentos que, se se tratasse de Polícia, poderiam ser seguidos, como sejam o direito de ser julgado, o direito à auto-defesa e assim por diante.
Seguindo este raciocínio, dir -se-ia que a ineficácia da Polícia cria condições simultâneas para a reprodução e polarização de violência e crimes: Gangues vão continuar a praticar crimes e os cidadãos, por via dos grupos referidos acima, também vão continuar massacrando pessoas inocentes.
Todos estes pontos são no sentido de realçar que uma vez que o clima de insegurança e violência que se vive em Moçambique é devido à ausência de valores deontológicos na Polícia, inculcando em seus membros tais princípios pode ajudar a corporação, como um todo, a exercer a sua função primária de garantir a ordem, segurança e tranquili dade públicas; bem como a evitar discursos demagógicos para justificar a ineficiência – discursos maquiavélicos, por mais brilhantes que aparentem, em nada valem se tiverem por objectivo justificar a ineficiência e/ou falta aos deveres primários. Mais valores perdem ainda se se tratar de uma ineficiência que resulta em perda do mais importante direito humano: o direito à vida.
A função de “salvaguarda” implica, também, a obrigação do Governo para assistir legal, moral e materialmente as vítimas da violência em Moçambique. (Reginaldo Ernesto Nhachengo, Jindal Global University, India)
CANALMOZ – 28.08.2013