NUNCA cansa estar no interior do planalto de Mueda, sobretudo quando o intuito é “beber” a história do processo de libertação de Moçambique, feita por via da luta armada, que teve ali o seu ponto de partida.
Ainda há homens, uns anónimos mas outros não, que estiveram directamente envolvidos nas frentes de combate que guardam na memória episódios que nos levam a, mais uma vez, perceber quanto custou a liberdade.
Por ocasião do 25 de Setembro, que amanhã se assinala, o nosso jornal traz hoje neste espaço três combatentes residentes nos distritos de Muidumbe e Mueda, “jovens do 25 de Setembro” com quem tivemos a oportunidade de conversar e ouvir as suas experiências sobre aquele grande feito.
Casimiro José Mabuto é um dos três antigos combatentes com quem falamos. Diz que veio ao mundo em 1941 e estudou na missão de Mbuo até à segunda classe, em 1958, e que trabalhou numa empresa algodoeira denominada SAGAL, até 1964, ano em que rumou para a Tanzânia para se juntar à FRELIMO. Recebido em Dar-Es-Salaam foi encaminhado depois para Bagamoyo e mais tarde, para Kongwa, a fim de cumprir treinos militares, cujos instrutores foram Lucas Mpomela, Mateus Chipanda, Francisco Luguali, entre outros.
Depois dos treinos, Casimiro Mabuto foi escolhido para o interior da província do Niassa, mais precisamente em Catur (hoje Itepela) distrito de Mandimba, sob o comando de Eduardo Silva Nihia ou “Muthótho”, seu nome de guerra. Daqui saiu em 1966 de novo para Dar-Es-Salaam por razões de saúde mas depois de curado recebeu a missão de comandar uma Companhia de 70 homens, com a qual entrou de novo no país, desta feita, a partir da província de Cabo Delgado. Casimiro Mabutu foi para o destacamento Nacala, junto à fronteira entre Moçambique e Tanzânia, mas do lado de Negomano, na confluência dos rios Rovuma e Lugenda, onde antes estiveram outros pelotões, entre os quais um comandado pelo seu conterrâneo da aldeia Namau, o temível Nan’tova (que significa não morre), nome pelo qual foi conhecido Cosme Nhussi Chimela Silapola.
É reorientado para o destacamento Namapa, onde esteve até 1969. Estava nesta frente quando o primeiro presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, morreu vítima de uma carta armadilhada. Casimiro Mabuto seguiu para a Base Central, onde ficou duas semanas antes de ser transferido para Miambwe (fronteira do lado tanzaniano) como representante da FRELIMO, com o fim de controlar o movimento fronteiriço dos guerrilheiros de e para Moçambique e local de passagem do material e informações de guerra para Nachingwea e Mtwara.
Em 1970, o então jovem Casimiro Mabuto é transferido para Nachingwea. Fez um treino especializado de armas pesadas, mais especificamente de morteiro, numa altura em que o General português, Kaúlza de Arriaga, estava a actuar no quadro da celebremente triste operação “Nó Górdio”.
Em Junho do mesmo ano e depois de concluir a especialização, Mabuto é escolhido para ir a Moscovo, capital da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), para um curso do canhão B-10. Em 1972 regressa em Junho e é enviado para Nachingwea. Daqui, de novo para a província do Niassa, na base central, onde fica três meses, antes de rumar para Tunduru, Tanzânia, depois de novo para Nachingwea, onde recebe a missão de exercer a sua antiga profissão. Afinal, Casimiro José Mabuto, inicialmente foi alfaiate, na sua aldeia natal. “Eu fazia fardamento militar e em 1973 volto para Tunduru, ensinar alfaiataria aos alunos até 1974, ano dos Acordos de Lusaka”, explica Casimiro José Mabuto.
A 23 de Junho de 1975, Mabuto sai de Tunduru, com os alunos e professores para Mtwara, de onde partiriam, via aérea, precisamente no dia da Independência, para Mueda. Diz ele que foi um momento de festa que não o vai sair da memória. A seguir à Independência, Mabutu ruma para Maputo, onde viria a ser colocado na Intendência. Lembra-se com muita facilidade como se tivesse sido ontem de muitos episódios, apesar de estar a caminhar para 80 anos de idade. Ainda pedala pela aldeia de Namau e cuida permanentemente da sua mãe.
PEDRO SEGURO: ALGUNS EPISÓDIOS HOJE PODEM PARECER FALSOS
“Quem não esteve no terceiro e quarto sectores, não deveria falar muito do sofrimento que se viveu por falta de comida durante a luta armada de libertação nacional”, diz com autoridade Pedro Justino Bonifácio, uma das figuras de referência quando se fala da frente de Cabo Delgado.
Mais conhecido por Seguro, seu nome de guerra, Pedro Bonifácio fala com emoção da vida dos combatentes que diz respeitar.
Sempre que busca na memória os seus camaradas, Seguro nunca se esquece do artilheiro Wehia Monacacho Ripua, que viria a ser o presidente do Partido Democrático de Moçambique (PADEMO), depois da introdução do multipartidarismo no nosso país.
Ele e Ripua relacionavam-se de forma especial com a base Central porque tinham a missão de servi-la por pertencerem à Base Gungunhana - de artilharia- que se localizava em Miteda.
Em determinada época da luta armada, Pedro Seguro foi viver para a sub-base provincial, na zona de Luikwé, cuja missão era expandir a guerra para o Sul da província, atingindo prioritariamente Meluco e Ancuabe.
Quando Pedro Seguro fala dos Avanços a Sul da província, fá-lo com emoção desmedida, pois tal significava, em primeiro lugar, desmantelar os aldeamentos, para o que se destacavam grupos de reconhecimento que deparavam com dificuldades de penetração, tudo com o objectivo de alcançar a estrada Pemba/Montepuez, para capturar a capital provincial, então Porto Amélia, hoje Pemba.
Não havia apoio da população daquela região, como era no primeiro e segundo Sectores. Antes pelo contrário, estas sempre que vissem algures os guerrilheiros denunciavam-nos às autoridades coloniais.
Seguro lembra-se que o primeiro grupo a atravessar o rio Montepuez para o Sul perdeu cinco guerrilheiros, que morreram por causa da fome. Perderam a vida Augusto Basílio e Binamo Muluto, mais três combatentes afogados naquele mesmo curso de água. Mas consola-se, afirmando que não há vitórias sem sacrifícios. Aliás, é o que todos tinham mentalizado.
A outra grande dificuldade residia no cordão de aldeamentos instalados, guarnecidos e controlados militarmente pelos colonos, o que fazia com as comunidades vivessem cercadas e vigiadas permanentemente, incluindo nas suas machambas. Por isso, hoje declara: “Quem não esteve no terceiro e quarto Sectores, não deveria falar muito de sofrimento criado por falta de comida, ” explicou Seguro.
Diz que quando se fala de avanços se refere a zonas onde a perseguição era constante, directa e os combates seguidos, o que exigia homens com coragem e força que hoje pode ser difícil de qualificar.
A princípio, segundo conta Pedro Seguro, a ordem era não atacar a população e não retirar comida dos camponeses, razão por que alguns guerrilheiros morriam de fome, numa zona onde o povo não os apoiava e pelo contrário eram detestados e imediatamente denunciados.
AFINAL, QUEM É PEDRO SEGURO?
Nasceu em Nangololo, onde foi baptizado e estudou até terminar a quarta classe, em 1962. Deveria seguir para a missão de Mariri para se fazer seminarista mas não quis seguir este rumo.
Depois da sua activa participação na luta armada, a seguir aos Acordos de Lusaka e a consequente Independência Nacional, Pedro Seguro, entra na administração. Alias, já no Governo de Transição, foi indicado para a Ilha de Moçambique, como comandante militar daquela região que incluía Namapa, Memba, Nacala, Mossuril, Ilha de Moçambique e Mogincual).
Pouco tempo depois, Seguro é transferido para o quartel-general, agora Academia Militar Samora Machel, para assumir as funções de Comissário Politico até Agosto de 1976, ano em que é nomeado o primeiro administrador pós-independência do distrito de Murrupula. Ainda na província de Nampula dirigiu outros distritos para depois ser transferido para Inhambane e mais tarde para Cabo Delgado, onde 30 anos depois viria a passar para a aposentação, em 2006, curiosamente no seu próprio distrito, Muidumbe.
ESTÊVÃO CHILAVE IRRECONHECÍVEL EM MUAMBULA, SUA ALDEIA NATAL
ESTEVÃO Jacob Chilave entrou na Tanzânia para se juntar à FRELIMO a partir de Maúta, zona fronteiriça do lado tanzaniano. Combatente da Luta de Libertação Nacional, Chivale diz que há muita coisa do processo que conduziu o país à Independência, sendo que uma delas foi a entrega voluntária e desinteressada de moçambicanos à causa da liberdade, sem olhar as condições em que se desenrolava esse desejo de pôr termo à dominação estrangeira.
Chilave saiu para a Tanzânia, na companhia de um seu colega da zona, Hilário Cândido Niquimwene, que faleceu em Junho de 2011.
Em Maúta ficaram três dias, tendo sido depois levados para a Linde, onde ficaram uma semana, antes de serem encaminhados para Dar-Es-Salam, num centro de recepção de moçambicanos que acabavam de chegar para se juntarem à FRELIMO. Tempo depois, recebem Samora Machel, na companhia dos seus dois colegas, nomeadamente, Armando Thimo e Matias Mboa, este último que era o único ainda vivo do grupo de recepção do também falecido primeiro Presidente de Moçambique independente.
“Fui eu que recebi Samora Machel, lá no centro”, revela Estêvão Chilave, que acabaria integrando o segundo grupo para treinos na Argélia, com Samora já chefe, em Junho de 1963. O primeiro que já lá se encontrava era chefiado por Milagre Mabote, onde pontificava também a figura de Feliciano Gundana.
Depois da sua participação em várias frentes, Chilave entra na gestão administrativa, mesmo antes da independência, nas zonas libertadas. “A gestão administrativa começa em Nangade, quando o trabalho administrativo ficou nas mãos de soldados, depois da a maioria dos dirigentes locais, que eram conhecidos por Chairman, se terem entregue ao inimigo”, explicou Chilave.
Proclamada a Independência Nacional, Chilave assumiu muitas tarefas dentro do Partido, mas acabou administrador dos distritos de Palma, Chiúre e Balama, onde ficou reformado em 1993, com a patente de capitão.
PEDRO NACUO
NOTÍCIAS – 24.09.2013