ACABA sendo dos poucos casos envolvendo o negócio obscuro de madeira ou com ela relacionado que conhece um desfecho e que é tornado público, num exemplo que é de louvar.
Trata-se de um caso que ia para além da exportação ilegal da madeira, pois no contentor havia outros recursos florestais e faunísticos disfarçados e também pontas de marfim. Iam à exportação no navio Kota Mawar, embalados no contentor número PRSU215078/1, da Miti, a maior empresa nacional que explora madeira no norte de Moçambique, mais concretamente na província de Cabo Delgado, onde inclusivamente tem concessões florestais. A 12 de Janeiro a operação foi abortada, pois tratava-se de uma saída ilegal do produto ao arrepio das leis e normas que regulam o exercício da actividade.
Depois de o contentor ter sido isolado dos restantes, para ser minuciosamente revistado fora das instalações portuárias, eis que o escândalo vem a superfície: para além da madeira em toros que ilegalmente ia ser exportada para Ásia, havia pontas de marfim disfarçadas.
Foram contabilizadas 126 pontas de marfim, o correspondente a 63 elefantes abatidos, uma ponta de rinoceronte, considerado extinto em Moçambique, carapuças de pangolins, peças de arte fabricadas com base no marfim, assim como excrementos de elefantes, muito procurados na Ásia.
Perante as autoridades de Defesa e Segurança, Portuárias e da Agricultura, o contentor foi aberto ao fim do segundo dia, isto é a 13 de Janeiro.
Três horas antes, o nosso jornal que então tinha sido o único órgão de comunicação social a despoletar, em primeira mão, o escândalo, obtivera informações de que as peças de marfim encontradas naquele contentor (na altura falava-se em apenas 20) teriam sido introduzidas pelos parceiros da Miti Lda, nomeadamente chineses da Tienhe, Lda., à sua revelia daquela empresa moçambicana, segundo alegara o director daquela empresa madeireira, Zaíd Seguro Abubacar.
“Fomos traídos pelos nossos parceiros”, foi como o director da Miti, Lda. classificou, então, a descoberta daqueles recursos, para além da madeira em toros, razão por que a sua empresa se distanciava do tipo de carga encontrado no contentor que era sua pertença.
Das nossas investigações apuramos que já havia um cidadão chinês confesso que terá aceite ser a pessoa que introduziu as pontas de marfim no contentor.
Voltando para o director da Miti, Lda, o nosso jornal foi explicado que aquela empresa ao negociar com os seus clientes, maioritariamente chineses, para vender os seus produtos madeireiros, em toros ou processados, cabe a responsabilidade de exportar para o destino que melhor entender.
“Na verdade essa madeira foi vendida à empresa chinesa Tienhe, Lda., que juntamente com alguns nossos trabalhadores procederam ao empacotamento, no nosso parque. Mas os dois últimos contentores, depois de selados, foram levados à revelia para o parque da empresa chinesa, já à calada da noite, onde foram violados e introduzidas as peças de marfim, segundo a confissão do autor, com o conhecimento de um gerente de nome Chung”, foi assim que o director da Miti, Lda se desculpou.
Depois o nosso jornal teve acesso ao manifesto da carga da Miti, Lda, onde encontrou registados 110 toros de madeira, apesar de o contentor trazer apenas 59 assistidos e declarados, o que poderia significar que 55 tinham sido retirados numa outra oportunidade para dar lugar às pontas de marfim, para além de constar um toro de uma espécie não declarada, a Umbila.
Por outro lado, todas as peças de marfim e outros produtos derivados de animais protegidos por lei e em extinção, traziam etiquetas com nomes dos seus destinatários, em língua chinesa. Ouvidos os trabalhadores, entre cubicadores, operadores de máquina e estivadores contratados, confirmaram o sucedido e internamente ficava a tarefa de continuar as investigações entre os colaboradores, pois interessava à Miti, assegurar que o nome da empresa não fosse associado a entidades de conduta duvidosa.
Porém, depois que o processo de verificação dos contentores terminou, acredita-se ter havido interesses obscuros de colocar a Miti numa situação criminosa. Mas logo a seguir a Procuradoria da República, em Cabo Delgado, absteve-se de acusar a empresa de contrabando de marfim, contrariando assim o processo de instrução preparatória que já estava a dar passos firmes.
O “Notícias” conseguiu ter acesso a documentos, indicando que a fracassada exportação ilegal de recursos foi obra dos parceiros chineses da Miti, que urdiram um esquema que favorecesse a saída daqueles produtos à revelia da contraparte moçambicana e dos trabalhadores daquela empresa.
Soubemos ainda que, os protagonistas, nomeadamente o gerente de então da Tienhe, Lda., assim como o motorista e operador das máquinas, haviam fugido e estando já em parte incerta, na China, segundo certificou o novo gerente de nome Juning Wang.
Um trabalhador identificado por Elias Alide chegou a declarar ter testemunhado o transporte do contentor em causa, por volta das 17.00 horas do parque da Miti, Lda., sito no bairro de Muxara, para o do Tienhe, na sequência da interrupção do carregamento do Kota Mawar, para dia seguinte.
Conforme a fonte, chegados a Tienhe, o gerente, de nacionalidade chinesa, ora em parte incerta, terá violado o contentor mas que dai nada mais viu, pois recebeu foi dispensado para ir para casa. No dia seguinte, viu o contentor já selado e a ser transportado para o porto.
Os factos registados pela Procuradoria da República, ajustavam-se à posição da Miti, Lda, de que o sucedido tinha sido uma traição dos seus parceiros.
Na altura, o director da Miti, Lda., Zaíd Abubucar, havia dito que a empresa se distanciava, pois já havia um chinês confesso, de nome Qiuhua Yan (um dos fugitivos), da Tienhe, Lda, que introduziu as pontas de marfim.
Começou a ficar claro que a madeira fora vendida como tal à empresa chinesa Tienhe, Lda., que juntamente com alguns trabalhadores da Miti, Lda., procederam ao empacotamento, no próprio parque, sendo os dois últimos contentores, depois de selados, levados à noite e à revelia para o parque daquela empresa, onde à calada da noite foram violados para a introdução das peças de marfim.
FARUK JAMAL DÁ CARA!
FARUK Jamal, proprietário da Miti, Lda., que por altura do acontecimento se encontrava ausente da cidade de Pemba, na Mocímboa da Praia, deu a cara a aceitou falar para o nosso jornal, manifestando-se indignado pela atitude do seu parceiro. Ele chamou a atenção de todos os operadores empresariais para que tomem cuidado em relação a certas parcerias.
“Precisamos de ter cuidado com estes nossos parceiros. Estamos perante uma situação que prejudicou sobremaneira a nossa empresa, sujou a imagem daquela Miti que todos conheciam desde a sua criação, de honestidade e muito trabalho, de colaboradora e com uma função social de muito peso na região” disse Faruk Jamal.
O proprietário da Miti, Lda. disse que iria ser difícil reconquistar os clientes, depois da crise que se seguiu à notícia sobre o marfim nos contentores da sua empresa, pois, segundo ele, alguns já se haviam retraído. “Mas estamos aqui, está tudo como nós sabíamos, que fomos traídos”, dissera Faruk Jamal.
A MITI, LDA QUERIA MUITO MAIS DO QUE FIXOU A SENTENÇA JUDICIAL
FARUK Jamal já desavindo com os seus parceiros, decidiu levantar um processo contra a utilização indevida do seu nome, através dos seus contentores, documentos e assinaturas para contrabando de marfim. Assim, exigiu, em autos, junto do Tribunal Judicial Provincial de Cabo Delgado, uma indemnização a ré, Mozambique Tienhe Trading Devolopment, Lda, no valor de cinco milhões de dólares.
O Tribunal, na tentativa de saber quem introduziu os troféus no contentor, se era do conhecimento do queixoso e para determinar os prejuízos económicos da Miti, Lda, analisou os factos e concluiu que se tratou de uma iniciativa unilateral daquela empresa chinesa.
“Da matéria levada à audiência e julgamento resulta provado que não era do conhecimento da Miti, Lda, no acto de empacotamento, a introdução de produtos faunísticos proibidos que foram apreendidos pelas autoridades moçambicanas ”, refere a sentença do Tribunal a que o Notícias teve acesso.
Os chineses, segundo a sentença do Tribunal, embora tivessem a nobre oportunidade de apresentar a sua defesa, tanto na contestação como nas audiências ulteriores, nunca tomaram posição definida perante os factos, pois os novos gerentes limitaram-se a dizer que nada sabiam, visto os factos se terem dado com aos anteriores gestores.
Sendo assim, a primeira secção do Tribunal Judicial Provincial de Cabo Delgado julgou procedente a acção ordinária de condenação, intentada pela Miti, Lda e em consequência condenou a Mozambique Tienhe Trading Devolopment, Lda, ao pagamento de indemnização por factos ilícitos a si imputáveis.
Todavia, o Tribunal ao invés de cinco milhões de dólares, estipulou a 28 de Maio de 2012 três milhões e meio de dólares 3.500.000 USD como valor de indemnização a pagar a Miti por parte da empresa chinesa.
O Tribunal disse não ter levado em consideração total o pedido de 5 milhões de dólares pela Miti, Lda, pois sendo verdade o acto ilícito praticado pela ré, os rendimentos da autora reduziram a imagem e o bom nome do seu representante legal, ficaram manchados, mas o pedido parece-nos superior, não se podendo imputar à ré, atento que nem sempre os rendimentos duma empresa são constantes, mesmo considerando os prejuízos económicos, lucros cessantes (…) o somatório não daria o valor da indemnização pedido”.
THIENHE MUDA DE NOME
O NOSSO jornal, entretanto, soube que a empresa prevaricadora mudou de nome, aparentemente para se furtar ao pagamento da multa estipulada pelo Tribunal. Agora chama-se SIMAS, Lda.
O recurso à mudança de nomes por parte de empresas, mormente de exploração madeireira, especificamente para contornar a legislação nacional, tem sido recorrente na província de Cabo Delgado.
Em Julho, soubemos que depois de a licença da Mofid ter sido cancelada pelas autoridades, aquela unidade tentou usar o nome de uma das suas subsidiárias para exportar os 20 contentores, mas que a operação foi abortada num trabalho conjunto da Agricultura, PRM e a Alfândega.
Recorde-se que, por outro lado, em Abril de 2007, a MOFID, através da sua empresa subsidiária, Chova-Chova Madeira, Lda, ganhou o concurso de venda em hasta pública da madeira que ela própria pretendia exportar ilegalmente, em Janeiro daquele ano, culminando com a apreensão decidida pelo então governador provincial Lázaro Mathe.
Isto significa que depois de o Estado ter apreendido a madeira, aquela firma “criou” uma empresa para concorrer na sua compra em hasta pública. Na abertura das propostas foi dito que o valor total que se ia reverter a favor do Estado seria de mais de pouco mais de três milhões e meio de meticais. Eram 843 toros de Jampire, 301 de Umbila, totalizando 1.144 o equivalente a 503, 49 metros cúbicos de madeira.
Na altura, o director provincial das Finanças em Cabo Delgado, Paulo Risco, dizia ao nosso jornal terem sido seguidos todos os trâmites legais, mas que o facto de a empresa vencedora ter sido a “Chova-Chova, Madeira Lda” deixava dúvidas, pois todos sabiam que, na verdade, a MOFID, a prevaricadora que em Janeiro quis exportar ilegalmente a mesma madeira.
O nosso jornal contactara os Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia, tendo o então chefe, Renato Timane, dito não ter registo de nenhuma empresa de exploração florestal com aquele nome (Chova-Chova, Madeira, Lda), pelo que sugeriu à nossa equipa de Reportagem a procurar saber do assunto noutras instituições.
No Balcão de Atendimento Único (BAU) tinham-nos dito, igualmente, não ter sido tramitado nenhum processo naqueles serviços de facilitação processual com o nome de “Chova-Chova, madeira, Lda”.
Entretanto, a Direcção Provincial do Comércio tinha licenciado a tal empresa, aparentemente desconhecida na área de exploração e comercialização madeireira. De acordo com o substituto do director provincial, o registo datava de 2003, todavia, com reticências sobre se o objecto da comercialização era a madeira.
Tratava-se do desfecho do caso que despoletou com a exportação abortada de 50 contentores de madeira, que depois de verificados se concluiu que iam sair ilegalmente do país 1.154 toros, 853 de Jambire e 301 de Umbila, que a lei só admite que seja em madeira serrada em dimensões previamente estabelecidas.
PEDRO NACUO
NOTÍCIAS – 26.09.2013