REDUZIR o défice em cereais como o arroz, milho e trigo no país tem sido um objectivo perseguido há vários anos no país.
No baixo Limpopo toma forma uma das estratégias de lidar com o problema no sentido de que a breve e longo prazos não só se produza para satisfazer a procura interna, mas também para exportação.
Durante muito tempo, quando se fala de regadios, se tem como referência o sistema implantado no Chókwè: o regadio Eduardo Mondlane. Entretanto, pelo que já está feito no baixo Limpopo, à volta da cidade de Xai-Xai, promete vir a ser a maior infra-estrutura do género reabilitada e posta a funcionar após a independência.
A maior parte deste trabalho está a ser executado nos últimos três anos sob a égide da Empresa Pública Regadio do Baixo Limpopo (RBL), que tem como visão aproveitar o potencial dos 70 mil hectares existentes nos distritos de Xai-Xai e Chibuto.
A nossa reportagem esteve recentemente em Xai-Xai e testemunhou como a partir de quase nada já se tem disponível pouco mais de 14 mil hectares de terra para a produção, cujos resultados são esperados já na campanha que se avizinha (2013/2014) com uma produção de cereais na ordem de 17 mil toneladas (arroz, milho e trigo).
Não fossem as cheias verificadas no início deste ano, numa altura em que já se tinha culturas em campo e se trabalhava na ampliação do sistema, neste momento estar-se-ia perante uma nova realidade tanto no sector familiar como no comercial.
Mesmo antes de termos os resultados na mesa, o que a nossa Reportagem testemunhou em Xai-Xai, mais concretamente na baixa de Chicumbane, é um ambicioso projecto que em si já pode ser cotado como das maiores intervenções em infra-estruturas de rega no período pós-independência.
A base para a realidade que hoje se vive foi lançada com a reabilitação da barragem de Massingir que desencadeou a recuperação de pouco mais de 2500 hectares na margem esquerda do Limpopo, onde se encontra a maior parte dos produtores do sector familiar (com extensões de terra de 0,5 a 2 hectares) e deu lugar também à ocupação de terra infra-estruturada, através de concurso, por parte do sector comercial emergente (ocupam até cinco hectares de terra).
A filosofia que estava subjacente à reabilitação da barragem de Massingir era de que de nada valia a intervenção se não houvesse a jusante uma capacidade para maior aproveitamento do potencial de rega que se geraria com a implementação de uma componente agrícola.
Esta intervenção custou pouco mais de 19 milhões de dólares num pacote desembolsado pelo Banco Africano de Desenvolvimento, que também financiou Massingir. Entretanto, os resultados em termos de produção esperada nesta componente agrícola ainda continuavam longe do desejado.
É neste contexto que intervêm a Empresa Pública Regadio do Baixo Limpopo (criada em 2010 pelo Conselho de Ministros), que mais do que potenciar o aproveitamento dos 2500 hectares reabilitados e com infra-estruturas de drenagem, começou a sonhar mais alto. Afinal de contas o potencial existente é de 70 mil hectares e é possível melhorar o actual sistema de exploração vigente no mercado, por limitado uso de tecnologias e baixa produtividade.
A estratégia para alcançar um nível de exploração dos 70 mil hectares consiste em potenciar a parceria público/privada/população (PPPP) que começa a dar resultados, uma vez que tem como enfoque a transferência de tecnologia para os produtores locais.
Para além da Empresa Pública Regadio do Baixo Limpopo, intervêm nesta parceria a população que durante vários anos, com os seus frágeis sistemas, explorou o baixo Limpopo e ainda a empresa chinesa Wambao e a Companhia Igo-Sammartini.
A ideia é potenciar toda a cadeia, no sentido de que a produção actual de cereais, situada na ordem de 2.5 toneladas por hectare, possa atingir, a partir da próxima campanha, as oito toneladas (sem recurso a adubos e fertilizantes) para que possa alimentar uma cadeia de valor que inclui processamento e colocação no mercado.
Está em vista, com base nesta parceria, a criação de uma comunidade empresarial partindo de uma base simples em que o camponês intervinha tendo como base matar a fome.
Uma das notas que marcou a nossa visita aos campos é o facto de que com a produção esperada vai deixar de ser preocupação afugentar os pássaros que infestam o arrozal porque o que comem não vai quebrar os resultados finais.
SUCESSIVAS CHEIAS MATARAM SONHOS
Uma série de nascentes, riachos, lagoas e rios alimentam a fertilidade das terras do baixo Limpopo que hoje estão a ser alvo de investimentos de vulto para que voltem a produzir. Dos rios alvo de aproveitamento podem se citar o Munhuane, Lumane, Angluzane e Chegue, todos afluentes do Limpopo.
Trata-se de uma planície que corre desde Chibuto e acompanham o curso do Limpopo até muito próximo da foz, em Zongoene. A recordação que existe do impacto das cheias sobre esta planície data do ano 2000. Entretanto, as mais recentes são deste ano (Janeiro de 2013). Ambas criaram danos incalculáveis nas infra-estruturas e nos sistemas de produção da zona.
Entretanto, o problema relacionado com as cheias nesta planície dura há vários anos. A ideia que a maioria das pessoas tinha quando se fizesse à estrada nacional para norte ou para sul é que estas terras seriam improdutivas (em razão das cheias ou da intrusão salina) e por isso entregues ao pasto do gado.
O facto é que o registo sobre o aproveitamento do Baixo Limpopo existe desde 1952 com o aproveitamento dos machongos ao longo das encostas por pequenos produtores familiares e do sector comercial junto às margens do Limpopo.
Entretanto, as cheias ocorridas em 1955/56 e 1965/66 provocaram vários danos nos sistemas então existentes. As reformas introduzidas após a independência levaram à constituição de cooperativas agrícolas, empresas estatais, que privilegiavam o desenvolvimento da sua ctividade em machongos, e o sector privado ocupava a restante área, sendo resultado disso a criação do Sistema de Regadio do Baixo Limpopo, que operava e mantinha a infra-estrutura e a Unidade de Produção do Baixo Limpopo (UPBL) que geria a empresa agrária de Xai-Xai, Magula, Chirrame/Soca, Chibuto e Macia e as empresas agro-pecuárias das Lizírias e Lumane.
Apesar das intervenções realizadas no sistema entre 1981 e 83 e posterioremente entre 1987 e 1989, as cheias e outros factores conjunturais fizeram com que as empresas fossem à falência. As cheias de 2000 chegam quando já não havia paraticamente actividade de vulto, senão de alguns privados que teimosamente persistiram.
ZONAS BAIXAS DÃO VIDA E ALIMENTAM ESPERANÇA
EM 2005, a nossa Reportagem esteve no baixo Limpopo, numa altura em que ainda decorria o processo de reabilitação do regadio após as cheias de 2000. A realidade que fomos encontrar era ainda desoladora. Extensas áreas ainda se apresentavam inundadas e mal podiam ser aproveitadas. Reinava um pouco por todo o lado o caniço e o lodo.
O que fomos encontrar desta vez é completamente diferente. Afinal o sistema de bombagem criado em Umbapi, em Ponela, está a dar resultados e permite que os camponeses possam produzir em qualquer época do ano.
A nossa Reportagem percorreu o regadio desde a zona de Nhocoene até à estação de Umbapi, em Ponela, e encontrámos camponeses envolvidos em várias actividades, desde o plantio à colheita.
Na área gerida pela estação de Umbapi estão integrados pouco mais de 2500 hectares afectos ao sector familiar e outros 360 entregues ao sector comercial emergente. Os camponeses confirmam à nossa Reportagem que o sistema funciona perfeitamente, o que permite produzir todo o ano.
Afinal, a intervenção feita pelo BAD na recuperação desta área não consistia necessariamente em criar um regadio, mas sim um sistema eficiente de drenagem das águas que permitisse o aproveitamento daquelas terras.
O Presidente do Conselho de Administração do regadio do Baixo Limpopo, Armando Ussivane, que fez questão de nos acompanhar no interior dos campos, explicou que aqui a rega é feita por filtração.
Um conjunto de pouco mais de 100 nascentes (algumas dão nome às casas agrárias existentes na região), nomeadamente Nhocoene, Inhamissa, Nhapondzoene, Chongoene, Nhocoene, Siaia, Poiombo e Nhacutse lançam as suas águas para a baixa e que depois são captadas para o sistema através de valas que irrigam uma área de machongos com potencial para 4500 hectares. Se esta água não fosse drenada seria um caos porque ficaria tudo inundado.
Para que a rega por infiltração seja eficiente, as parcelas estão divididas em pequenos talhões de 12/12 metros. Quando a água é interrompida na vala, ela permite manter húmida uma extensão de seis metros e complementam-se.
Devido à característica dos solos, nesta área não se usa tractor, mas sim multicultivadoras fornecidas pelas casas agrárias.
António Gaveta explora oito hectares de terra no sistema na região de Nhocoene, desde 1994. Este ano está a explorar apenas 4,5 hectares, tendo plantado culturas como batata-reno, milho, pipino e repolho, depois das cheias de Janeiro.
“Recebi crédito de 70 mil meticais do FDA e desde 2005 que estou a fazer batata e vou pagar. Sem dinheiro é difícil fazer agricultura”, indicou.
Gaveta confessou que se não fosse o sistema de drenagem até hoje seria difícil entrar ali para cultivar.
Crisanto Catangola, um antigo combatente, também está a recuperar o que foi destruído pelas cheias de Janeiro último. Mesmo assim, já está a colher milho, uma opção tomada após as cheias que destruíram 10 hectares de banana. Dos 15 hectares de que dispõe está neste momento com metade da área ocupada, parte da qual por feijão manteiga.
O trabalho feito no regadio permite produzir de forma continuada. Com efeito, António Mahumana, responsável pela Casa Agrária de Chongoene, na qual estão integrados 890 produtores, numa área de 465 hectares, disse à nossa Reportagem que depois da reabilitação do regadio tudo ficou facilitado, sendo possível produzir durante todo o ano.
“Estamos a produzir bem e no ano passado chegamos a atingir entre seis e sete toneladas de milho por hectare, enquanto que o arroz esteve nos três, que é melhor do que no ano passado”, disse.
O grande constrangimento, segundo a fonte, continua a ser o mercado. Aliás, esta queixa é quase generalizada entre os agricultores do sector familiar na baixa de Xai-Xai, que se queixam de concorrência da parte de produtos importados.
Vezes há, segundo a nossa fonte, que os revendedores bloqueiam a entrada de produtos frescos no mercado local.
“Aqui durante muito tempo produzia-se mais cereais, de tal jeito que na época fresca a baixa ficava quase inactiva. Neste momento notamos que há uma diversificação das culturas, o que permite lutar contra as adversidades do mercado”, disse a nossa fonte.
Ainda no perímetro reabilitado no âmbito do projecto Massingir, encontramos Miguel Ngoca, um agricultor emergente, a preparar a terra para a produção de arroz a partir do próximo mês de Outubro.
Ngoca é um dos 54 produtores que trabalham entre 1 e 15 hectares, afecto aos 360 hectares onde a rega é por gravidade, a partir das 40 caixas colocadas para o reaproveitamento das águas drenadas a partir das nascentes.
Para o efeito, a água é bombeada da drenagem para um tanque elevado que depois alimenta as 40 caixas distribuidoras.
Ngoca trabalhou no passado numa empresa agrária local que foi à falência devido a problemas conjunturais e preferiu continuar ligado à área como privado. Em 2008 terá ganho o concurso lançado pelo Governo para a ocupação de parte dos 360 hectares.
O trabalho nos primeiros anos foi difícil, segundo conta, mas agora está mais engajado.
“Antes cada um fazia o que achava, mas agora estamos a aprender novas técnicas, particularmente com os chineses que nos apoiam no melhoramento da produção e do tratamento dos solos. No princípio houve um pequeno problema de comunicação, mas como se trata de aspectos técnicos é fácil assimilar. Espero obter pelo menos seis toneladas por hectare na próxima campanha”, disse.
MAIS TERRA PARA A PRODUÇÃO AGRÍCOLA
DENTRO das suas atribuições, o Regadio do Baixo Limpopo E.P (RBL) vai intervir, ainda neste ano, na zona e Nhacutse, na recuperação de mais dois mil hectares na área do sector familiar onde as valas estão danificadas e carecem de concerto.
Para o efeito, segundo o PCA da RBL, Armando Ussivane, já foi aprovado com o Banco Africano de Desenvolvimento um programa de reabilitação e apurado o empreiteiro que vai realizar a obra até Junho do próximo ano.
A ideia é que os camponeses possam ter condições para produzir naquela zona durante todo o ano e não dependerem das condições climatéricas.
Neste momento estão estabelecidas na área do sector familiar pouco mais de 33 quilómetros de valas principais e de 200 de secundárias que permitem o pleno escoamento das águas provenientes das nascentes.
Com a intervenção prevista, segundo o nosso interlocutor, espera-se que perto de 4500 hectares (2500 reabilitados no âmbito do projecto Massingir) estejam aptos para serem usados sem limitações.
Atendendo ao potencial existente na zona para a produção de hortícolas, a partir do próximo ano estarão em funcionamento unidades de pré-processamento (lavagem, corte e embalagem) para acrescentar valor à produção.
A partir de 2015 será contratado um provedor de serviços que deve estabelecer contratos com os produtores, permitindo, deste modo, que os camponeses não se preocupem com o pós-colheita que tem sido o principal constrangimento até aqui.
NOTÍCIAS – 25.09.2013