Empresas com capitais públicos, ainda que de direito privado, pertencem ao Estado, porquanto são sustentadas pelo erário público.
Governo pode ser avalista de qualquer empréstimo desde que seja matéria económica de bem comum e de interesse nacional.
À luz da delegação de poderes ao Conselho de Ministros, o governo pode realizar despesa sem bater a porta ao Parlamento.
A Empresa Moçambicana de Atum - EMATUM - foi criada a 2 de Agosto deste ano e um mês depois encomendou a construção de 24 traineiras, três barcos-patrulha de 32 metros e outros três de 42 metros, avaliados em 300 milhões de euros.
Este dado sugere que a decisão de compra foi tomada antes da criação da empresa, tendo em conta o intervalo entre o registo da sociedade anónima e o anúncio da encomenda.
A existência da EMATUM foi tornada pública pelo Boletim da República de 5 de Setembro deste ano, na posse do “O País Económico”, quatro dias antes de se anunciar o negócio com a empresa francesa. Quer dizer, a empresa nasceu e logo tinha pela frente um volume de investimento de 300 milhões de euros cobertos pelo Estado.
O financiamento à operação consistiu numa emissão de dívida, avalizada pelo estado moçambicano junto a credores internacionais. Isto não seria possível sem que o Executivo avaliasse detalhadamente os riscos e as vantagens de assumir o empréstimo, caso o negócio falhe.
Avalista, de acordo com o dicionário online de português, é a pessoa que dá sua garantia em favor de terceiro, mediante assinatura em documento de crédito, ou pessoa que se responsabiliza por compromisso de outrem. Ora, ninguém dá cobertura a um empréstimo de 300 milhões de euros sem um estudo claro de viabilidade social e económica. E um estudo desta natureza é impossível de fazer no prazo de um mês.
Na qualidade de avalista, o património de 30 barcos reverte a favor do património público caso o negócio corra mal e o Estado seja forçado a pagar a dívida.
Legalidade do negócio
“O País Económico” cruzou informações com vários juristas, que entendem que embora haja espaço legal para o governo executar a operação, há muitas zonas escuras por esclarecer.
Benjamim Alfredo, docente universitário no ramo de direito comercial, explica que, à luz da figura do aval do Estado, o governo pode decidir avalizar um empréstimo que incida sobre o bem comum e interesse nacional.
Trata-se de um caminho aberto pelo direito administrativo, para permitir que o Executivo viabilize actividades públicas ou privadas que beneficiem a sociedade no geral, especialmente aquelas que têm a ver com a área social.
O negócio dos navios não é o primeiro em que o governo dá garantias. Em 2008, o Conselho de Ministros decidiu avalizar uma linha de financiamento do Millennium bim para aquisição de autocarros pela Federação Moçambicana dos Transportadores Rodoviários - FEMATRO.
O objectivo era aumentar o parque de transporte de passageiros nas cidades de Maputo e Matola para cobrir a crescente procura por aqueles serviços.
O aval do Estado é ainda accionado em situações em que o governo pretenda estimular sectores sem competitividade ou mesmo sem intervenção. Na quarta-feira passada, o ministro das Finanças, Manuel Chang, disse que as empresas de captura de atum cessaram as actividades e que era necessário garantir a sua continuação.
“Uma vez que há empresas que deixaram de praticar essa actividade, alguém tem de fazer. Não devemos deixar que esse bem seja apropriado por estrangeiros”, argumentou o homem forte das Finanças.
O financiamento com garantia do Estado é uma decisão do governo que pode beneficiar qualquer tipo de empresa, seja pública, sociedade anónima, entre outras.
O PAÍS – 27.09.2013