Marco do Correio, por Machado da Graça
Olá Artur
Como vai essa vida? Do meu lado tudo bem, felizmente.
Talvez te admires se eu te vir falar de uma coisa que, hoje, já quase se não usa: a palavra “camarada”.
Os menos jovens, como é o meu caso, recordam que, nos anos a seguir à Independência, em Moçambique, éramos todos camaradas. Desapareceram o “senhor” e a “senhora” e, democraticamente, todos nos tratávamos por camaradas. Toda a gente era designada por camarada.
E não posso deixar de sorrir ao pensar em frases como: “o camarada ladrão assaltou a minha casa” e outras, do mesmo tipo, como: o camarada patrão que oprimia o camarada trabalhador.
Talvez por causa desse uso abusivo, a designação foi sendo, de novo, substituída pelas anteriores “senhor” e “senhora”, e camarada ficou a ser, apenas, o militante do mesmo partido político. No nosso caso do partido Frelimo e, entre os estrangeiros, os militantes de partidos de esquerda, mais ou menos socialistas ou comunistas.
E é isso que perdura até hoje, pelo menos à superfície. E digo isto porque, num partido onde cabem, hoje, cidadãos de todas as classes sociais e credos políticos, é muito difícil continuar a dar à palavra camarada o sentido, antigo, de pessoa que compartilha connosco a mesma trincheira na luta por um futuro melhor.
Será que as aspirações de um camponês, debruçado sobre a sua enxada de cabo curto, são as mesmas de um banqueiro privado, apesar de terem no bolso cartões partidários iguais?
O honesto funcionário, que trabalha, com competência e esforço, para o bem do país, sente-se camarada do dirigente corrupto que rouba o dinheiro do Estado para o seu uso pessoal?
O patrão, que explora e oprime os seus trabalhadores, para aumentar os seus lucros, pode sentir-se camarada desses trabalhadores e esperar que eles também o considerem como tal?
Os dirigentes que expulsam os moradores, de uma determinada zona, para outra sem nenhumas condições de vida e de trabalho, são camaradas desses moradores?
Ou transformou-se tudo numa estranha máscara hipócrita, sem nenhum sentido por trás?
Samora, se fosse vivo, chamaria, hoje, camarada a Guebuza? Jorge Rebelo, se por aí encontrar Edson Macuácua, chamar-lhe-á camarada? Tenho as minhas dúvidas, nos dois casos...
E tudo isto porque os actuais partidos deixaram de defender os interesses de classes sociais específicas. O partido Frelimo, que foi criado para defender a aliança operário-camponesa, dentro dos princípios do socialismo, não tem hoje, nos seus órgãos dirigentes, praticamente nenhum operário e nenhum camponês. Mas tem muitos membros que pertencem às classes trabalhadoras votando sem saber bem porquê em nome de uma designação há muito esvaziada de sentido.
O padre Couto disse, há pouco tempo, que a Frelimo se deveria dividir em vários partidos.
Eu defendo, há vários anos, que a Frelimo e a Renamo deveriam ser extintas, ficando apenas como referências históricas, na medida em que já concretizaram os objectivos que levaram à sua constituição.
Deveriam era ser constituídos partidos, de acordo com os interesses actuais dos seus militantes, que tanto poderiam albergar antigos membros da Frelimo, da Renamo, de qualquer outro partido ou mesmo gente que nunca pertenceu a nenhum partido.
Creio que seria um gigantesco passo para a unidade nacional.
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ – 13.09.2013