Reflexões de: Adelino Buque
Nunca ouvi, li e ouvi Sérgio Vieira, Marcelino dos Santos, Óscar Monteiro e Jorge Rebelo denominarem-se “reservas morais da Frelimo”.
Alguém assim os intitula e nós passamos a vida a revisitar o seu passado. Não nos questionamos das reais intenções de quem assim os intitula. Isso é mau.)
Leio diferentes órgãos de comunicação social e redes sociais e noto com tristeza um autêntico "degladeamento” interpessoal e inter-geracional sobre culpas e responsabilidades de um passado recente. Inspirei-me para escrever esta reflexão num artigo assinado por Silvestre Nungo, intitulado “Os Revolucionários da Desgraça”, ilustrado com duas fotografias na capa e no interior dos senhores Marcelino dos Santos e Óscar Monteiro, publicado na última edição do semanário ExpressoMoz. Deixem-me manifestar a minha discordância: não existem "revolucionários da desgraça”.
A existirem, não se resumiriam e nem poderiam se resumir em apenas cinco a seis nomes. A lista deve ou deveria ser bem extensa, porque se uns eram autores morais outros eram executores. Considerando o contexto e o momento em referência, seriam todos aqueles que continuaram a luta armada de libertação nacional pós-Mondlane. “Com a morte de Mondlane, o grupo ganha protagonismo, materializando assim o seu projecto de assalto ao poder. Catalisa-se a partir de então, com maior intensidade, o clima de ódio, perseguições e ostracisões e silenciam-se vozes de compatriotas comprometidos com o movimento”, cito Nungo.
Participaram na gestão transitória do regime colonial até a passagem da economia centralizada para a do mercado, onde vigora a liberdade de expressão, de opinião e de associação política. Será isso que se pretende dizer?
Repare, caro leitor, esta reflexão não pretende de nenhuma forma negar a veracidade da publicação do senhor Silvestre Nungo. Pretende, sim, reflectir sobre a oportunidade desse tipo de abordagem pública.
Na verdade, e a continuar este tipo de debate, só se poderá materializar o pensamento do Prof. Dr. Filipe Couto, segundo o qual a emergência de partidos de oposição sérios depende do desmembramento da Frelimo, ou seja, a dissidência de parte dos membros do partido Frelimo para criarem outros partidos, por ser na Frelimo onde existe a essência do nacionalismo e de moçambicanidade, valores inexistentes nos actuais partidos da oposição, como a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique, partidos políticos com representação parlamentar, um assunto que poderei abordar em outras reflexões. Por exemplo, Sérgio Vieira é, até hoje, o único membro da luta de libertação nacional que no pódio da Assembleia da República assumiu a morte dos "contra revolucionários" no contexto de então. Não está aqui em causa se concordo ou não com isso. Contudo, será que outros fariam a mesma coisa para o bem da sociedade? Será que os executores seriam capazes de indicar o lugar onde deixaram os corpos! Sendo quase líquido que materialmente Sérgio não os executou!
Outro aspecto interessante é a totalidade dos elementos elencados no artigo de Silvestre Nungo. Como não poderia deixar de ser, são membros do partido Frelimo, nomeadamente, Marcelino dos Santos, Jorge Rebelo, Aquino de Bragança(falecido), Óscar Monteiro, Sérgio Vieira e outros, embora possam ser responsabilizados a título individual. Os actos por si praticados não deixam de vincular o Estado que serviam e em nome de quem agiam. Esse estado era dirigido pelo partido Frelimo, ou seja, querendo ou não, algumas abordagens acabam sendo um autêntico “tiro no pé" da organização que eventualmente pretendemos defender. Esta é, na minha opinião, ausência de estratégia de comunicação. Se calhar a melhor estratégia seria seguir aquilo que a dado passo escreve Nungo: “Não se preconizam fuzilamentos, nem perseguições, nem chantagens, como eles faziam, mas sim que tudo deve ser e será feito de acordo com o primado da Lei”. A ser assim, deixemos que as instituições de Justiça façam o seu trabalho.
Numa das recentes reflexões, a propósito de um editorial do semanário Canal de Moçambique sobre “pôr Armando Emílio Guebuza completamente no ridículo”, questionava se é o tipo de debate que precisamos para o país. O mesmo questionamento é válido relativamente ao artigo “Os Revolucionários da Desgraça”. Na verdade, estamos a desviar a nossa atenção e potencialidades daquilo que são os desafios de momento, que são, sem dúvida, combater a pobreza no nosso país. Estamos todos a servir uma agenda que não conhecemos, da qual não sairemos com proveito algum. Sérgio Vieira, Marcelino dos Santos e outros nunca se arvoraram "reservas morais da Frelimo”. Alguém assim os intitula e nós passamos o tempo a reviver o passado deles e não questionamos as reais intenções de quem assim age.
Esses compatriotas, arrisco-me a afirmar que pela idade, convicções políticas, entre outras, jamais deixaram de ser membros da Frelimo baseado no seu estatuto. Quem assim os intitula é quem pretende ver a Frelimo "partida" em três ou quatro, como dizia o Prof. Dr. Filipe Couto e, nós, ingenuamente, estamos a tudo fazer para "partirmos” o partido Frelimo.
Vamos reflectir, de forma silenciosa, se não é a esses desígnios que estamos a servir. Pense bem.
CORREIO DA MANHÃ – 30.09.2013