Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Frente a frente na Síria
Lavrov e Kerry podem fazer história…
Para quem tinha dúvidas sobre o fim real da hegemonia unipolar, os últimos acontecimentos na Síria, travão dos bombardeamentos americanos e regresso à diplomacia são mais do que elucidativos.
Numa jogada como que de mestre de xadrez o presidente russo depois de uma recusa persistente de aprovar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU veio com uma genial ideia para evitar o confronto militar generalizado numa região sensível do mundo.
Sua proposta que é basicamente colocar o arsenal químico sírio sob controlo internacional veio desanuviar o ambiente político naquela região.
Os defensores de um ataque demolidor viram-se obrigados a recuar nas suas pretensões. Os po vos de todo o mundo aplaudem.
Dar oportunidade a diplomacia ganhou fortes apoiantes e agora estudam-se os termos para a proposta se torne efectiva e vinculativa.
Não tenhamos dúvidas de que o caminho a percorrer ainda se apresenta cheio de dificuldades. Importa como disse John Kerry, secretário de estado americano que as medidas adoptadas no quadro da proposta russa sejam verificáveis e implementadas com celeridade.
Que se seguirá daqui para a frente? Continuação das batalhas com meios convencionais que também matam e mutilam?
Será que os EUA e a Rússia conseguirão trazer para o mundo o acordo inclusivo que impeça a continuação das hostilidades?
Não será um momento magistral para engajar outros actores da re gião, Irão, Egipto, Jordânia, Iraque, Arábia Saudita e abrirem-se as cartas sobre o que realmente cria conflitos continuados na região?
Paz sem segurança, sem confiança entre vizinhos jamais será sustentável.
Israel merece viver em paz com uma Palestina independente ao abrigo das resoluções da ONU quanto as fronteiras dos dois países.
O Irão deve deixar de apontar os dedos a Israel e este deve deixar de lado políticas de agressão supostamente com o objectivo de eliminar a indústria nuclear iraniana.
A responsabilidade dos membros do Conselho de Segurança da ONU é vinculativa no que se refere a proliferação de armas de destruição maciça.
A retórica proveniente de cer tos centros de pensamento americanos preconizando o uso da força para punir Bashar Al-Assad é típica de falcões habituados a alimentarem-se com o sangue de vítimas depois catalogadas de danos colaterais. Moscovo defende mais do que um cliente de sua indústria bélica. Defende realmente uma fronteira vital para a sua presença numa região estratégica do mundo.
Uma confrontação aberta na região colocaria o mundo numa situação de guerra mundial limitada mas com impactos concretos e profundos em todo o mundo.
O recuo do Reino Unido e as reticencias de Paris, a apatia alemã definem um novo momento no mundo quanto as prerrogativas das potências. China e Rússia deram o ar de sua graça e travaram uma administração que estava habituada a construir coligações e a mobilizar a NATO para ataques chamados preventivos.
Ninguém questiona a necessidade de se colocar fim a tiranias e a abusos contra os direitos humanos das pessoas em qualquer lugar do mundo.
Houve uma oportunidade de mostra que a ONU continua relevante e isso deve ser estendido a todas as regiões do mundo onde os conflitos continuam ceifando vidas humanas.
Uma coisa é a soberania inquestionável das nações e outra coisa é seus dirigentes ignorarem os direitos políticos e humanos dos cidadãos.
Sem um acordo geral de paz, consensual, apoiado pela participação de todos os intervenientes no Médio-Oriente continuaremos a ver sinais preocupantes de ataques a este ou a aquele país.
Acelerar a busca de uma paz definitiva na região vai requer uma alteração profunda da maneira como a Arábia Saudita e o Irão se olham. É obrigação das potências, EUA e Rússia pressionarem seus aliados na região. Israel deve contenção e respeito dos direitos políticos dos palestinos.
Irão e Arábia Saudita não podem transformar suas pretensões hegemónicas na região em fonte de desestabilização de vizinhos.
De um modo efectivo é preciso que a evolução política da região aconteça. As monarquias do Golfo carecem de desenvolvimento político que as leve a patamares similares aos de reinos como a Grã-Bretanha ou Holanda.
O petróleo vai continuar a desempenhar seu papel de factor estratégico mas isso não quer dizer que os EUA se mostrem alheios ao que acontece com os cidadãos nacionais de países seus aliados.
A democracia como sistema político não se exporta como café ou bananas. Mas como se tem visto através da cooperação internacional é possível influenciar parceiros.
Um mundo mais humano em que os governantes estejam sempre sob o escrutínio dos governados é cada vez mais possível e são os líderes de hoje que tem a ímpar oportunidade de tornar isso numa realidade.
Não pode haver receios nem hesitação de fazer regredir os efeitos da guerra fria e de desejos hegemonistas.
Se as justificações do passado não têm relevância nos dias de hoje isso não pode fazer esquecermo-nos dos malefícios dos atropelos à ordem internacional.
Quando um se coloca na posição de omnipotente e todo--poderoso e pretende ditar as regras mesmo em cenários que isso não é aceite pelos seus pares geram-se confusões, conflitos e eventualmente guerras.
Quando o PAPA actual se referiu a uma relação intrínseca entre os que querem uma guerra aberta na Síria e os fabricantes de armas ele não está longe da verdade.
O mundo tem uma oportunidade política de derrotar os falcões da guerra se for encontrado um acordo na questão Síria. Será um precedente importante de que a guerra não é a solução e que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tem valor e relevância.
Com realismo e seriedade é possível vencer as tiranias políticas herdadas como a do Bashar Al--Assad. Não se permita que haja uma derrapagem internacional que estenda a guerra para o Golfo Pérsico. As reticências de Israel em aceitar uma nova correlação de forcas e um establishment diferente podem ser vencidas e ultrapassadas com o envolvimento sério e vinculativo das potências internacionais e regionais.
Cultivar a confiança vai ser fundamental entre os parceiros que se julgam inimigos.
“Ninguém escolhe os seus vizinhos mas tem de aprender a coabitar com eles”…(Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 16.09.2013