DESDE que o incumbente estadista moçambicano, Armando
Guebuza, começou a fazer presidências abertas, que na essência são visitas de
trabalho com particular incidência às zonas rurais, onde vivem mais de 70 por
cento, maioritariamente num estado de penúria confrangedora para quem não tem
coração petrificado, surgiram logo várias correntes de opinião, umas a favor e
outras contra.
Os que contestam as presidências abertas alegam que são um desperdício do pouco dinheiro de que o país dispõe para resolver problemas mais importantes e prioritários.
Os seus críticos apontam como uma das principais razões que os leva a estarem contra o facto de ele usar helicópteros para se deslocar rapidamente com parte da sua comitiva às várias partes das 11 províncias existentes no país, algumas das quais são maiores que Portugal. Basta dizer que Moçambique é sete vezes maior que Portugal.
Nas vezes em que eu próprio cobri como jornalista estas presidências abertas, apurei que têm sido alugados um máximo de seis helicópteros com capacidade para transportar quatro a cinco pessoas.
Desde o início destas críticas tenho estado a tentar aferir a sua justeza, e conclui que, independentemente do custo destas visitas ao Tesouro, os seus resultados em termos de custo-benefício, a curto, médio e longo prazos são de longe muito mais benéficas que os montantes gastos, mesmo incluindo outras despesas tais como hospedagem e alimentação de toda a delegação.
Cheguei a esta conclusão porque, desde que Guebuza começou a ir às zonas rurais ver pessoalmente como vivem e sofrem os seus compatriotas e ouvir na primeira pessoa os males que os afligem, conseguiu acabar com parte considerável dos problemas que os apoquentavam e, como resultado, melhorar a sua qualidade de vida.
Em última análise, as presidências abertas podem ser assumidas como inspecções periódicas ao trabalho preconizado pelo seu Governo para as zonas rurais, incluindo a construção de escolas, hospitais, pontes, estradas e muitas outras infra-estruturas que estão a resgatar milhões de moçambicanos que há 10 anos não tinham onde tratar uma simples malária, dar à luz, ou matricular os seus filhos.
Graças a estas visitas, reduziu o número de empreiteiros desonestos que, em cumplicidade com alguns agentes corruptos do Estado, incluindo alguns governadores, administradores, directores e outros funcionários em posição de chefia, apoderavam-se dos fundos destinados à construção de escolas, hospitais e outras infra-estruturas, limitando-se a enviar relatórios triunfalistas a Maputo, anunciando a conclusão das obras quando nada havia no terreno.
Nos casos em que as obras eram concluídas, em muitos casos a sua qualidade deixava muito a desejar, porque parte significativa do financiamento era repartida entre os empreiteiros desonestos e os agentes corruptos do Estado que tinham a missão de garantir a sua execução.
Este tipo de situações de desvio de fundos, perpetrado por agentes corruptos do Estado, começou muito antes da ascensão de Guebuza ao poder.
Aliás, Felício Zacarias, quando era Governador de Manica e
mais tarde de Sofala, foi um dos pioneiros desta luta, que viria a continuá-la
a partir de Maputo como Ministro das Obras Públicas.
Por diversas vezes Zacarias recusou-se a receber obras que empreiteiros
desonestos e seus acólitos do Estado haviam dado como concluídas, tais como
escolas e hospitais porque a sua qualidade era tão má que mesmo que tivessem
sido doados ao Estado seriam um perigo, porque a qualquer momento podiam
desabar. Muitas delas estavam já cheias de rachas na altura em que deviam ser
inauguradas.
Na maioria dos casos era óbvio que o valor atribuído ao
empreiteiro não tinha sido aplicado na totalidade.
Por isso, Zacarias ganhou muita popularidade entre os seus compatriotas, porque
se recusava a receber tais obras.
Pessoalmente, vi algumas obras que eram uma verdadeira burla ao Estado, mas os seus autores ficaram impunes porque, na altura, não havia a quem responsabilizar ou penalizar, algo que já acontece.
Hoje, deixaram de existir muitos empreiteiros e “dirigentes estatais” que enveredam por este tipo de máfias condimentadas com relatórios triunfalistas, porque sabem de antemão que Guebuza virá um dia verificar pessoalmente as alegadas obras.
Em parte, graças às presidências abertas, que nos últimos anos têm sido replicadas por outros membros do Governo, incluindo ministros e governadores, têm também feito questão de fiscalizar pessoalmente os planos do Governo.
As presidências abertas tiveram o condão de instalar uma
nova cultura de trabalho, onde cada dirigente se sente impelido a cumprir
rigorosamente as suas tarefas. Aliás, sabem que se não cuidarem bem da sua
seara ou da sua zona de jurisdição, correm o risco de serem surpreendidos pelo
mais alto magistrado da Nação.
Mas antes havia mesmo muitas instituições do Estado que caíam de podre, mas que
regularmente requisitavam fundos fabulosos ao Ministério das Finanças, alegando
que eram para uma reabilitação de raiz.
Na verdade, não se fazia nenhuma reabilitação, e os dirigentes limitavam-se a elaborar os referidos relatórios para justificar o pagamento das obras, para depois repartirem o valor numa proporção de 70 por cento para si mesmos, sendo os remanescentes 30 para os empreiteiros.
CUSTOS INFERIORES AOS GANHOS
Para aferir o quão devem custar estas presidências abertas, consultei peritos sobre o custo do aluguer de um helicóptero, tendo apurado que o tipo dos que são usados nestas viagens, custam um máximo de 400 dólares por hora, o que corresponde a 1600 por dia porque geralmente voam um máximo de quatro horas por dia.
Assim dito, todas as hipóteses indicam que o máximo que se gasta num ano não deve ser mais que 15 milhões de meticais por ano (cerca de 500 mil dólares ao câmbio corrente). Ora, será que este é um valor que não se pode pagar para salvar as vidas dos 70 por cento dos moçambicanos que vivem nessas zonas rurais, e garantir a educação dos milhões dos seus filhos?
Quanto a mim, vale a pena pagar este montante, se tivermos
em conta que são estas presidências abertas que estão a evitar que se continue
a abocanhar centenas de milhões de meticais pelos corruptos.
O que mais iliba Guebuza destas acusações é que o custo de tais helicópteros é
de longe inferior ao custo de construção de certas infra-estruturas em que
antes nem eram construídas porque se desviavam os fundos para elas destinadas.
Como sabemos, há hospitais rurais que chegam a custar entre 100 e 500 milhões de meticais, o que é muito mais do que o que se gasta em toda a edição duma presidência aberta, mesmo quando se somam todos os outros gastos como a alimentação e a hospedagem, que, neste caso, muitas vezes se recorre às casas do próprio Estado que são cedidas pelos governos locais a título gratuito.
Graças a esta sua política, todos os 128 distritos rurais do país têm escolas e hospitais, algo que num passado recente contavam-se aos dedos.
Pessoalmente, acho que não há preço a pagar quando se trata de garantir hospitais e escolas para a maioria dos moçambicanos que não tinham onde ir tratar-se ou matricular os seus filhos, e muito menos dinheiro para irem às grandes urbes do país onde sempre existiram estas instituições sociais, e muito menos para pagar clínicas privadas que só existem também nas cidades, e de que os beneficiários são apenas as classes mais abastadas do país.
Se tomarmos o caso de um hospital, não vejo como é melhor que não se faça tudo, para que seja construído e com qualidade, só para se evitar que se gastem estes 500 mil dólares, e preferirmos a morte prematura de 70 por cento de moçambicanos que calhou terem nascido e vivido nas zonas rurais! Esta análise creio que deixa mais do que claro que as presidências abertas só trazem vantagens agora e para as próximas gerações que já não irão morrer por falta de hospitais como morreram milhões de moçambicanos durante todos os 500 anos em que Moçambique esteve sob colonização de Portugal. As presidências abertas estão de facto a libertar os homens das doenças e mesmo da pobreza, porque um povo educado é um povo que tem as ferramentas para o seu desenvolvimento. É graças à educação massiva que a China está agora em ascensão económica à velocidade da luz.
É curioso que mesmo a sua esposa que também tem estado a ajudar o seu marido nesta cruzada pela salvação dos camponeses é igualmente alvo de críticas, apesar de se limitar a andar de carro e pernoitar em choupanas. Não haverá aqui uma maldade disfarçada para esses camponeses do que propriamente para Guebuza e sua esposa?
Para mim, é preferível garantir a construção de um hospital, porque a vida humana não se compra, para além de que, depois da sua construção, se tiver sido bem-feita, perdurará por muitos anos, salvando vidas da presente e próximas gerações. Ou seja, o que se gasta agora será reembolsado pelas pessoas que já não morrerão e pelos que irão se formar e acelerar o desenvolvimento deste país.
Esta polémica em torno das presidências abertas faz-me lembrar uma outra em que o alvo era o então Presidente Chissano.
O antigo estadista foi acusado de gastar dinheiro em viagens para fora do país. Chegaram ao extremo de dizer que ele tinha um gabinete aéreo.
Dessa vez fiz também contas e cheguei à conclusão de que o que ele gastava era muito menos que o dinheiro que conseguia pelas doações que obtinha dos dirigentes dos países visitados.
Chegou a ter doações de mais de 300 milhões de dólares em três viagens num espaço de apenas três meses, mas o que havia gasto em todas elas era menos de 200 mil dólares! Isto prova que há entre nós pessoas que se limitam a criticar tudo, esquecendo-se de fazer contas para ver os benefícios.
Graças a esses fundos que Chissano conseguiu com uma humildade de se lhe tirar o chapéu, ele conseguiu tirar-nos do abismo em que o trio “apartheid”, Ian Smith e Renamo nos haviam atirado impiedosamente. Tudo isto leva-me a dar razão aos que dizem que boa parte das críticas que se fazem neste país tem um tempero e sal políticos.
No fundo, esses críticos visam confundir a mente do povo, como dizia o falecido poeta-mor moçambicano, José Craveirinha.
GUSTAVO MAVIE, da AIM
NOTÍCIAS – 18.09.2013