Por: Kwacha Kwayera (*)
Na senda do actual Diálogo Governo/Renamo, o Presidente da República, querendo, pode dar ordens tanto ao Governo, de que é Chefe, como à sua Bancada na Assembleia da República de que também é Chefe Supremo, para viabilizar a Revisão do Pacote Eleitoral nos termos reclamados pela Renamo. Falar da separação de poderes na actual crise e tensão política como impedimento para atender aos anseios do Povo Moçambicano, de que a Renamo é porta-voz, é um argumento falso e é falta de vontade política para viabilizar um Acordo Político que ponha fim à referida tensão política.
Tanto o actual Chefe do Governo como o seu Negociador Chefe no Diálogo entre o Governo e a Renamo, têm invocado amiúde o conceito de separação de poderes, previsto no artigo 134 da Constituição da República de Moçambique (CRM), para se furtarem à assinatura de um acordo político com a Renamo.
Esta postura do Governo vem vincada no seu Comunicado distribuído aos órgãos da Comunicação Social no dia 12 de Julho de 2013, onde nos seus Pontos 9 a 10, o Governo acusa a Renamo de pretender a adopção de um “Acordo Político” que (i) funcionaria como um compromisso que, em definitivo, obrigaria e sinalizaria a posição a ser tomada impreterivelmente pela Assembleia da República.
Acrescenta o Governo que (ii) a posição da Renamo é uma secundarização óbvia de um órgão fundamental do ordenamento jurídico do Estado moçambicano ao Governo.
É a negação dos fundamentos da separação de poderes que caracterizam o Estado democrático pelo qual diz ter lutado. É transferir, indevidamente, o debate político e legislativo da Assembleia da República para um fórum inapropriado e sem competências legais para o efeito.
Parece que o Governo tem memória curta, pois já se esqueceu das lições aprendidas em Roma, de 1989 a 1992, nas negociações que culminaram com a assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP), como mais abaixo veremos.
A actual Assembleia da República foi eleita pelo Povo Moçambicano e nela a Frelimo tem uma maioria Absoluta/Qualificada que suporta o Governo encabeçado pelo actual Presidente da República que, nos termos do artigo 146 da Constituição é também Chefe de Estado.
O actual Presidente da República é também Presidente do Partido Frelimo e Chefe Supremo da sua Bancada na Assembleia da República.
Consequentemente, na senda do actual Diálogo Governo/Renamo, o Presidente da República, querendo, pode dar ordens tanto ao Governo, de que é Chefe, como à sua Bancada na Assembleia da República de que também é Chefe Supremo, para viabilizar a Revisão do Pacote Eleitoral nos termos reclamados pela Renamo.
Falar da separação de poderes na actual crise e tensão política como impedimento para atender aos anseios do Povo Moçambicano, de que a Renamo é porta-voz, é um argumento falso e é falta de vontade política para viabilizar um Acordo Político que ponha fim à referida tensão política.
O que a Renamo pede não é nada do outro mundo, pratica-se em diversos países, não é inconstitucional e garantiria a realização de eleições livres, justas e transparentes, num clima de igualdade eleitoral.
A Constituição da República no nº 3 do artigo 135 não fixa nenhum critério em concreto, como por exemplo a representatividade parlamentar, paridade ou qualquer outro, limitando-se a remeter a regulamentação da composição da CNE para a lei ordinária.
Por outro lado convém recordar ao actual Presidente da República, que foi Negociador Chefe da Delegação do Governo nas Negociações de Roma que resultaram no AGP, que nos termos do PROTOCOLO I, Ponto 1, de 8 de Outubro de 1991, o Governo comprometeu-se a NÃO AGIR DE FORMA CONTRÁRIA AOS TERMOS DOS PROTOCOLOS QUE SE FORAM ESTABELECENDO, A NÃO ADOPTAR LEIS OU MEDIDAS E A NÃO APLICAR AS LEIS ENTÃO VIGENTES QUE EVENTULAMENTE CONTRARIASSEM OS MESMOS PROTOCOLOS.
É claro e inequívoco que o Protocolo I, assinado entre o Governo e a Renamo em 1991, PROIBIU A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA DE LEGISLAR CONTRA O DETERMINADO OU ACORDADO EM QUALQUER PROTOCOLO, PROIBIU A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA DE APROVAR LEIS OU MEDIDAS E A NÃO APLICAR LEIS ENTÃO VIGENTES QUE EVENTUALMENTE CONTRARIASSEM QUALQUER PROTOCOLO.
Na altura nenhuma voz se ergueu, do Governo, da Assembleia da República, do povo, de qualquer jurista ou de qualquer outra entidade nacional ou internacional, a dizer que se estava a secundarizar o Órgão de Soberania Assembleia da República, que o referido Protocolo era a negação dos fundamentos da separação de poderes que caracterizam o Estado Democrático, que era transferir, indevidamente, o debate político e legislativo da Assembleia da República para um fórum inapropriado e sem competências para esse efeito (as negociações de Roma).
O que é que mudou agora?
Será que a Constituição de 1990, publicada no Boletim da República nº 44, 1ª Série, de 2 de Novembro de 1990, valia menos que a actual CRM?
Para conhecimento público, dizer que a Frelimo e o seu Governo, depois do início das Conversações de Roma em 1989, tentou uma FUGA PARA A FRENTE, aprovando uma Constituição no ano seguinte, em 2 de Novembro de 1990, onde de forma atabalhoada e apressada, procurou acomodar as principais reivindicações da Renamo: multipartidarismo, livre circulação de pessoas e bens, eleições com falsa aparência de livres, economia de mercado, etc., alegando que, a partir dessa data, não haveria mais Conversações em Roma, notificando a Renamo de que nada mais tinha a fazer senão cruzar os braços e conformar-se com a situação.
Mas conhecendo a génese da Frelimo, a Renamo não se deixou enganar e continuou a exigir negociações sérias e credíveis, com mediadores internacionais, que acabaram por resultar no Acordo Geral de Paz em Outubro de 1992.
Em consequência da adopção do AGP, a Assembleia da República, pela Lei nº 13/92, de 14 de Outubro, aprovou o Acordo Geral de Paz, sem debatê-lo pois de outro modo invalidaria o mesmo, voltando-se à estaca zero.
Para que não restem dúvidas, é procedimento idêntico que a Renamo exige do Governo no seguimento do actual diálogo, no qual se pretende alcançar um ACORDO POLÍTICO, que seja adoptado pela Assembleia da República no seu todo, à semelhança do que aconteceu com o AGP.
É que a governação da Frelimo fez regredir o Pais ao que era no tempo do monopartidarismo, em que a Frelimo estava acima do Estado, Frelimo essa que, actualmente, discrimina tudo e todos desde que não sejam seus membros ou simpatizantes, usa a PRM, a FIR e os seus Grupos Dinamizadores, de tão triste memória, agora apelidadas de autoridades comunitárias, destrói e queima as bandeiras dos partidos da oposição, vandaliza e queima as suas sedes, usa a referida a FIR para inviabilizar as suas reuniões e ataca com armas de fogo as suas sedes, violando o artigo 51 da Constituição.
O Povo está farto e cansado da Frelimo e do seu Governo e já não tolera mais situações desta natureza.
Pretende-se, apenas, avivar a memória da Delegação do Governo no Diálogo com a Renamo de que a história repete-se.
O Povo não está distraído e não se deixará enganar.
Maputo, aos 26 de Agosto de 2013. (*) pseudónimo
Canal de Moçambique – 28.08.2013