ENTRELINHAS Por Gento Roque Chaleca Jr.
“A marginalidade, o barulho ensurdecedor, o desconcerto da arte, entre outras, passaram a ser características de muitos músicos, cujas canções estão mais sujas que pau de galinheiro. Fazem das televisões uma praia naturista, a nudez é tal que a cintura da roupa que vestem começa nos tornozelos. É a esses que vocês, meus sobrinhos, chamam de artistas?” Extracto de uma palestra com os meus sobrinhos.
Devido a imposição do tempo, a minha primeira reflexão sobre os “músicos” moçambicanos ficou a meio do texto. Mas porque o prometido é devido, cá estou para dar as últimas achegas, sem no entanto pretender esgotar o tema.
As reacções à primeira crónica tiveram várias interpretações. Alguns dizem que fui exagerado na análise do problema, como quem dissesse “Este Chaleca é ingrato, acusa os jovens de estarem a destruir a cultura musical, mas ele é o primeiro a estar na pista de dança quando sai um hit nosso”; outros, mais contidos, recomendam-me uma consulta ao neurologista e otorrinolaringologista, para, segundo eles, resolver o problema de memória e do ouvido.
No entender destes, na lista de artistas elencados, é imperdoável não ter mencionado músicos como Mingas, José Mucavele, José Guimarães, Joaquim Macuácua, Gonzana, Domingas & Belita, Eugénio Mucavele, Chico António, Avelino Mondlane, Alexandre Langa, Salimo Mohamed, Albertina Pascoal, Zaida Chongo, Jorge Mamade, Thazz, Helena Nhantumbo, Azagaia, Paulo Figueira, Mr. Nhúnguè, Gil Pinto, Pedro Ben, etc.
Quase sempre na arte de escrever, deve-se esperar receber ou uma coroa de flores ou um barril de bílis. Cá por mim, prefiro o diálogo, que a pretensão da razão deste espaço: “Entrelinhas”.
O primeiro ponto a abordar é sobre os músicos “piegas”. Nos últimos dias as televisões têm sido um autêntico muro de lamentações para alguns músicos, que apresentam ladainhas de dificuldades e posteriormente o grito de socorro para remendar os “problemas de consciência”, os quais resultam da falta de juízo que muitos artistas, que enquanto gozam de boa saúde física e possuem dinheiro, esquecem-se do futuro, refugiando-se na fama como se esta fosse permanente nas suas carreiras.
Investem o dinheiro dos espectáculos e da venda dos discos na bebedeira, na prostituição, em poligamia e/ou poliandria, no exibicionismo, sem deixar um vintém para fazer face às adversidades da vida.
Falo de músicos que, durante a “espuma da fama”, conheceram o mundo e receberam valores exorbitantes pelas suas actuações e composições musicais, mas que, infelizmente, por causa dos prazeres da carne, caíram na desgraça. Muito deles, depois de confirmado o diagnóstico da pobreza, pedem aposentação ao Estado, como se possuíssem um vínculo contratual com este, quando nunca sequer descontaram para o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
O segundo e último ponto tem a ver com o conflito geracional entre músicos. Sem nenhum benefício plausível, antes um conflito desnecessário entre os artistas de diferentes idades e contextos, muitos procuram segregar os músicos em castas: “velha guarda” e “nova geração”, como se a arte, a cultura e o conhecimento em geral tivessem veredas, na qual os que não fazem parte da contemporaneidade não podem passar pela área de acesso que é reservada só a “aderentes”, isto é, “a malta jovem”. Seguindo este raciocínio, Alberto Mutcheca não poderia actuar num cenário em que os jovens são os fazedores de novos “cardápios artísticos.”
O que existe, de facto, é a diversidade cultural. É evidente que, nesta diversidade, há uma linha que separa o bom do mau, independentemente da faixa etária ou do contexto histórico. No caso da indústria musical, não é preciso muita escavação, pois os resultados são superficiais: temos artistas e aventureiros, estes últimos, talvez porque a notável profissão de músico, na sua maioria, não é adquirida através da “queima da massa cinzenta” nas universidades e/ou escolas de música; nem provém do conhecimento empírico, apadrinhamento ou passagens de testemunho, pelo contrário, pululam no nosso país jovens e adultos que se armam em músicos e cantores inebriados pelo “falso” poder da fama.
Não raras vezes, neste Moçambique para Todos, as profissões ficam deslocadas. Indivíduos com vocações para carpinteiro, electricista, agricultor, alfaiate, chapeleiro, jornalista, mecânico, professor, polícia, militar, médicos, estão na música, ludibriados por um instinto aventureiro. É evidente que não vou aqui citar nomes, porque os visados sabem quem realmente são. O que mais me espanta nestes pseudo músicos não é a aventura, mas a continuidade com que apreendem a estragar e a destruir aquilo que se construiu com leveza de espírito.
Vale a pena terminar esta crónica com as sábias palavras do poeta cabo-verdiano Gabriel Mariano, que afirma o seguinte: “Cada pessoa nasce com um destino próprio, adaptável às suas possibilidades aos seus merecimentos e à sua sensibilidade. Isto é, o homem feliz é aquele que ocupa na vida o lugar que lhe é justo, perfeitamente ajustável ao seu temperamento, ou por outras palavras, o homem é um pé que vem ao mundo procurar o sapato que lhe sirva. Ora, o mundo, ainda imperfeito, não compreendeu que toda a função tem o seu funcionário: que os chapéus devem ser feitos pelo chapeleiro; que os fatos devem ser feitos pelo alfaiate e que o artista nasceu para se entregar, sem outras preocupações, inteiramente à sua arte.”
Dir-me-á, caro leitor, se o poeta tinha ou não razão.
Ndatenda (obrigado)
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P.S.: Há sirenes a mais na cidade de Maputo. Em todos os lugares, a qualquer hora, ouvem-se sirenes. Em carros do Estado, com ou sem dirigentes no seu interior, ouvem-se sirenes a tocar. Em ambulâncias, com ou sem doente, e às vezes sem nenhuma emergência, lá estão, mais uma vez, as sirenes. Nos carros da polícia, dos bancos, das alfândegas, dos bombeiros, etc., sem nenhuma necessidade, são accionadas as sirenes. Afinal para que serve a serene? Sendo ela um dispositivo sonoro, quem e quando deve-se realmente, usá-la?
O AUTARCA – 17.09.2013