Calma aparente em Santhundjira. Marínguè tomada pelos homens da Renamo que se encontravam ‘acantonados’ desde os tempos da guerra civil na base central, a escassos quilómetros da vila. Medo real um pouco por todo o país, incluíndo nas grandes cidades de cimento.
A tropa confirma ter atacado onde Afonso Dhlakama se encontrava, em Santhundjira, mas diz que o objectivo era perseguir até a toca os homens que haviam provocado uma posição sua, das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM).
Confirma ainda não saber o paradeiro de Afonso Dhlakama, por ter fugido em debandada com os seus elementos, quando se deu a invasão.
A comunidade internacional “lamenta” e “condena” a violência, sem apontar o dedo acusador a nenhum dos lados da contenda.
A representação, em Moçambique, das Nações Unidas acaba por ser a voz de uma comunidade internacional que se diz preocupada com a crise político-militar, ao frisar que tanto o governo, quanto a Renamo, dividem, entre sí, as culpas e as razões de uma disputa negocial, que acabou virando batalha campal.
E a voz suspeita da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) manda dizer que pode intervir na questão, mas avisa que não militarmente, mas sim em moldes políticos.
No país real, embora o Ministério da Defesa Nacional garanta haver estabilidade nas zonas por sí ocupadas, em Santhundjira, o certo é que o medo está a invadir as populações daquela área.
Mas de outras regiões de Moçambique, como Nampula, por exemplo, surgem indicações de “medo acentuado” influenciado pelos últimos acontecimentos de Santhundjira.
Consequências práticas
Desde logo, a Renamo avisou que, com o ataque da tropa à residência de Afonso Dhlakama, o acordo de paz rubricado em 92, fica rompido. Torna-se sem validade para as hostes renamistas.
Isto significa que a Renamo não está mais obrigada a respeitar o entendimento de Roma, que levou cerca de três anos a construir, com “ene” reuniões políticas e técnicas, umas atrás de outras, até que em Outubro de 92, Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama decidiram assinar o documento.
Dhlakama, lembre-se, levou tempo para abandonar as matas de Gorongosa para Itália. Agora, o homem está em parte incerta, mas nas matas, acredita-se, logo, adivinha-se que de lá não será nada fácil convencer o homem a ir para onde fôr convidado a negociar.
Resta saber, em primeiro plano, se Dhlakama irá aceitar que os seus homens retornem à mesa das negociações.
Pior de tudo, é que o silêncio que até ao momento caracteriza Afonso Dhlakama, desde que abandonou Santhundjira, pode significar muita coisa. E só ele sabe o que lhe vai na alma, podendo partilhar com os seus elementos de confiança sobre o passo seguinte.
O efeito surpresa que a Renamo, desde os tempos de guerrilha, caracterizou a organização, pode vir a ser fatal para o governo e para a esmagadora maioria dos moçambicanos, embora Dhlakama tenha dado a entender, já, ser humanista.
Perito em guerra de guerrilha, com uma enorme capacidade de mobilização de homens para o confronto, assente numa estratégia apreendida nos tempos do ‘Apartheid’, esta casa acredita que o cenário da segunda-feira tenha sido propositado. Já vamos explicar nas linhas que se seguem.
Estratégia militar
O Ministério da Defesa Nacional garante que as FADM foram provocadas por elementos da Renamo, que depois fugiram para onde se encontrava Afonso Dhlakama. A tropa perseguiu os homens armados e, na cirscunstância, tomaram de assalto a residência de Dhlakama que fugiu em debandada.
A acreditar nesta versão, coloca-se a possibilidade de os homens da Renamo terem agido com o propósito de as FADM actuarem da maneira como o fizeram, com o objectivo de provocar a agitação em curso. Mais do que isso, a Renamo pretendia, com esta eventual estratégia, chamar a razão para sí, por ter sido atacada a residência do seu líder, para depois aparecer na opinião pública a apontar o dedo acusador ao governo, de pretender assassinar Dhlakama “a sangue frio”, segundo Fernando Mazanga, porta-voz da Renamo.
Esta linha de pensamento ganha consistência quando se tem presente que a Renamo ensaiou inúmeras hesitações em mandar os seus peritos militares a capital, para discutir com o governo a desmilitarização das suas hostes.
E foi precisamente por essas alturas que a tensão militar intensificou, até aos nossos dias.
Uma segunda versão – em forma de possibilidades – são as inverdades que possam estar por detrás dos argumentos avançados ontem pelo Ministério da Defesa Nacional, segundo os quais, a tropa limitou-se a reagir a uma provocação da Renamo.
Tomando isto como mentira, coloca-se, então, a hipótese de a tropa ter actuado com base numa estratégia de invadir a residência de Dhlakama, como diz Mazanga, sob pretexto de ir atrás dos provocadores.
E desse modo, as FADM cumpriam os ditames que teriam sido avançados pelos políticos. Se a Renamo não desmilitariza por bem, então vai ter que ser forçada a desmilitarizar-se, para isso, o recurso à invasão militar.
Efeitos nefastos
Em qualquer dos casos, as consequências dos acontecimentos de anteontem, são sempre nefastas.
Todos sabem que a Renamo tem homens armados espalhados um pouco por todo o país. Homens que só estão a espera que lhes seja dada ordem de comando para avançarem para a guerra, pois alguns deles se acham enganados com o acordo de Roma.
O próprio Afonso Dhlakama – Deus nos livre se estivermos enganados – deve estar arrependido com a oportunidade que teve antes de Roma, de fazer exigências que na altura não fez. Por isso é que tem andado para trás e para a frente nas suas decisões.
Esta casa tem conhecimento de que a Renamo prometera aos seus homens, que lutassem com galhardia pela conquista, pois teriam benefícios práticos após a conquista do objectivo. Com o acordo de Roma, não tiveram o prometido.
Aparentemente, Dhlakama teria sido pressionado por aqueles homens, mas já não muito a fazer. Mercê da sua capacidade de dirigente, Dhlakama acabaria por convencer os seus elementos, alguns deles ávidos em retornar à guerra contra a vontade do próprio líder, a quem foi sempre acusado de “comer” na mesma mesa com o poder frelimista.
Vale recordar que a Renamo conseguiu levar a guerra em todo o território nacional.
Por isso é que, hoje, a chamada “ala dura” da organização por vezes não finge a saudade daqueles tempos de guerra, que Roma veio estragar a tomada do poder com o recurso às armas.
“Estou preocupada com a situação, porque a Renamo é capaz de não querer voltar a negociar, optando pela guerra, e aí todos vamos sofrer, enquanto certos senhores estarão protegidos”, afirma Alice Macandza, entrevistada ao acaso sobre a actual crise político-militar.
Como esta cidadã, outros tantos manifestam preocupação, conscientes de que não será fácil levar Dhlakama a retornar à cidade.
Base de Marínguè
A Renamo controla, desde ontem, a vila-sede de Marínguè. A escassos quilómetros, situa-se a antiga base central da Renamo, que continua activa, mesmo com o acordo de Roma de 92.
Esta base fica situada entre duas montanhas, onde passa um rio que abastece uma população guerrilheira lá estacionada. São autênticas famílias que residem na base, que se vão reproduzindo e fazem a sua vida normal, com recurso à produção agrícola.
Dizem-nos que os homens controlam invejável material bélico, não entregue à ONUMOZ durante o processo de pacif icação, incluíndo um moderno sistema de comunicação.
Apesar de, certa altura, os homens terem dado mostras de estarem zangados com Dhlakama, eles são fiéis ao líder guerrilheiro, ao extremo de a secreta militar ter fracassado, por diversas vezes, penetrar no grupo para dele sacar informação classificada, designadamente sobre o efectivo lá existente e a quantidade e tipo de equipamento bélico existente.
A estratégia militar do governo não funcionou.
Ontem, os homens saíram à rua para reagir aos acontecimentos de Santhun djira. Tentaram assaltar o posto policial e acabaram tomando a vila-sede de Marínguè.
A base de Marínguè não é de fácil acesso por quem está para atacar. E não se sabe a razão de Afonso Dhlakama ter preferido Santhundjira em detrimento de Marínguè.
Atravez do sistema de comunicação que a Renamo ainda detém, crê-se que Dhlakama esteja em constante comunicação com os seus elementos espalhados por todo o país. O que resta é aguardar pelos próximos desenvolvimentos. sr
EXPRESSO – 23.10.2013