1. Não existem condições para o desencadear de uma nova guerra civil em Moçambique. As circunstâncias hoje são muito diferentes das que existiam nos anos oitenta. Então, em termos regionais, a África do Sul, que conferia apoio logístico, e o Malawi constituíam bases de apoio regional à Renamo; em termos internacionais vivíamos o conflito Leste – Oeste, o que conferia alguma aceitação externa àquele movimento; em termos internos, particularmente nas zonas centro e norte, a Renamo beneficiava da hostilidade de parte da população às medidas governamentais de aldeamento forçado de camponeses.
Hoje, em termos regionais, todos os países fronteiriços apoiam a Frelimo; em termos internacionais, o apoio político e económico ao governo é evidente, os grandes investimentos em execução e em preparação são hostis ao reacender de conflitos armados; em termos internos, a Renamo vê hoje diminuída a sua expressão nacional, muito por culpa da estratégia de acantonamento do seu líder que primeiro mudou a sede para Nampula e desde há um ano para a Gorongoza. Talvez mais importante que a perda de expressão nacional da Renamo seja o facto de a população moçambicana em geral não estar disposta a suportar as consequências de mais um conflito armado, tendo ainda bem presente o sofrimento causado pela violenta guerra civil nos anos oitenta – neste sentido se compreendem os apelos públicos generalizados para um entendimento pacífico.
2. Pode no entanto acontecer um conflito armado localizado na Gorongoza e regiões limítrofes, com consequências graves para a economia e para o ambiente político e de negócios. Na verdade, particularmente desde Outubro do ano passado, a Renamo tem vindo a recrutar e a treinar na Gorongoza novos membros para a designada guarda presidencial do seu Presidente e disso não fez segredo. Os ataques protagonizados por homens da Renamo desde Abril do presente ano, quer na estrada nacional de ligação norte–sul, quer a unidades policiais e a um paiol mostraram capacidade militar para tal, embora a facilidade com que uma unidade das forças armadas moçambicanas desalojou o líder e a sua guarda da base do movimento ainda esta semana também demonstrem a fragilidade militar da Renamo para desencadear operações de envergadura. Tal não obsta à possibilidade de ocorrerem ataques na estrada nacional e na linha de caminho-de-ferro de Sena que transporta o carvão de Moatize para o porto da Beira, uma vez que se encontram ao alcance das forças da Renamo.
3. Que motivações e circunstâncias desencadearam a presente situação? Sem dúvida que poderemos encontrar responsabilidades em ambos os lados, mas convém, não só por questões de rigor analítico mas principalmente para clarificar um quadro de possível resolução rápida do conflito, separar razões circunstanciais de motivações de fundo. Do lado da Renamo o problema principal estará nas expectativas frustradas de
Dlhakama e dos seus lugares tenentes que contavam ter um quinhão dos eufemisticamente designados “benefícios” decorrentes da paz e do atual clima de crescimento económico, acusando a Frelimo de não ter facilitado ou promovido o acesso a postos no aparelho de Estado e diplomático, a lugares de administração nas empresas ou a posições de intermediação em negócios. Do lado da Frelimo a preocupação principal reside na desmilitarização da Renamo, de forma a dissipar o elemento que mais faz perigar o normal desenvolvimento da economia e dos negócios correlacionados com os investimentos.
As conversações/negociações que têm decorrido cujo ponto mais mediático é a composição da Comissão Nacional de Eleições, se bem que expressem a desconfiança que a Renamo mantém na capacidade que a Frelimo tem de manipular aquele órgão para fins eleitorais, estão em segundo plano face à agenda da sempre adiada reunião entre os dois líderes: a (des)militarização da Renamo em troca da atribuição aos seus dirigentes dos já referidos “benefícios”.
4. Que evolução é esperável? Ao ponto a que a situação chegou, de quase confrontação aberta, existem três hipóteses principais de evolução do conflito. Uma primeira hipótese, porventura a mais penalizadora para Moçambique e para a população moçambicana, é o arrastamento no tempo da atual situação, com paradas e respostas militares localizadas, com desestabilização nas vias de comunicação e correlativos efeitos sobre as exportações e investimentos e com efeitos sobre a vida política. Uma segunda hipótese é o acelerar do conflito armado e uma hipotética vitória militar do governo com a captura ou liquidação de Dlhakama e da cúpula da Renamo, mesmo que tal não garanta o fim imediato de ações militares feitas por unidades dispersas. Uma terceira hipótese será a retoma séria das conversações, com ou sem auxílio externo, que terá que terminar com reuniões de cúpula e um acordo formal.
5. Apesar da última hipótese ser a que recolhe mais apoio da população moçambicana, dos atores externos presentes em Moçambique e da generalidade da comunidade internacional, tal não lhe confere maior grau de probabilidade que as outras duas. Na verdade, o cenário da pretensão em liquidar o seu líder tem sido apresentado pela Renamo como aquele pretendido pela Frelimo apesar de, contra esta hipótese, estar o facto de o Presidente Guebuza, que é um político e estadista experimentado, não querer figurar como corresponsável pelo reinício de qualquer conflito armado em Moçambique – é bom lembrar que a paz negociada em Roma de 1989 a 1992 teve Guebuza como protagonista da parte da Frelimo.
Nesta lógica, apesar de o cenário de uma solução à angolana, com a morte do líder rebelde parecer menos interessante do que o cenário de uma solução negociada, caso se agravem os confrontos militares no curto prazo, nada garante que o resultado não possa ser este
6. A hipótese de uma solução negociada é a que menos sofrimento causa nas pessoas e na economia e a que permite o regresso da Renamo a uma via política. Existe e isso tem sido óbvio, um reforço de posições sectárias no interior da Frelimo e uma concentração excessiva de poder na cúpula, com efeitos visíveis no afastamento daqueles que protagonizam alternativas ou que sejam críticos do poder – incluindo nos órgãos de informação – e com um acelerar de situações de promiscuidade entre negócios privados e públicos. Uma eventual vitória militar da Frelimo e o desaparecimento da Renamo reforçará claramente essa tendência, enfraquecendo as posições que lutam por maior transparência e democracia.
Lisboa, 22 de Outubro
Fernando Jorge Cardoso, investigador do IMVF
MEDIAFAX – 25.10.2013