Aos 19 anos, o jovem moçambicano Ismael (nome fictício), um
dos manifestantes de hoje "contra o silêncio do Governo", vive com
medo porque a onda de raptos que atinge Maputo não traz sossego nem mesmo
dentro de sua casa.
Durante a marcha que hoje paralisou o centro da capital moçambicana, Ismael,
que recusou revelar a identidade, contou à Lusa os momentos de medo e
desassossego por que a sua família e a dos amigos têm passado nos últimos
tempos.
"Estou a estudar, mas agora não posso sair à vontade de casa por causa dos
raptos, tenho que ficar em casa. Não tenho sossego nem na minha própria casa,
não posso viver à vontade. Fico com medo", afirma o jovem estudante.
"Tenho amigos que até hoje recebem ameaças de um dito cidadão estrangeiro,
um dos mandantes. Eles querem dinheiro. Disseram (aos familiares do amigo) que
têm que pagar para poder circular", diz Ismael, um dos milhares de manifestantes.
Ismael, um muçulmano, faz parte do grupo de moçambicanos que mais têm sido
vítimas dos raptos que afetam, sobretudo, a capital moçambicana.
"É país da paz com crimes tão em cima assim? Queremos desenvolvimento ou retardação?", questiona Ismael, em tom revoltado.
A "Marcha pela paz e contra os raptos" foi organizada pela Liga dos Direitos Humanos, em conjunto com outras organizações da sociedade civil e confissões religiosas, numa reação à onda de raptos e ao clima de instabilidade político-militar que Moçambique atravessa.
Perante a falta de resposta das autoridades moçambicanas, Ismael recomenda: "É só rezar. Não tem nada. Os raptos não escolhem ninguém. Só vamos rezar para Deus nos proteger".
Em declarações à Lusa, a diretora da Justiça Ambiental, Anabela Lemos, considerou "incompreensível" o que está a acontecer em Moçambique e considera que este fenómeno "não é justificação" para a população moçambicana "viver com medo e receio".
"Acho que o que está a acontecer é muito grave, tanto na questão dos ataques e tudo que se está a passar, que ninguém consegue compreender bem o que é. Não vou falar porque não sei, não estou envolvida. Mas vendo de fora, está tudo errado", disse Anabela Lemos, que também participou na marcha.
Os milhares que hoje participaram na manifestação pacífica em Maputo, em protesto contra a onda de raptos e o espetro da guerra que ameaça Moçambique, acusaram o Governo de estar "mudo" e a polícia de "corrupção".
"A questão dos raptos já vem de há muitos anos e não é justificação nenhuma para estarmos a viver com medo, com receio, ameaças e ainda por cima a nossa paz que era a única coisa que nós podíamos dizer que temos e nem agora temos", acrescentou Anabela Lemos.
A sociedade civil responsabilizou o chefe de Estado moçambicano, Armando Guebuza, e o líder da Resistência Nacional Moçambicana, Afonso Dhlakama, pelo espetro de guerra que o país vive.
Falando à Lusa, o membro do Conselho de Estado indicado pela Renamo, António Muchanga, disse: "Do lado que nos toca, estamos atentos. Temos vistas e ouvidos para perceber o que a sociedade exige e vamos tentar cumprir".
Na quarta-feira, o Presidente moçambicano considerou necessário aprimorar a lei para desencorajar os raptores.
Hoje, o advogado moçambicano Hélder Matlaba considerou que "a solução passa por ai", até porque desta forma "os tribunais serão implacáveis e intolerantes para aqueles que praticarem este tipo de crime, por um lado, e, a partir daí, vai retrair todo aquele que quiser enveredar por este tipo de crime".
LUSA – 31.10.2013