Na tarde de 11 de Novembro, no Estádio da Machava, um grandioso comício manifestou a nossa solidariedade com Angola e nasceu o Dia da Solidariedade, a contribuição voluntária mensal de um dia de salário de cada um, para apoio às causas da solidariedade externa e interna. A primeira jornada do Dia da Solidariedade, do Rovuma ao Maputo rendeu na época o equivalente a um milhão de dólares, que o Presidente Samora me encarregou de entregar, em dinheiro, ao Presidente Neto, em Luanda.
Xavier Amaral, o primeiro Presidente da FRETILIN e de Timor-Leste assistiu ao encontro, cairia em combate algum tempo depois.
Durante a longa travessia do deserto de Timor-Leste, os cinco países, com destaque especial para Moçambique e Angola, apoiaram invariavelmente a FRETILIN e o seu governo, fornecendo apoios financeiros, diplomáticos, incluindo passaportes diplomáticos, batendo-se no seio das Nações Unidas e da OUA pela causa timorense.
Isto, mesmo quando Portugal pretendia confinar a causa timorense a uma violação dos direitos humanos! Apenas e, depois do Massacre de Santa Cruz, as nossas vozes cessaram de estar isoladas no clamar no deserto.
A CONCP, com as nossas independências deu nascimento aos PALOP, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Timor-Leste sempre participou nas nossas cimeiras, de modo geral representado pelo então Ministro maubere dos Negócios Estrangeiros, Ramos Horta, e, algumas vezes por Mari Alkatiri.
A organização muito contribuiu para o apaziguamento do conflito entre Bissau e Praia, na sequência do Golpe de Estado de 1980, que depôs o Presidente Luís Cabral, assim como apoiou, com destaque para o papel angolano, a resolução de vários conflitos surgidos em São Tomé e Príncipe.
A luta armada de libertação dos povos de Angola, Guiné (B) e Moçambique, a nossa coesão na frente externa, facilitaram a independência de Cabo-Verde e de São Tomé, sem se haver passado pela via da luta armada.
Ela afirmou-se importante para que a língua portuguesa se tornasse língua oficial na OUA e depois nas Nações Unidas. Nas Nações Unidas, a acção conjunta de Moçambique, de Angola e do Brasil mostrou-se decisiva, uma vez que Portugal, que vivia de crise em crise, pouco fez nesse sentido. Há que dizer que Samora e Neto sempre falaram em português na OUA e nas Nações Unidas. Angola, Cabo Verde, Guiné (B), Moçambique e São Tomé já haviam levado a OUA a fazer do português língua oficial.
Os posicionamentos políticos e ideológicos similares da FRELIMO, do MPLA e do PAIGC surgiam como excepções na trajectória geral do nacionalismo no continente.
Este carácter excepcional virá a tornar-se, em simultâneo, uma força e uma vulnerabilidade para estes três partidos. Os nossos movimentos de libertação fundaram-se com conceitos então novos sobre a nacionalidade, definições do inimigo que não comportavam a cor da pele, a etnicidade, a confissão religiosa. As nossas guerras de libertação criaram zonas libertadas em que se erigiam os embriões dos Estados modernos.
Por razões evidentes o MPLA e Angola estavam, fisicamente, mais próximos de nós. Numa fase inicial da sua luta armada, o MPLA enfrentou crises, mais ou menos graves, que o enfraqueceu. As crises ocorriam, sobretudo, entre a intelectualidade do MPLA, afectando, com algum impacto, as bases sociais do movimento.
Moçambique e Angola mostraram-se essenciais nos combates pela libertação do Zimbabué, Namíbia e África do Sul.
Moçambique participou na defesa de Angola, no rechaçar da invasão de Amin contra a Tanzânia, na libertação do Zimbabué. Nestes combates encontravam-se nossos combatentes voluntários.
A minha geração e a presente, de Moçambique e Angola, contraíram a dívida imensa da aprendizagem do não racismo, da unidade nacional, do internacionalismo, da vontade de servir o povo e de humanismo, junto de Eduardo Mondlane, de Samora Machel, de Agostinho Neto e de Amílcar Cabral.
Deles herdámos a visão de uma pátria livre da tacanhez e miopia dos complexos étnicos, religiosos, de castas e famílias e similares.
Igualmente com eles nós aprendemos a diferença substantiva entre servir-se o povo através de uma política elaborada pelo conjunto e testada na prática e, servir-se do povo através da política e politiquices.
Entre os homens e mulheres dessa geração forjaram-se laços de camaradagem, respeito e, porque não dizer, de amor, que importa valorizar-se, para que as novas gerações, para além das boas relações estatais, saibam também reencontrar a afectividade e a fraternidade que se forjou entre os mais velhos.
Creio que importaria um maior e mais intenso intercâmbio entre as nossas organizações estudantis, juvenis, de crianças, de mulheres, entre a intelectualidade, pois ama-se o que se conhece e defende-se o que se ama. O que ontem fez nossa força hoje também vale.
Um abraço para que perdurem internacionalismo e a amizade,
Sérgio Vieira
P.S. O TPI, do conhecimento de todos, até hoje só mandou prender, apenas julgou e condenou sérvios e africanos. De memória das gentes jamais o TPI solicitou prisões, julgamentos e condenações para os que cometeram massacres nas guerras coloniais e nas agressões racistas. Bons criminosos e maus criminosos?
Não admira que a União Africana deseje rever a adesão ao TPI. Recentemente, em Kampala e noutros locais o Presidente Guebuza fez eco desta posição.
Por uma Justiça não manipulada pelo Primeiro-Mundo e sem racismos, o meu abraço,
SV
R. P.S. Há alguma insistência em denegrir a nossa História.
Quer-se fazer de Samora Machel um títere manipulado por um punhado de mestiços e goeses. Viram-se armas para caluniar e achincalhar militantes da primeira hora com alguma ou muita ascendência mestiça e goesa.
Este denegrir Samora e tentar instrumentalizar o racismo serve a quem? Alguém torna-se grande e viril ao diminuir e castrar outros?
Por favor honestidade e não se acobardar sob pseudónimos mais ou menos forjados.
Um abraço a pessoas honradas, que dão a cara e patriotas,
SV
JORNAL DOMINGO – 27.10.2013