Por Gento Roque Chaleca Jr.
“Quanto mais te curvas, fácil fica de te subirem às costas.” Frase atribuída a Joaquim Marcos Manjate, militar e docente universitário.
Até os Maziones, no “Rio Jordão moçambicano”, lá para as bandas da Costa do Sol, consultei se deveria escrever uma crónica sobre o programa “Moçambique em Concerto”, apresentado pelo carismático Gabriel Júnior, tendo um deles respondido, ironicamente, o seguinte: “escreva, mas saiba que para cutucar a onça é preciso ter a vara comprida.”
Gabriel Júnior, que até já foi pastor de uma famosa seita religiosa, compreenderá que a minha intenção não é de maldizer no sentido de encetar uma cruzada contra o seu programa, mas sim travar as batalhas do prestígio, para que, tanto o apresentador, cujo talento fulgurante assombra o seu tempo, como o programa, possam dar o ar da graça que sempre proporcionaram ao povo moçambicano.
E mais: teria preferido calar se, por um lado, fosse desprovido de consciência para não elogiar o papel deste programa na sociedade moçambicana, que em algum momento parece substituir a tarefa do governo de irradiar a paz e alegria aos moçambicanos; por outro, estaria a trair a mesma consciência, se não apontasse alguns erros que o programa comete, mormente na titânica tarefa de enfeudar-se perante à figura de Armando Emílio Guebuza e esposa.
Em relação aos aspectos positivos: há a realçar o facto de o programa ter conseguido resgatar algumas particularidades dos valores culturais (tão essenciais para a nossa afirmação e permanência como sociedade), os quais estavam impregnados pelos hábitos e costumes estrangeiros.
Era comum ver nas televisões nacionais programas sem conteúdo. Pior, a cultura moçambicana era renegada a favor de telenovelas estrangeiras que ainda hoje ensinam as crianças a serem nudistas. As tradições culturais, nomeadamente, as línguas nacionais, a gastronomia, a dança, a música, a indumentária, constituem alguns traços que catalogavam o programa “Moçambique em Concerto”. De facto, este programa conseguiu, em pouco tempo, concertar o país.
A dança dos 50 foi um sucesso. Deu espaço aos mais velhos de mostram o quanto valem na dança. Posso estar enganado, já que a consciência do ser humano nem sempre tem a precisão de um relógio suíço, mas com a dança dos 50, muitos velhotes ficaram curados de reumatismo, da tensão alta ou baixa, da depressão e da doença senil.
Por onde andas, outro quadro do programa, funcionava como bússola chinesa que indicava o paradeiro de alguns artistas que o tempo tinha levado ao esquecimento. Foi com profunda emoção que vi e até delicie-me ao ouvir cantar e dançar grandes homens da plêiade magnífica da música moçambicana, que há muito tinham desaparecidos dos ecrãs. Entre muitos exemplos, não posso deixar de mencionar os nomes de Lalarita, Romualdo, Tito Chichava, Camal Givá, Magid Mussá, Albertina Pascoal, Xadreque Mucavele, Gabar Mabote, etc.
Um outro quadro não menos emocionante é a homenagem que o programa fazia aos músicos moçambicanos que pereceram. O programa soube, justamente, identificar e render homenagem aos seguintes artistas musicais: Victor Bernardo, Zaida e Carlos Chongo, Astra Harris, Fany Mpfumo, entre outros.
Quadro das revelações. Este espaço estava reservado a pergunta aos artistas. Para cada resposta dada, em função do teor da questão, o artista recebia um valor monetário. Falava da vida dos artistas, desde aspectos ligados a sua profissão e de foro íntimo. A plateia, sempre eufórica, participava, directa ou indirectamente, do quadro e através deste, os fãs e admiradores ficavam a saber um pouco mais sobre a vida dos artistas. Por outro lado, era um “empurrão” financeiro que se dava aos músicos carenciados.
Estou de acordo com Gabriel Júnior quando ele afirma que Moçambique em Concerto é um programa das família moçambicanas, porquanto soube inteligentemente aglutinar pessoas e talentos de várias idades num único objectivo: a alegria. A alegria é o principal bem que há neste mundo e nenhum outro programa tem dado tanta alegria aos moçambicanos como Moçambique em Concerto. Possui uma plateia composta desde um simples andrajoso ao burguês, sem nenhuma descriminação de cor, capital social, algibeira, etc. Tudo isto se resume aos prémios que o programa recebeu.
É evidente que o programa não pode circunscrever-se apenas nestas matérias, até porque, diz o ditado que a rotina matou o artista. Mas, convenhamos, ignorar matérias que punham o povo a divertir-se mais do que diverte, para coisas enfadonhas e insípidas, é matar a cultura.
Quanto aos aspectos negativos: O programa tem sérios problemas de horário. Talvez por suceder a transmissão dos jogos de Moçambola, nunca se sabe a hora exacta em que o programa é transmitido aos domingos. Quase sempre o programa fica a meio, cortado, às vezes abruptamente. E já agora fica a seguinte pergunta: alguém sabe quanto tempo de antena tem o programa? Nem vale a pena querer saber a hora do término porque, como disse, mal se sabe a hora do começo.
Com um olhar atento ao programa constata-se o seguinte: falta de gestão de tempo, enxurrada de publicidades, pleonasmo de anúncios e de informações (prestados pessoalmente pelo apresentador), falta de resumo dos espectáculos e matérias recolhidas nas províncias, leitura de mensagens quase infindas e muitas vezes sem necessidade, tempo de antena exíguo, excesso de improviso, ausência de um provedor de televisão.
Quero sublinhar que não tenho nada contra Gabriel Júnior, aliás, aquilo que muitos conseguiram fazer com recurso a chicotadas, ele, Gabriel Júnior, fá-lo com talento. Como qualquer trabalhador, comete erros, senão vejamos: de algum tempo à esta parte, parece ter mudado a orientação do programa, tornando-o de cariz político, ou estará ele a cumprir uma agenda política? O que se dá nos noticiários, Gabriel Júnior repete no Moçambique em Concerto.
Raramente termina o programa sem mencionar o nome do presidente da República e da primeira-dama. Tanto em actividades do Estado como políticas, Júnior é levado ao colo para mostrar o que a Frelimo faz, o que a Frelimo fez, e o que a Frelimo fará.
Como “bom samaritano”, certamente aprendeu a ser justo. Seria justo e louvável se algum dia, Gabriel Júnior fosse à Santhungira cumprimentar o líder da Renamo ou, então, apresentar um programa àquela população. Também seria justo que este “filho do povo” referisse com a mesma “vitamina verbal”, em seus programas, o nome de Afonso Dhlakama, o “pai da democracia”, embora lhe seja negado – por uma casta social – este estatuto.
Dada a sua popularidade, alguns governantes usam o programa para transmitir mensagens e difundir imagens de propaganda política a favor de um único partido: Frelimo. A menos que esteja enganado, posso até apostar que nas próximas eleições gerais tanto o programa Moçambique em Concerto como Gabriel Júnior serão “escudos” do partido Frelimo. Serão os rostos das campanhas a favor do candidato da Frelimo. É evidente que isto nada tem de errado, até porque, será uma manifestação de cidadania, mas a confirmar-se, saberemos em que águas navega o “filho do povo”.
Ndatenda (obrigado).
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O AUTARCA – 01.10.2013