A CONSTRUÇÃO de uma barragem de terra sobre o Rio dos Elefantes (afluente do Limpopo) trouxe para o mundo o nome de uma pacata vila do interior de Gaza.
A situação não é para menos. A Barragem de Massingir, como ela é conhecida, é mais do que isso. Ela deve dar lugar também ao desenvolvimento através do aproveitamento dos milhões de metros cúbicos de água que acumula.
Nos dias que correm começam a se desenhar, a jusante daquela infra-estrutura, importantes projectos de aproveitamento de água que deverão, a médio prazo, transformar e dar maior relevo ao médio e baixo Limpopo.
A Barragem de Massingir, construída no início da década de 1970, foi concebida para a irrigação de uma área de cerca de 90 mil hectares ao longo de todo o vale do Limpopo. Possui, igualmente, um enorme potencial piscatório ao longo da sua albufeira, onde se captura, dentre outras espécies, a telápia, um peixe de grande valor comercial, que, inclusivamente, é exportado para alguns países vizinhos.
A infra-estrutura contribui também para a regularização do caudal a montante, facto que é muito importante para todo o sistema a jusante, como é o caso do regadio Eduardo Mondlane e também para novos pólos de desenvolvimento agrícola que se erguem na baixa de Chicumbane, junto à cidade de Xai-Xai, ou mesmo em Massingir, para onde vai um importante projecto açucareiro.
A construção de infra-estruturas como esta é de todo importante. Basta recordar as cheias de 2000 e as mais recentes, de Janeiro, em que ficou provado que a falta de regularização dos caudais drenados pelo rio principal, o Limpopo, contribuiu para piorar o cenário a jusante.
É por isso mesmo que, a par do processo de reabilitação da barragem de Massingir, que irá ajudar aquela infra-estrutura a cumprir o seu papel natural, está a ser equacionada, cada vez mais, a construção da barragem de Mapai, que definitivamente poderá regularizar o caudal do Limpopo e aumentar o aproveitamento dos recursos hídricos.
Como corolário das mudanças climáticas, a construção da Barragem de Mapai (avaliada em 600 milhões de dólares) e o reforço dos sistemas de protecção das cidades ao longo do médio e baixo Limpopo, através da reposição dos diques, afigura-se um imperativo para viabilizar os largos investimentos aplicados a jusante em todo o sistema do Limpopo.
Massingir e os distritos que correm ao longo do rio estão em zonas áridas e semi-áridas, onde para se obter uma produção agrícola significante e estável não se deve contar apenas com a água da chuva.
Dados históricos (que tendem a ser alterados devido às mudanças climáticas) mostram que o Rio Limpopo, bem como o seu afluente principal no território nacional, o Rio dos Elefantes, tem um escoamento médio anual de 5800 milhões de metros cúbicos, mais do que o suficiente para cobrir as necessidades em rega numa área cinco (5) vezes superior à actualmente em exploração. O problema principal está na distribuição no tempo durante o ano do referido volume, por um lado, e, por outro, a variação de ano para ano.
Só com a barragem de Massingir o potencial é estimado em 95 mil hectares, cujas necessidades podem ser satisfeitas sem dificuldades.
É no Chókwé onde está instalado o maior sistema de rega por gravidade do país, perfazendo um total de 27 mil hectares. Devido às suas terras férteis foi apelidado de “celeiro da nação” e já foram investidos milhões de dólares para que o sistema volte a dar o seu potencial.
No entanto, sucessivas cheias, sobretudo as mais destacáveis, como a de 2000 e de Janeiro deste ano, têm reduzido a quase nada o esforço de investimento que tem sido feito.
A BARRAGEM DE MASSINGIR
Segundo dados compilados por ocasião do acidente verificado recentemente naquela infra-estrutura, a barragem de Massingir era uma componente importante para o desenvolvimento hidroagrícola do Vale do Limpopo, na concepção desenvolvida pelo engenheiro Trigo de Morais durante o período colonial.
A primeira fase desse desenvolvimento consistiu na construção do regadio do Chókwè e da barragem de Macarretane, em meados da década de 1950, o que permitiu a instalação do colonato do Limpopo com famílias vindas de Portugal. A barragem de Massingir, com capacidade de armazenamento de 2800 milhões de metros cúbicos, com uma albufeira de 150 quilómetros quadrados, está localizada a 30 quilómetros a jusante da fronteira sul-africana e destinava-se à expansão da área de rega, atendendo a quase nula capacidade de regularização dos escoamentos da barragem de Macarretane.
O projecto inicial era de uma barragem de cerca de 15 metros, mais baixa que a actual e com um comprimento muito inferior aos actuais 4630 metros.
Quando o projecto da barragem já estava bastante avançado registou-se uma seca gravíssima na bacia do rio Limpopo, com enormes impactos negativos no colonato do Limpopo, o que levou ao engenheiro Trigo de Morais a solicitar à COBA que o projecto considerasse uma albufeira com muito maior capacidade. Daí resultou então uma barragem com uma elevação maior e bastante comprida, uma vez que a topografia da secção da barragem obrigou a construir um longo dique na margem direita.
A barragem de Massingir tem uma altura máxima de 46 metros no vale principal, sendo a cota de coroamento de 130 metros. Assim, enquanto as comportas não estivessem instaladas, o nível de pleno armazenamento (NPA) ficaria limitado à cota de 115 metros, reduzindo a capacidade da albufeira a menos de metade da capacidade com as comportas instaladas (NPA à cota de 125 m).
Esta infra-estrutura começou a ser construída em 1972, tendo a obra sido adjudicada à empresa Tâmega. Os trabalhos da primeira fase foram concluídos em 1977, tendo a barragem sido oficialmente inaugurada em 31 de Outubro desse mesmo ano. Ficou para uma segunda fase a instalação das comportas no descarregador de cheias e a construção da central hidroeléctrica (apenas possível após a instalação das comportas no descarregador de cheias).
A infra-estrutura foi originalmente concebida com objectivos múltiplos, para irrigação e produção de energia hidroeléctrica. Em 1978, uma grave fuga foi detectada depois da inundação inicial. Isto significou que a barragem nunca poderia atingir o seu potencial de armazenamento de água para irrigação e produção de energia hidroeléctrica.
A barragem foi reabilitada de 2003 a 2006, contudo, em 2008, uma quebra das comportas de fundo ocorreu, causando o escoamento de 300 milhões de metros cúbicos de água em dois dias.
AUMENTA SUPERFÍCIE IRRIGADA
Peseembora os danos sofridos nos descarregadores de fundo da barragem ainda não tenham sido resolvidos, a jusante tudo está a ser feito para viabilizar a sua existência, facto que constitui um desafio para as autoridades gestoras do empreendimento.
Com efeito, depois do fracasso da PROCANA, que tinha em vista 30 mil hectares, num projecto avaliado em 510 milhões de dólares, muito próximo de Massingir está a ser implantado um novo projecto liderado pela Massingir Agro-industrial (MAI),com um investimento de 740 milhões de dólares.
O projecto será implementado de raiz no posto administrativo-sede, distrito de
Massingir, numa área de 32 mil hectares, imediatamente a jusante da barragem de Massingir, na margem direita do Rio dos Elefantes.
A área efectiva de plantação de cana-de-açúcar é de 23 000 hectares, em regime de regadio, estando prevista a construção de uma fábrica de produção de açúcar e etanol.
A fábrica, para além dos produtos vocacionados, vai processar ração animal (usando o melaço e o bagaço da cana) e produzir energia, pela queima do bagaço da cana. O modelo da fábrica, do tipo brasileiro, permite alternar o volume da produção de açúcar ou de etanol, conforme as flutuações do mercado.
O projecto prevê utilizar 750 milhões de metros cúbicos por ano na fase de pleno funcionamento (ou 450 milhões de metros cúbicos por ano para a plantação de cana), contando com água do Rio dos Elefantes ou da Barragem de Massingir).
Espera-se que a partir de 2015 o projecto atinja a área máxima de plantação e em 2017 a área máxima de produção.
O projecto vai produzir um impacto local significativo, ao absorver 3500 trabalhadores permanentes e 2500 sazonais, devendo ser objecto de requalificação para as distintas fases da actividade agrícola que o empreendimento pode oferecer.
No ano de 2021 a fábrica atinge o valor máximo de produção (toda a plantação já foi
completamente atingida e a cana pronta para a colheita). Nesta fase a fábrica opera durante a campanha duma forma contínua para produzir aproximadamente 130 000 toneladas de açúcar e 200 milhões de litros de etanol por ano.
Para este nível de produção a quantidade da cana necessária é de cerca de 1 600 000 ton/ano.
Outro aproveitamento de referência, para além do regadio Eduardo Mondlane, com 27 mil hectares de terra, dos quais 14 mil devem estar operacionais até a próxima campanha, na baixa de Chicumbane, é o projecto Wambao, que tem como objecto 20 mil hectares, o da Igo Sammartini e CAFA.
A Wambao está a investir no local perto de 250 milhões de dólares. Na presente campanha o plano de exploração do Baixo Limpopo é de 18 mil hectares, mas já há manifestações de outros parceiros que pretendem investir no local.
Com os investimentos de parceiros e do Estado perspectiva-se a exploração de pelo menos 30 mil hectares até 2017, e mesmo assim ainda se estará muito longe do potencial de 70 mil hectares existentes na região.
Ambos os projectos representam um valor acrescentado, do ponto de vista socioeconómico para a segurança alimentar e forma de vida da população residente quer em Massingir, assim como no Xai-Xai.
BARRAGEM EM REABILITAÇÃO
Tendo em vista garantir uma melhor performance para a barragem de Massingir, sobretudo tendo em conta a necessidade de responder à demanda de água a jusante, a Administração Regional de Águas do Sul (ARA-Sul) está a levar a cabo um projecto de reabilitação da respectiva barragem.
O projecto tem duas componentes, nomeadamente a colocação de um dique fusível (descarregador auxiliar) na margem esquerda da barragem e finalmente a reparação do descarregador de fundo.
As obras do descarregador auxiliar vão permitir uma maior capacidade de vazão de cheias. Segundo o director do Projecto da Reabilitação da Barragem de Massingir, Vasco Munguambe, as obras, a cargo da empresa China Hennan International Cooperation Group (CHICO), tiveram início em Outubro último com a mobilização do empreiteiro e devem estar concluídas em Julho do próximo ano, num valor de 29 milhões de dólares, co-financiados pelo Governo de Moçambique e pelo Banco Africano de Desenvolvimento.
Para além da construção de um descarregador auxiliar com capacidade de vazão de 7500 metros cúbicos por segundo, a empreitada contempla, igualmente, outras actividades relacionadas com a segurança da infra-estrutura, como seja a aplicação de instrumentação para o monitoramento do corpo da barragem.
O descarregador auxiliar vai servir de dispositivo adicional de descarga, dada a incapacidade do descarregador principal de dar vazão a uma cheia superior à do ano 2000.
“Os estudos hidrológicos feitos posteriormente às cheias de 2000 revelaram a necessidade de aumentar a capacidade de descarga em caso de cheias. Viu-se que o descarregador principal não tinha capacidade suficiente para dar vazão às cheias superiores às que tivemos em 2000. Decidiu-se que era imperioso, para a segurança da barragem e das pessoas, que houvesse um descarregador adicional”, explicou-nos Vasco Munguambe.
Conforme constatou a nossa Reportagem que esteve recentemente em Massingir, ainda decorrem no local, no troço final da margem esquerda da barragem, as escavações para a implantação do descarregador auxiliar que também é conhecido por dique fusível.
As escavações estão agora numa percentagem de 73 por cento e devem estar concluídas até ao final do ano, após o que se segue o processo de betonagem que é a construção do próprio descarregador.
Sendo Massingir uma barragem de terra não se pode permitir que a mesma seja galgada. A infra-estrutura será composta por 14 comportas fusíveis de betão que não serão operadas manualmente, mas as mesmas caem pela pressão das águas.
Presentemente, devido ao acidente ocorrido nas comportas do descarregador de fundo, a opção de gestão que tem sido tomada consiste em descargas através do descarregador de superfície, que é o único que está operacional.
Esta situação traz desvantagens e limitações, na medida em que caso a redução do nível na albufeira atingir a quota soleira não será possível fazer as descargas de superfície, sendo o último recurso as comportas de toma de água.
Com relação ao descarregador de fundo, Munguambe disse que as obras estão na fase de licitação.
“Tivemos uma primeira em 2010, mas concluiu-se que os fundos que tinham sido acordados com o Banco Africano de Desenvolvimento não eram suficientes. Tínhamos uma avaliação de cerca de 33 milhões de dólares, mas que na verdade quando se lançou o concurso viu-se que as propostas rondavam os 67 e 72 milhões de dólares. Da avaliação actualizada que fizemos vimos que estariam à volta de 51 milhões de dólares”, indicou.
As negociações com o BAD culminaram com a obtenção dum fundo adicional e esse acordo suplementar foi assinado a 28 de Maio corrente, tendo sido lançado posteriormente o concurso de pré-qualificação e o contrato deve estar assinado até o primeiro trimestre do próximo ano e as obras concluídas em 2016, com cerca de 21 meses.
Trata-se dum trabalho centrado na área hidromecânica. Antes as condutas do descarregador eram apenas de betão. Nesta fase de reabilitação vai-se fazer a blindagem (colocação de cilindros metálicos) das duas condutas e betonagem, desde a tomada de água até à comporta das descargas de fundo.
Depois da reabilitação estará em condições de se retomar o bombeamento das águas através das comportas de descargas de fundo, uma situação que não está a acontecer nesta altura, na sequência do desastre ocorrido naquelas infra-estruturas de rega há sensivelmente cinco anos.
De recordar que no dia 22 de Maio de 2008, entre as 14.30 e 15 horas, registou-se um grave acidente na barragem de Massingir, na zona das descargas de fundo, que originou uma descarga de água não controlada, na ordem de mais de 1000 metros cúbicos por segundo, danificando seriamente a estrutura de betão armado das descargas de fundo e provocando a erosão nos aterros circundantes.
Osvaldo Gêmo
NOTÍCIAS – 20.11.2013