É RECONHECIDO pelo enorme potencial agrícola que ostenta, mas que contrasta com os níveis de produção e produtividade que apresenta. Há quem considera que, devidamente explorado, o Vale do Zambeze pode gerar alimentos para cerca de 280 milhões de pessoas, ou seja, quase a totalidade da população da região da SADC.
Cerca de 800 mil agricultores de quatro províncias, nomeadamente Tete, Manica, Sofala e Zambézia exploram o vale, 85 por cento dos quais usam ainda técnicas rudimentares, ou seja, com recurso a enxada de cabo curto, com resultados modestos para tanto potencial disponível.
Para contrariar esta tendência, o Governo decidiu, este ano, mobilizar equipamentos mecanizados, importando tractores e respectivas alfaias, bem como outros meios necessários para apoiar os camponeses na extensão das áreas de cultivo e introdução de novas técnicas que permitam o aumento da produção e produtividade.
Foram criados centros de prestação de serviços agrários, numa iniciativa que conta com o envolvimento directo da Agência do Zambeze e parceiros. Decorre, igualmente, o processo de aquisição de 80 máquinas para 12 distritos do Vale do Zambeze, prevendo-se que os equipamentos cheguem a tempo de ser empregues na campanha agrícola 2013/2014.
A província da Zambézia deve receber 30 máquinas para os distritos de Mopeia, Nicoadala e Namacurra, zonas vocacionadas à produção de arroz, e prevê-se que pelo menos 4500 hectares de arroz sejam lavrados e semeados para abastecer as fábricas que processam cereais naquela região do país.
Outros cerca de 18 tractores estão a ser posicionados para a província de Tete e igual número está direccionado para Sofala, enquanto que a província de Manica está a ser equipada com 14 tractores.
Os responsáveis pelo programa asseguram que a estratégia agora adoptada difere com a que era usada em tempos, altura em que o Estado criava facilidades para a aquisição de tractores a determinados privados, o que se traduzia depois num subaproveitamento dos equipamentos.
O Governo entende que especializando os centros de prestação de serviços haverá maior disponibilidade das máquinas preparadas para um trabalho mais intenso, não só na fase de lavoura, como também no transporte e escoamento da produção.
NANTE E INTÁBUÈ PROCURAM RECUPERAR ESTATUTO DE CELEIROS
A nossa reportagem escalou, recentemente, o distrito da Maganja da Costa, famosa pela sua tradição na produção de arroz, tendo os regadios de Nante e Intábuè como epicentros desta actividade.
Para além de arroz, o distrito produz mandioca, batata-doce e milho e as cheias registadas no início do ano afectaram cerca de quatro mil hectares, traduzindo-se em perdas na ordem de seis por cento do total produzido.
Natalino Fernandes, director dos Serviços Distritais de Actividades Económicas na Maganja da Costa, considera que o regadio mais afectado é o de Intábuè, onde, recorrendo aos artesãos locais e com financiamento de parceiros japoneses, tudo se faz para reparar os danos causados nos diques de protecção e no sistema de captação e bombagem de água.
O distrito também está a apostar na electrificação dos campos de produção, com vista à irrigação com base em electrobombas, o que se acredita poder minorar os custos que advêm da aquisição de combustível para as motobombas.
A fonte garante que nos locais onde a electrificação chegou os resultados são também visíveis, uma vez que os custos de produção reduziram drasticamente, ao mesmo tempo que os níveis de produção e produtividade tendem a melhorar graças à ajuda dos técnicos vietnamitas que estão a apoiar os camponeses na transferência de tecnologias, sobretudo no campo do arroz.
A ideia é que no final de cinco anos os camponeses estejam à altura de produzir cinco toneladas de arroz por hectare, contra as 2,5 toneladas que actualmente conseguem no mesmo espaço.
Em Nante também conversámos com Henriques Matamba, presidente da Cooperativa Mudemone, que, para além de produzir arroz, presta serviços agrícolas aos camponeses.
Depois de elogiar a criação de um parque de prestação de serviços na zona, Matamba afirma que o grande desafio de Maganja da Costa é a melhoria dos níveis de produtividade por hectare.
“Nós fazemos também a colheita e a debulhação do arroz. Cobramos três mil meticais por hectare, um valor que só compensa quando o camponês também tem altos rendimentos por hectare e agora os níveis são de três toneladas por hectare. Não é mau, mas achamos que se chegassem a cinco toneladas por hectare seria bom”.
Por seu turno, Amílcar Jaime, produtor de arroz e também extensionista local, confidenciou-nos que na Maganja da Costa a população produz arroz por uma questão de tradição.
“Aqui o arroz é produzido por uma questão cultural. A instalação de parques de prestação de serviços é um grande ganho, mas pensamos que devia-se investir numa estrada para o escoamento da produção”, apontou.
A fonte diz que na época passada, por exemplo, produziu nos seus campos 7,5 toneladas de arroz, mas que até hoje nenhuma entidade se aproximou para a compra da sua produção.
CAMPONESES E ESTUDANTES INTERAGEM EM MURASSA
DA Maganja da Costa percorremos a estrada em direcção ao posto administrativo de Murassa, no distrito de Caia, na província de Sofala, onde fomos testemunhar um verdadeiro exemplo de interacção entre os estudantes da escola agrária local e os camponeses.
Murassa ostenta um enorme potencial agrícola, apesar de as qualidades do sistema de regadio local estarem actualmente abaixo da sua real capacidade, mas em tempos foi o epicentro da produção de algodão irrigado.
Por iniciativa da Agência do Zambeze foi instalado na zona um parque de máquinas com seis tractores, numa altura em que um campo pertença da escola agrária local está já a ensaiar novas técnicas de irrigação para a agricultura de pequena escala.
Implementado com a parceria do IDE – International Development Enterprise – o ensaio consiste no fornecimento de sementes melhoradas aos camponeses pelos estudantes, estes últimos na qualidade de técnicos e com recurso a pequenos sistemas faz-se a irrigação gota a gota.
Dois tipos de culturas foram escolhidos para esta primeira fase, nomeadamente o milho e tomate. A ideia é que na produção do milho, por exemplo, os camponeses passem de uma tonelada para entre cinco e seis toneladas por hectare.
Alberto Armando Kamboma é camponês integrado na Associação de Camponeses 1º de Maio, uma agremiação que congrega 50 membros e que regularmente tem disseminado conhecimentos e algumas técnicas de produção junto dos seus associados. Diz que está a colher conhecimentos que depois serão transmitidos aos restantes membros do seu grupo.
“Estamos a colher conhecimentos sobre várias técnicas produtivas, desde o tratamento das plantas, o sistema de irrigação gota a gota, o espaçamento entre as plantas e o número de sementes que devemos pôr em cada espaço aberto. São coisas que não observávamos e influenciavam negativamente na produção”, indicou.
Outro agricultor que se mostra entusiasmado com a aprendizagem é António Monteiro Nhanharugue, que terá a responsabilidade de ir transmitir os conhecimentos adquiridos a outros 90 membros da sua comunidade.
“Aprendi aqui que a sementeira de milho pode levar entre dois e três grãos, dependendo do compasso. Quando há muita humidade as plantas murcham e a produção não tem qualidade. Estou satisfeito com a aprendizagem”, sustentou.
Em Murassa também conversámos com Armando Marcelino, estudante da escola Profissional Agro-Pecuária de Caia, responsável pelos ensaios na área de tomate.
Considerou ser uma experiência interessante o trabalho com os agricultores porque em cada dia que passa transmite o que aprendeu na carteira, ao mesmo tempo que recebe os conhecimentos dos camponeses.
A ideia, segundo aquele estudante, é transferir os conhecimentos adquiridos na carteira para o benefício dos camponeses e outras comunidades.
Segundo soubemos, para além de Murassa as novas técnicas agrícolas implementadas pela Agência do Zambeze, em parceria com o IDE, estão a beneficiar outras comunidades em Mopeia.
COMPACTO CUSTA 30 MILHÕES
Ressalvandoque a Agência do Vale do Zambeze não é implementadora de nenhum programa, Roberto Mito explicou que tudo o que está a ser feito na componente agrária conta com o envolvimento do sector da agricultura. Para este ano, por exemplo, a fonte indicou que a sua instituição tem aprovados cerca de 30 milhões de dólares para projectos que estão a ser implementados pelos governos provinciais e também por algumas agências nacionais.
Desse pacote, cerca de 240 milhões de meticais, o equivalente a oito milhões de dólares, destinam-se à agricultura. Para além dos centros de prestação de serviços está-se a considerar alguns investimentos na área da pecuária, construção de represas, casas de matanças, reabilitação e construção de novos tanques caracicidas.
Depois existe uma componente de cerca de 82 milhões de meticais para o sector de pescas, sobretudo a piscicultura e pesca artesanal, e outros 260 milhões de meticais para a área da indústria e comércio para o apoio do sector privado, com destaque para uma linha de crédito para a comercialização do arroz e ainda um fundo catalítico para apoio às iniciativas de agro-negócio.
“Temos, igualmente, cerca de 280 milhões de meticais para projectos de infra-estruturas de estrada, água e saneamento. Só para ilustrar, ao Fundo de Estradas colocamos um valor de cerca de cinco milhões de dólares para que 19 distritos do Vale do Zambeze tenham brigadas de manutenção de estradas”, explicou.
O director da Agência do Vale do Zambeze avançou que umas das razões para a intervenção no sector de estradas é que foi reconhecido que depois de se concentrar esforço na produção haverá nalgumas zonas problemáticas no escoamento de produtos devido a dificuldades de acesso.
A agência também mobilizou valores para a construção e reabilitação de micro-sistemas de abastecimento de água,
“Estamos a falar duma previsão de cerca de 200 furos. Nesta componente contemplamos também a capacitação institucional. É assim porque reconhecemos que a agência, não sendo implementadora, deve também participar no fortalecimento das entidades que devem dar corpo aos projectos”.
O objectivo final é fortalecer a capacidade técnica e material dos agentes económicos públicos e privados na implementação dos projectos de desenvolvimento local, dentro dos próximos três anos.
Paralelamente, segundo Roberto Mito, porque a Agência deve ter uma visão de desenvolvimento de longo prazo, está a preparar um plano estratégico que vai dar a orientação estratégica sobre como abordar o desenvolvimento do Vale do Zambeze.
Titos Munguambe
NOTÍCIAS – 27.11.2013