A actuação da chamada Polícia de Protecção e da Força de Intervenção Rápida (FIR) em momentos de tensão social continua a causar indignação. Nesta sexta-feira (22), mais de mil Membros das Mesas de Voto (MMVs), na capital do país, que participaram das eleições autárquicas da última quarta-feira (20), concentraram-se nas instalações da Associação das Mulheres Viúvas (AVIMAS), no bairro de Bagamoyo, para exigir o pagamento dos seus míseros subsídios e contestar o tratamento discriminatório na atribuição dos mesmos valores.
Entretanto, a Polícia e a FIR - que brincam com as AKM's como se fossem objectos de entretenimento - voltaram a mostrar o seu despreparo para conter uma agitação sem precisar de disparar, intimidar nem subjugar. À semelhança do que acontece nas cidades de Marromeu, de Mocuba, de Quelimane, por exemplo, as duas forças militares governamentais acusadas de serem subserviente ao partido Frelimo abriram fogo, com balas reais, para o ar, porém, os cartuchos dessas balas caíram no local da agitação, o que significa que podiam ter atingido pessoas indefesas que apenas exigiam a observância e o cumprimento dos seus direitos por parte do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE).
Não passava pela cabeça de ninguém que o STAE, que ainda não limpou a sua má imagem por causa das irregularidades detectadas no processo da votação recém-realizada, pudesse fazer com que mais de mil pessoas tenham que enfrentar balas para auferirem um subsídio (que varia de 1.300 meticais a 2.000 meticais) que nem equivale ao salário mínimo em vigor no país.
A aglomeração dos MMVs naquela agremiação, desde as primeiras horas desta sexta-feira, foi único recurso por eles encontrado para pressionar aquele órgão eleitoral a desembolsar o dinheiro em causa depois de atraso, uma vez que noutras parcelas do país onde houve eleições o dinheiro foi pago há mais de uma semana.
Além dos constrangimentos pelos quais passavam, chegados à AVIMAS, os beneficiários foram informados de que a recepção dos montantes estava condicionada à apresentação do material utilizado no dia da votação aos técnicos do STAE, uma vez que em caso de entrega incompleta do mesmo material seria deduzido algum valor na subvenção de cada pessoa. Outra condição imposta foi a presença dos presidentes das mesas de voto, os quais deviam, primeiro, localizar os contratos dos colegas e exibi-los para se poderem ter dinheiro.
Essas e outras imposições e o suposto tratamento discriminatório nos pagamentos revoltaram o pessoal que esteve em frente do processo de votação. Gerou-se um clima de tensão que ninguém do STAE soube refrear. À tarde, as coisas pioraram, alguns membros das mesas de voto improvisaram dísticos e entoaram canções de repúdio da humilhação a que estavam sujeitos, principalmente porque se recordaram de que, recentemente, a quando da formação eram servidos refeições deterioradas e no dia escrutínio o grosso deles passou fome.
A seguir a esses momentos instalou-se uma confusão que exigiu a presença da Polícia. Esta, quando chegou ao sítio entrou a disparar para o ar e causou pânico. Mas os jovens não arredaram o pé da AVIMAS nem se deixaram intimidar pelas armas. Três viaturas, dentre elas uma da FIR, com as matrículas PRM 01-2-11, PRM 01-2-24 e PRM 01-2-30 foram destacadas para o sítio mas os elementos que se faziam transportar neles foram infelizes ao recorrer à violência para conter a ira de um grupo de jovens que parecia já estar preparado para morrer a tiro exigindo a observância escrupulosa dos seus direitos.
De repente, um agente da Polícia de Protecção virou as atenções para o autor deste texto e tentou obrigá-lo a entregar as fotos que estava a captar supostamente porque continham a sua imagem e dos seus colegas. Depois de uma discussão fervorosa, o polícia, que já havia confiscado o crachá do mesmo jornalista, ficou sem argumentos para arrancar as tais imagens e pediu o auxílio dos colegas.
“Apaga as imagens”, disse o agente da Lei e Ordem que foi chamado para intervir no "caso das imagens", o qual depois de se aperceber de que as suas ameaças entravam de um ouvido e saíam do outro, arrastou o articulista para o carro onde se encontram os restantes polícias. No local, a exigência foi a mesma: “apagar as imagens”. Nem mesmo depois de várias ameaças do tipo “entrega as fotos porque vamos te envergonhar e humilhar”, o jornalista entregou as fotos.
Volvidos alguns minutos de discussão, um agente da FIR deteve o jornalista e o obrigou a mostrar, no seu telemóvel, em que lugar podiam se encontradas as tais fotos. Enquanto isso, os seus colegas se apoderavam do material de trabalho, o qual foi posteriormente devolvido mas incompleto, pois faltava um gravador digital e os respectivos auriculares.
Uma senhora aparentemente desesperada, que jurava de pés juntos ter presenciado situações iguais aos que o autor este texto era submetido e que terminaram em mortes e feridos, perpetrados pela Polícia de Protecção e pela FIR (forças de extrema confiança do Chefe do Estado moçambicano, Armando Guebuza), pediu ao jornalista para que apagasse as imagens ou que pelo menos mostrasse à Polícia em que lugar se encontravam. O pedido da senhora foi atendido, porém, havia um elemento da Polícia (que estava no carro PRM 01-2-11) que não se dava por satisfeito só com a destruição das fotos. Na opinião dele, pese embora fosse contestado pelos próprios colegas, era preciso confiscar o celular a a máquina fotográfica digital. Essa pretensão, diga-se, absurda, gerou uma onda de contraposição por parte dos jovens.
Aliás, algumas palavras tais como “entra no carro” revoltaram ainda mais alguns jovens que abandonaram a causa que lhes levava para aquele lugar e se aproximaram, também, para ver de perto o esforço que certos agentes da Lei e Ordem faziam para ganhar a fama de Polícia de Desprotecção. Para quem conhece o comportamento abominável e de chupismo que reina na nossa corporação, em situaçõoes como aquelas teria exigido "refresco" e não o fez porque os jovens pareciam estar dispostos para o que desse e viesse...
O grito de revolta dos mesmos jovens impediu que o pior acontecesse, até porque entre os próprios elementos da Polícia surgiu, também, alguém que disse: “deixem a ele trabalhar. Nada lhe impede de estar aqui. Façam (referia-se à Polícia) o vosso trabalho porque ele também está a fazer o dele.” Após este episódio, ficou com a ilação de que se para a Polícia ter armas é tudo e isso lhe garante deter arbitrariamente as pessoas, submetê-las à tortura e aos maus tratos, para aqueles MMVs, por sinal jovens, não existe arma que faça alguém desistir da sua causa.
@VERDADE– 22.11.2013