MILHARES de moçambicanos ficaram sem o seu ganha-pão no centro de Joanesburgo, na África do Sul, depois que as autoridades policiais os proibiram de exercer qualquer actividade informal nos passeios e ruas daquela movimentada cidade.
Aliás, esta medida vem ganhando réplica em muitas cidades da África do Sul, o que põe em risco a sobrevivência de muitos que dependem do negócio informal. Embora ainda não se tenha avançado o número exacto de quantas pessoas terão sido abrangidas com esta medida, sabe-se, no entanto, que milhares de moçambicanos estão, neste momento, sem alternativas para se alimentarem, pagar escola dos filhos. Ficaram igualmente impossibilitados de pagar as contas de arrendamento de casas e mandar algum dinheiro para a família em Moçambique.
Com emprego a escassear na terra do rand, muitos vivem e dependem do negócio informal, vendendo um pouco de tudo nos passeios, ruas e principais esquinas de Johannesburgo. Desse dinheiro conseguiam solucionar os demais problemas das suas vidas. Assim, com esta medida e sem que lhes tenha sido dada alternativa para continuar a desenvolver o seu negócio, os visados vêem-se as dificuldades do dia-a-dia agudizarem, visto que há dias que não fazem absolutamente nada para o seu sustento.
Dados em nosso poder indicam que os moçambicanos estavam em maior número nos passeios e ruas de Johannesburgo, seguidos de outras nacionalidades, também da região, com destaque para os zimbabweanos. De entre as principais vias e avenidas onde vendiam o destaque vai para Sepp/ST, Park-City, Pantera, Park-Center, Wandaras-ST, Bree-ST, Carton-Center, Small-ST e Nord-ST.
Preferencialmente, os moçambicanos dedicavam-se a venda de discos (CDs e DVDs), roupa usada (calamidade cá entre nós), repolho, tomate, cintos, chinelos, meias, cartões iniciais e celulares. Igualmente, havia um grupo de jovens que se dedicava a fazer tranças. Todos estes ficaram sem fazer alguma actividade de rendimento porque já não é admissível vender nos passeios e ruas de Joanesburgo, devendo os mesmos procurar novas formas ou locais de sobrevivência.
Fonte policial por nós abordada disse que a decisão de proibir o negócio informal nos passeios e ruas de JHB deve-se ao facto de muitos cidadãos, sobretudo os que se dirigem as lojas ou centros comerciais para fazerem compras, queixarem-se sistematicamente de serem vítimas de assaltos e roubos, muitos deles, protagonizados por supostos vendedores informais ou que eram acobertados por estes. Do mesmo modo, os proprietários de algumas lojas e centros comerciais, segundo a nossa fonte policial, também se queixavam de sistemáticos roubos nas suas lojas por parte de criminosos que abundavam nos passeios e que os seus produtos depois eram vendidos mesmo ali, o que lhes causava prejuízos.
“Como os criminosos se escondiam nas bancas dos informais e às vezes actuavam em conivência com estes, decidiu-se banir esta actividade que também já era grande foco de criminalidade. Muita gente não fazia absolutamente nada se não roubar e assaltar as pessoas”, apontou a polícia sul-africana.
Assim, como a onda de criminalidade tinha como foco este ponto de negócio informal, a decisão tomada foi de banir qualquer actividade nos passeios como forma de controlar os criminosos. Desta feita, as ruas dos locais onde eram abarrotadas de vendedores informais foram substituídas por agentes da polícia que estão de prontidão para evitar que haja qualquer tentativa de regresso dos vendedores aos antigos postos.
Contudo, mesmo com a presença policial nas ruas de Johannesburgo, os informais vão se mantendo à distância na expectativa de ver as autoridades recuarem na medida e lhes permitir regressar aos seus antigos postos de trabalho. Esta possibilidade não se afigura fácil, dada a determinação com que a polícia está a encarar esta acção com vista a combater a criminalidade.
De uns dias a esta parte, as ruas e passeios de JHB estão com um aspecto leve, onde a circulação de peões é feita sem grandes sobressaltos. Num passado recente, esta situação era quase impossível, o que obrigava a qualquer um a uma tremenda ginástica, com gente a se acotovelando para puder abrir caminho para circular, tudo devido ao negócio informal que havia tomado tudo que era passeio e rua na cidade mais movimentada do continente.
Por não estarem a desenvolver nenhuma actividade, muitos compatriotas mostram-se receosos em regressar a Moçambique no final de ano que se aproxima, uma vez que dizem não ter dinheiro não só para a viagem, assim como para fazer compras.
PRETEXTO PARA EXPULSÃO
CONTACTADOS pela nossa Reportagem, alguns moçambicanos que aceitaram falar consideram a medida como um pretexto da polícia para os expulsar da África do Sul. Ao que explicou Ângela Joaquim Chemo, oriunda do bairro da Maxaquene em Maputo, “a polícia foi taxativa ao afirmar que ninguém mais deveria desenvolver o seu negócio na via pública”.
“Este é um claro argumento para nos expulsarem da RSA. O que eles querem, na verdade, é recambiar todos os que se encontram em situação ilegal neste país. Infelizmente, não irei obedecer a esta ordem. Vou me manter na rua até que nos aceitem de volta ao nosso negócio. O meu ganha-pão é trancando cabelo às pessoas. Há um mês, praticamente, não faço nada e as contas de casa começam a apertar”, vincou a moçambicana. Acrescentou que, por dia, fazia entre 400 a 500 randes, mas agora nem um tostão consegue em resultado da medida.
Por seu turno, Cristina Albertino, proveniente do bairro da Polana Caniço, na capital do pais, também virada a fazer tranças numa das esquinas de Johannesburgo, alinha da mesma opinião que a sua compatriota e questiona: “sem trabalho, o que vamos fazer?”
“A polícia só não diz abertamente que não nos quer cá por uma questão de receio. Mas em conversas connosco tem nos dito que a nossa vida chegou ao fim e que cada um deve voltar de onde nunca deveria ter saído, uma vez que estamos a vir abarrotar o país deles e a aumentar os níveis de criminalidade. Isso não é verdade, pois nós só estamos virados para o trabalho. Não somos nós que roubamos”, apontou.
ASSOCIAR PRATO DE COMIDA
TODOS os dias os moçambicanos abandonam as suas casas e se concentram nos seus antigos postos de trabalho. Uns à espera de uma oportunidade para voltar a vender. Outros ainda, e usando algumas artimanhas, vão vendendo às escondidas, sem tirar nada da pasta ou das suas sacolas, tudo desenrolando-se longe dos olhares da polícia que não abandona as ruas de JHB.
Porque os tempos mudaram e não havendo muitas alternativas de sustento, os nossos entrevistados contaram que estão a viver um verdadeiro martírio para se alimentar. A título de exemplo, dizem que, uma vez que já não tem dinheiro, associam-se o pouco que ainda lhes resta nos bolsos para comprar um prato de comida para almoço. O referido prato é compartilhado por duas/três/quatro ou mais pessoas.
Como também não dá para comer o que cada um quer, pois o dinheiro não chega, optam pelos pratos mais baratos, ou seja, entre 15 a 20 randes. Estamos a falar, na moeda nacional, de aproximadamente 60 meticais um prato de xima com pedaços de galinha ou um pouco de carne.
Rosalia Jemusse contou a nossa Reportagem que, para o jantar, o procedimento tem sido mais ou menos idêntico, uma vez que quase que os moçambicanos vivem em grupo.
“O que tem pesado mais é na questão de transporte. Como vivemos em bairros longe do centro de Johannesburgo, temos optado em apanhar o transporte até uma determinada zona, isto para pagar até cinco randes. O resto do percurso fazemo-lo a pé. Isso não nos tem rendido nada, na medida em que não estamos a trabalhar, razão pela qual só gastamos e não metemos nada nos bolsos”, desabafou.
INFORMAIS QUEIXAM-SE AO TRIBUNAL
DEVIDO ao ambiente tenso como vem sendo gerido este assunto, muitos dos nossos entrevistados não quiseram se identificar. Aliás, os moçambicanos que vendem ou se dedicam ao negócio informal por cá nunca gostaram de dar a cara porque dizem que não querem que as famílias e amigos em Moçambique se apercebam que eles são informais, embora essa actividade seja a que lhes assegura o sustento diário.
Contudo, contaram ao nosso jornal que foi constituída uma comissão para ver se consegue lutar junto de quem de direito para ver se revogam esta medida.
Assim, ao que nos afiançaram, o grupo interpôs uma acção judicial contra a polícia na qual pedem a anulação da decisão e que lhes seja autorizado o regresso aos passeios e ruas de Joanesburgo para desenvolver o seu negócio.
Dados obtidos de fontes autorizadas referem que é quase impossível que o tribunal anua o pedido dos informais, uma vez que o sistema de administração da justiça sul-africano entende que o negócio informal está sendo usado por alguns marginais para cometer crimes e incentivar a entrada cada vez mais de cidadãos ilegais para poluírem as ruas desta cidade.
HÉLIO FILIMONE
NOTÍCIAS – 23.11.2013