Por Gento Roque Chaleca Jr.
“Um amigo disse-me que a memória humana é como coluna de um burro: carrega indelevelmente histórias boas e más. Mas, a avaliar pelos resultados das últimas eleições autárquicas, que na sua maioria deram vitória à Frelimo e seus candidatos, penso que a memória dos eleitores foi curta.” Extraído de uma conversa com amigos.
Quando ainda era residente na circunscrição de Chivule (agora engolida por buldózeres e vorazes apetites dos gorilas do carvão) sempre que tomasse uma decisão errada na escolha dos responsáveis de diversas áreas do regulado, a minha mãe usava o seguinte aforismo para me chamar a razão: “Meu filho, quando a cabeça não tem juízo, o corpo é quem paga. A tua sorte é que, neste regulado, quem manda é o teu pai, régulo Chaleca. Ele pode manter ou destituir do cargo um incompetente, enquanto na metrópole as coisas funcionam de maneira diferente, uma vez eleitos, ninguém os pode destituir – nem mesmo a Lei – a menos que o caudilho no poleiro (quase sempre apoiado por uma claque que o sustenta) encontre razões bastantes que descosam essa união.”
Apoiado pela mamã Chaleca, um ancião sentado num improvisado banco de bambu, de olhos aquosos e lábios tórridos de cachaça, enfatizara: “Tenha muito cuidado no acto de votar. O voto mal entregue carrega prejuízos por cinco anos e não é como no matrimónio, onde em cada fuga chamada vulgarmente divórcio, deixa-se um atrelado de bens: panelas, vassouras, pilões, etc., enquanto na gestão de uma cidade, o que sobra como herança são montanhas de prejuízos para o povo.”
Tudo isto vem a propósito dos resultados das quartas eleições autárquicas que deram uma larga vitória a Frelimo e aos seus candidatos. Lembro-me que, por todos os municípios por onde passei, dirigidos pela Frelimo, ouvi gritos de clamor e lágrimas de transbordar uma barragem, reivindicando a má gestão e a decadência de vida que os munícipes levam.
Vi mães carregando latas de água na cabeça e bebés às costas, diziam que tinham percorrido cerca de 5 km de terra batida em busca daquele precioso líquido. Também vi, com bastante consternação, multidão de gente a ser transportadas em autênticas “latas locomotoras”, sem qualquer tipo de consideração e segurança. Não posso deixar de referir aqui nesta crónica o dilema que se vive na travessia Inhambane – Maxixe e vice-versa, até as sardinhas têm espaço suficiente nas latas de conserva, pois estas são lubrificadas por óleo.
Em Xai-Xai reportei a orfandade da cidade, que anda sem “eira nem beira”. Os jovens ocupam muros para lamentar o rumo negativo das suas vidas. Já que não podem ir ao “Muro das Lamentações”, fazem-no nos arredores do palácio do governador. Nas cidades de Tete e Moatize o cenário é ainda pior, o carvão que enriquece uma nomenclatura, deixa os munícipes empoeirados, até parecem comandos militares camuflados, de tantos os camiões e locomotivas “vomitarem” poeira.
Em Maputo o edil vencedor ameaçou remover barracas dos cidadãos, só não o fez porque a onda de críticas foi maior que o malabarismo do “marinheiro” em contorná-las. A capital do país está sem capital de beleza, que sempre a caracterizou.
Sobre a Matola, é bom nem sequer falar. A poluição está ao nível de Chernobil.
Face a estas situações, impele-se colocar a seguinte questão: por que motivo as pessoas votaram na Frelimo e seus candidatos? Existem muitas teorias. Não sendo este um trabalho científico, que se ancora em fontes e pesquisas bibliográficas, posso afiançar algumas hipóteses, pois também mereço alguma caturrice.
1. O elevado nível de “analfabetismo funcional” existente em zonas suburbanas, onde fervilha o pensamento colectivo, faz existir pouca capacidade dos eleitores saber destrinçar promessas realizáveis e utopia.
Numa sociedade altamente qualificada, a campanha eleitoral revela-se quase desnecessária, pois o nível de instrução é elevado e nenhum eleitor dá o seu voto quando não se verificam mudanças em suas vidas e na do município. Contra todo o tipo de estereótipos e rotulados propagandistas, vencem os candidatos que apresentarem programas de governação virados para o desenvolvimento económico, social e cultural e não meras agendas políticas.
Em países como os EUA, Espanha, Portugal, Bélgica, Holanda, França, Cabo-Verde, Gana, só para citar alguns exemplos, mesmo que os partidos mudem, há um conjunto de valores que nunca mudam. Nestes países, o eleitorado é orientado, pela educação enquanto sistema de ensino, a destrinçar políticos verdadeiros dos que vendem ilusões ou falsas utopias.
Não é o que se verifica, muitas das vezes, em zonas suburbanas, onde os programas políticos afloram à mente dos eleitores. As promessas eleitorais, em tempo de campanha, geralmente ganham elasticidade nesses meios e os faz esquecer a longa travessia ao deserto.
Não compreendem, por exemplo, que uma capulana, uma camisete, um lenço ou outras bugigangas de caça ao voto, não pode matar a fome, são sempre efémeros. E um político atento sabe interpretar o seu eleitorado, alimentando-o de esperança que no fundo nunca se efectivará.
Para um político, o que conta é criar paraísos falsos que se assemelha auma planta do clima equatorial posta no deserto, semear mentira e mais mentira até que a planta morra de podre. Cabe, assim, a esse eleitorado saber distinguir paraísos falsos de acções concretas que tragam desenvolvimento e bem-estar social dos munícipes e dos municípios em geral.
2. Questões Históricas com conotações tribais. Nos últimos anos, surgiu um novo método de caça ao voto, que consiste na utilização de racismo, exclusão, xenofobia e intolerância política.
Está a virar moda na nossa sociedade aceitar um determinado candidato a presidente de uma autarquia em função da sua origem. Quem, entre os candidatos não for natural da autarquia pela qual concorre, é imediatamente excomungado.
O objectivo, como vimos ao longo da campanha eleitoral, é atribuir ao partido Frelimo a paternidade do Estado e a ideia de que o MDM é (como eu disse no passado) uma força política criada a partir das agendas intestinais dos ex-militantes da RENAMO, que não consegue sair dos cuidados intensivos, para onde foi empurrada pela Frelimo. Em Gaza e Inhambane, baluarte da Frelimo, a agenda do dia não é propriamente a governação, mas sim amesquinhar a oposição, a quem acusam de matar seus filhos e gados durante a guerra dos 16 anos.
O mesmo se verificou do lado do MDM, em que alguns dos seus candidatos proferiram discursos tribalistas em que diziam palavras como estas: “fora”, “intrusos”, “rua”, “escravizadores”, a altos dirigentes da nação. Aqui o código de conduta é violado, pois o que importa é ganhar eleições.
O perigo de tudo isto é que o eleitorado não avalia o comportamento do candidato, e acaba dando o seu voto em função da origem e naturalidade deste, ao invés de votar em indivíduos capazes e altamente competentes, que realmente apresentem um programa de governação de compromisso com o povo.
E mais, busca-se refúgio nos mortos (alguém dizia que a nossa sociedade está cada vez mais a ser governado pelos mortos) para sustentarem uma candidatura. Ouvi candidatos, tanto da Frelimo como do MDM, afirmarem que se candidatavam para resgatar os ideias de Eduardo Mondlane e de Carlos Tembe, isto certamente tem reflexos na decisão dos eleitores, que pecam porque não estabelecem uma comparação entre o comportamento destes e daqueles.
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P.S.: Não fica bem ao Magnífico Reitor do ISRI, Professor Doutor Patrício José, aparecer como analista na TVM para vilipendiar a Renamo. Em países por onde andei, os reitores das universidades têm uma vida de monges. Quando se verifica uma necessidade de intervenção, destes mesmos reitores, fazem-nas em universidades, seminários, colóquios, assembleias, etc., cujo objectivo é estritamente a busca de soluções académicas para resolver os diversos problemas da sociedade. Ora, o Reitor do ISRI, sentado naquela poltrona da televisão, paga pelos nossos impostos, faz papel de juiz do tribunal de Inquisição, o que mancha a imagem desta prestigiada e honrada instituição académica. É caso para dizer, conhece-se a árvore pelos frutos.
O AUTARCA – 26.11.2013