Por: Hilário Chacate
Para perceber-se a crise e a erosão da legitimidade que o “partido do batuque e da maçaroca” vive actualmente, é importante fazer uma retrospectiva em relação aos quase 10 anos da governação de Armando Guebuza. Ele apresentou-se ao seu eleitorado como um “salvador” que resolveria os males que assolavam o país. Ainda durante a sua “evangelização eleitoral”, em 2004, ele propôs-se a fazer uma profunda ruptura com antiga governação, prometendo imprimir uma nova dinâmica com vista a trazer melhorias na vida dos moçambicanos.
Usando as suas inéditas habilidades de fazer promessas, o actual chefe de Estado conseguiu animar as expectativas do povo moçambicano. É exactamente neste ponto onde mora um dos grandes perigos, para quem navega no campo político. Quando um governante, através das suas promessas, decide reactivar, de uma forma exacerbada, as esperanças dos governados e, no final, fazer tudo ao contrário, isso pode ser percebido, por estes últimos, como sendo uma traição dolosa.
Quando os prometidos chegam à conclusão de que quem os prometeu fê-lo com uma deliberada intenção de os enganar para ganhar apenas os seus votos, estes podem rebelar-se contra o prometedor.
A experiência mostra que grandes expectativas podem criar grandes desilusões. Pode ter sido isso que aconteceu na relação entre Armando Guebuza e o seu eleitorado. A falta de cumprimento das promessas feitas ao povo, pelo actual chefe de Estado, pode ter causado grandes desilusões a estes últimos. Mabunda (2013)1 sublinhou que: “quando iniciou a sua governação, em Fevereiro de 2005, (...) disse, quer no discurso de tomada de posse como no seu primeiro discurso no Comité Central, que queria eliminar o burocratismo, o “espírito de deixa andar”, a corrupção, o clientelismo, a pobreza, entre outros.
Nove anos depois, o que temos notado é que o Presidente da República não só não conseguiu combater algum dos males, como também os institucionalizou”.
Os insucessos da governação de Guebuza não têm muito a ver com factores externos, como ele, talvez para inverter a opinião pública, tem apontado como algumas das grandes razões. Ele afirma, por exemplo, que um dos causadores dos problemas moçambicanos tem sido uma mão externa, os seus críticos (os apóstolos da desgraça, os agitadores profissionais), dentre outros inimigos que tem tentado encontrar para imputá-los os fracassos da sua governação.
Parece-me que o verdadeiro obstáculo à sua governação tem sido a sua incapacidade de formular políticas que se adequam às exigências do País, com uma população cada vez mais exigente.
O carácter predominante e insensível de Guebuza minou, por completo, a possibilidade de um debate de ideias de uma forma aberta, com vista a encontrar, juntamente com os membros do seu governo, as soluções adequadas para os problemas que enfermam o país. Este perfil, do actual chefe de Estado, só tem, infelizmente, institucionalizado um ambiente para endeusamento e bajulação da sua personalidade, por parte dos que o rodeiam.
Ademais, o Presidente Guebuza tem governado Moçambique como se de um quintal seu se tratasse. Numa acção baseada em clientelismo e patrimonialismo, a elite governativa tem tomado de assalto todos os sectores chave que geram lucros, em Moçambique.
Colocando os seus parentes, assim como os que acham graça aos seus olhos, como gestores dos tais empreendimentos e marginalizando o resto dos moçambicanos, incluindo os membros da oposição.
A atitude da princesa milionária (Valentina Guebuza) de inaugurar a “luxuosa avioneta” comprada com os impostos dos moçambicanos, para o uso das altas figuras do Estado, para assistir, na África do Sul, um desfile, revela claramente o uso abusivo dos bens públicos, assim como as tendências de enraizamento do patrimonialismo e um “Estado família”.
O uso do Estado para o alcance dos interesses privados, por parte do actual chefe de Estado moçambicano e o seu elenco, tem criado« no seio dos moçambicanos um sentimento de privação relativa.
Ou seja, os moçambicanos, no geral, têm estado a forjar uma percepção de que o crescimento dos níveis de pobreza, em Moçambique, que tem como consequências a subida vertiginosa do custo de vida, a falta de transporte condigno, a precariedade da qualidade da educação, dos serviços sanitários, o desemprego acentuado, dentre outros males, é resultado de enriquecimento de uma minoria ligada ao governo, que monopoliza todas as fontes de rendimento, deixando o povo na miséria.
Como resultado desta percepção de privação relativa, tivemos as violentas manifestação de 5 de Fevereiro de 2008 e 1 e 2 se Setembro de 2010. E como forma de estancar a fúria popular contra a sua governação, Guebuza tem recorrido ao uso da força bruta e de uma forma desproporcional.
Este comportamento brutal, por parte do seu governo, tem enfurecido cada vez mais os manifestantes, extremando o ódio destes contra o governo do dia.
A brutalidade do governo liderado pelo partido Frelimo contra os manifestantes que se opõem ao seu modus operandi tem resultado em derramamento de sangue, como foi o caso da morte de uma criança, no contexto das manifestações de 5 de Fevereiro de 2008, a morte de um adolescente nas recentes manifestações no bairro da Munhava, cidade da Beira, a morte de 5 quelimanenses, de 1 mucubense e 2 guruenses, na província da Zambézia, durante o processo eleitoral do dia 20 de Novembro do ano em curso.
O cenário de conflito armado que se vive no centro e norte do país, que nos traz à memória a guerra dos 16 anos, cujas suas feridas encontram-se ainda abertas, é visto por alguns seguimentos como consequência de arrogância e prepotência do actual chefe de Estado. A arrogância e prepotência de Guebuza, assim como do comportamento belicista da Renamo só podem beneficiar ao MDM. É por isso que este último tem angariado a simpatia dos moçambicanos, que o olham como uma formação política que não tem nenhum vínculo com o passado caracterizado por uma guerra sanguinária. A evidência que consubstancia este facto, são as recentes eleições autárquicas que deram resultados jamais conseguidos pela oposição em toda a história das autarquias moçambicanas.
Os eleitores decidiram rebelar-se através do voto, contra arrogância, prepotência, intolerância, exclusão social, dentre outros males que caracterizam a actual governação moçambicana.
O “partido do batuque e da maçaroca” foi obrigado a retirar do seu vocabulário os conceitos “vitórias retumbantes e esmagadoras”.
Portanto, o inferno causado por Guebuza contra o povo moçambicano tornaram-no o governante mais impopular em toda a história de Moçambique, e não só. Mas também, criou grandes clivagens dentro do partido Frelimo. Esta realidade tem levado a população a uma percepção generalizada de que todos os problemas resultantes da má governação guebuziana devem ser imputados ao seu partido. Esta postura do actual chefe de Estado e do seu governo tem sido um autêntico suicídio ao partido Frelimo, estando neste momento a atravessar, provavelmente, a sua pior crise, desde que ascendeu ao poder, em 1975.
1Mabunda, Lázaro (2013), Um País Governado em Contramão, Edição de 11 de Março, o Jornal O País, Maputo-Moçambique
Canal de Moçambique – 11.12.2013