ENTRELINHAS
Por Gento Roque Chaleca Jr.
“Em verdade, em verdade vos digo: se estes dois pugilistas (Guebuza e Dhlakama) não se entenderem, antevejo um fim trágico para o nosso país. As minhas palavras não podem morrer e para que elas não morram no silêncio da alma e com fortes
probabilidades de apanharem bolor, cá estarei, de novo, em 2014, continuando a clamar pela paz: Viva a Paz! » Excerto de uma conversa com os meus sobrinhos
Como tem sido hábito na antecâmara do NATAL – e desta vez também não fujo à regra -, peço a todas as criaturas do mundo, especialmente as do meu país, que formemos uma maioria absoluta com Deus nos seguintes preceitos: amor pelo próximo, paz e perdão.
E desta vez há razões para reforçar este meu apelo, porquanto o país está em guerra, muito por culpa de dois irmãos (filhos da mesma pátria), que não se entendem, apesar de nos seus discursos falarem a mesma linguagem, a da paz. Digladiam-se, causando mortes e danos irreparáveis ao país, por causa de uma simples palavra chamada paridade!
A meu ver, esta situação só acontece porque tem faltado diálogo e amor ao próximo entre as partes beligerantes, o que infelizmente conduz o país à “congolização”.
Há quem diga que não, que a guerra está circunscrita a uma determinada zona da província de Sofala, mas quero aqui lembrar que “a matequenha” antes de causar amputação a perna, entra pela planta dos pés a partir de um microscópico buraco. O mesmo acontece com a tinha, começa num minúsculo talhão da nossa cabeça e depois alastra-se cobrindo todo o “território” da cabeça”.
Independentemente da tecedura partidária, o mais importante é que haja diálogo entre as partes em contenda.
Mas atenção, não se pode dialogar, como me referi no passado, com fósforo no bolso pronto a atear fogo ao próximo. Mesmo em silêncio, quando estamos em paz, há necessidade de dialogarmos connosco próprios. Em silêncio, somos capazes de arbitrar melhor as nossas acções, de escutar, de ouvir e de ver muito melhor do que quando estamos em pensamento agitado. É de poucos a perícia de pescar em águas turvas, assim acontece quando estamos com a mente amarrada e a ferver, preocupamo-nos mais em diabolizar o próximo, em lugar de encontramos soluções pacíficas dos problemas que nos afligem. Não será esta a terapia de Guebuza e Dhlakama?
Tudo isto faz-me lembrar as sábias palavras do Papa Francisco (que as li num folheto de uma secular igreja europeia), que dizia: “Silêncio e palavra são dois momentos da comunicação que se devem equilibrar, alterar e integrar entre si para se obter um diálogo autêntico e uma união profunda entre as pessoas'. A palavra tem necessidade do silêncio para ganhar expressividade […]. Quando as mensagens e à informação são abundantes, torna-se essencial o silêncio para discernir o que é importante daquilo que é útil ou acessório […]. É necessário criar um ambiente propício, quase uma espécie de 'ecossistema' capaz de equilibrar silêncio, palavra, imagem e sons”. (Comas e parêntesis rectos na frase meus).
Estas palavras, no meu ponto de vista, encontram reflexos na actual conjuntura política nacional. Tanto a liderança do Governo como da Renamo não tem sabido economizar as palavras e refugiar-se no silêncio dos mortos para em conjunto, encontrarem soluções pacíficas para o país. Repito, enquanto prevalecer este “ping pong” político, dificilmente o derramamento de sangue será estancado, pois todos querem assumir protagonismo histórico, todos lutam em ser Moisés, todos assumem a razão da causa, mas ninguém quer atravessar o deserto para perceber a liturgia da palavra calvário.
A democracia não é apenas letras, é acção que se traduz no perdão, na paz, no amor ao próximo, na pluralidade e diversidade de ideia, etc. Parece que o tempo está a dar-me razão quando certa vez disse que para se ser político, antes é preciso ser-se religioso. A probabilidade de um líder religioso cometer asneiras é menor do que aquele que não é, salvo aqui os agnósticos. O problema de Muxúngue, actual corredor da morte, tem mostrado um grande défice de religiosidade nas veias dos nossos políticos, pois quem é de Deus e o Tem na alma e no coração não apregoa sangue, por mais justa que seja a sua causa.
Dirão alguns que é preciso defender a face das investidas do inimigo. Estou de acordo, mas tem de ser sempre por vias pacíficas. Há que concordar também com os padres José Augusto e Sousa e Francisco Augusto Correia, quando afirmam que “O cristianismo é radicalmente pluralista e leva o cristão a afastar a ideia do outro como adversário político, ou como 'inimigo político', para o admitir apenas como 'diferente'.
Termino cometendo uma exclusão ou até mesmo algum egoísmo, mas que não é propositada, desejando os leitores do AUTARCA, em particular desta coluna ENTRELINHAS, um Feliz Natal e próspero Ano Novo. Ndatenda
(Obrigado).
P.S.1: No ofício na verdade, muitas vezes desentendemo-nos. Batemo-nos por fincar uma determinada ideia. Gritamos no silêncio da amargura.
Mas nunca nos desrespeitamos, nem seria justo! No fim da obra, todos sorrimos na paz de Cristo. “N'dzeru m'bawiri” (numa tradução livre de cinyungwe para português, significa “ideias são duas pessoas”, é assim que fazemos o sucesso desta Gazeta, embora, da minha parte, não tanto como desejaria, se comparado ao que tem feito Falume Chabane. E para si, caro amigo, vai o meu fervoroso abraço de camaradagem viva e de admiração profunda.■
P.S.2: Na manhã de sexta-feira passada, 20, telefonoume a minha esposa do serviço para me comunicar a morte do músico Madala. Sabido que sou admirador incontornável da sua música, pus-me a pensar numa das lucubrações do povo chuabo: “A MORTE É CIUMENTA, PORQUE SEPARA OS QUE SE AMAM”. Num país onde grande parte das composições musicais da actualidade são latarias velhas que criam ruído ensurdecedor aos ouvidos, com o desaparecimento da voz viva do cantor, fez-se um grande vazio em mim que me fustiga a alma. As músicas de Madala, que oiço desde pequeno lá do lodo da lagoa da minha terra natal (em Chivule), têm em mim um efeito balsâmico, tanto na alegria como na dor. Por isso, recomenda-se. Paz à sua alma.
O AUTARCA – 24.12.2013