“É perigoso ter o MDM no poder”
Creio que neste momento existe um certo défice de discussão na Frelimo
Por Raul Senda/Fotos de Urgel Matula
Sérgio Vieira, membro da primeira linha da Frelimo, que controlou dossiers mais sensíveis do partido, sendo na altura incontornável nos serviços de segurança do país, acredita que neste momento existe um certo défice de discussão na Frelimo. O ex-ministro da segurança, ex-governador do Banco de Moçambique (BM) e ex-parlamentar, fala da actual situação política no país, mas defende que “não há crise política nenhuma”, o que existe é uma crise de luta contra o terrorismo. Sobre o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), força política que em Novembro passado lançou um forte aviso à navegação sobre aquilo que pode acontecer nas presidenciais de 15 de Outubro deste ano, ao conquistar três municípios (Beira, Quelimane e Nampula) nas autáquicas de Novembro, perdeu a Zambézia por “uma unha negra” e disputou taco a taco os municípios de Maputo, Matola e Chimoio, Sérgio Vieira diz que há um perigo que o MDM venha a representar interesses de vingança, contra a independência nacional.
A Frelimo anunciou os seus três pré-candidatos para as eleições presidenciais de 15 de Outubro. Dias depois, o Secretário Geral veio dizer que não haveria outros candidatos para além dos três o que veio criar divergências no seio da Frelimo e não só. Numa situação em que o Comité Central (CC) é o órgão de decisão nesta matéria, o que tem a comentar sobre isso.
Penso que a CP estatutariamente tem o direito de propor candidatos. Assim aconteceu por exemplo antes do 8º Congresso, quando o CC se reuniu e disse que vamos designar o nosso candidato agora. A CP indicou vários nomes e através do voto secreto escolheu-se naquela ocasião o camarada Armando Emílio Guebuza. Se não me engano havia como candidatos propostos o Hélder Muteia, Eduardo Mulémbwe, que depois retirou a candidatura, Lucas Chomera e creio que também o José Pacheco. Foram estes cinco nomes indicados. Foi-se a votos e o camarada Guebuza foi eleito por uma esmagadora maioria.
É o normal. A CP tem o direito de fazer propostas. Agora, não pode, nem a CP, nem sequer o CC retirar o direito estatutário dos membros de propor candidaturas. Isso é que não pode, não existe. Se é isso o que quis dizer o Secretário Geral, de alguma maneira cometeu pelo menos lapso de não ter revisto os estatutos.
Perante estes factos, qual é que o senhor acha que será o posicionamento do CC.
Estatutariamente, a CP não pode dizer que aqueles são candidatos definitivos. Não sou membro do CC, já saí por minha livre vontade, pelo que não sei qual é que será a reacção. Mas estou a dizer que existe o direito estatutário que nem sequer o CC pode retirar esse direito dos membros proporem nomes de candidatos. É um direito estatutário e quem altera os estatutos é o congresso.
Dos três pré-candidatos, qual é que acha que preenche esse perfil? Ou seja, qual é o candidato da sua preferência?
Creio que é muito prematuro para pronunciar-me sobre isso. Posso dizer que de modo geral os três respondem um certo perfil pela idade, pelo estado de saúde, pelo currículum que fizeram em vários locais onde desempenharam papéis e que me pareceram correctos, mas, sinceramente, não estou em condições de dizer agora se este ou aquele é melhor ou é pior.
O nome de um dos pré-candidatos apareceu na imprensa, cintando uma agência internacional, que estava envolvido no tráfico de madeira para China. É verdade que é apenas suspeita. Mas isso não fere com aquilo que são os valores éticos e morais que a Frelimo sempre defendeu?
Vale a pena avançar com uma figura que está sob investigação da Procuradoria Geral da República?
Bom… uma coisa é haver suspeitas e outra é haver provas. Se há matéria na procuradoria o que devia me ocorrer é que a procuradoria faça o seu trabalho.
Não pode estar a distinguir o António do José, porque o António é um dirigente e José é um pacato cidadão. Se há matéria é preciso que a procuradoria se pronuncie. Não somos nós ou os jornais ou uma pessoa que diz não há matéria. Toda a gente é inocente até prova em contrário.
Este é um princípio fundamental do direito e da democracia.
Agora, eu pessoalmente tive algum trato com o ministro Pacheco. Ele foi governador em Cabo Delgado, foi também vice-ministro de Agricultura e aí fez um trabalho relativamente correcto.
Como ministro da Agricultura há muitas observações a fazer, mas até que ponto essas observações se podem fazer vamos dar responsabilidade ao ministro. O que vamos dizer é que é aquilo que ele pode fazer atendendo aos meios de que dispõe.
Lembro-me que houve um período em que a União Europeia, a Suécia e várias entidades davam apoio directo ao ministério da Agricultura. Creio que isso já não se faz. Isso pode limitar aquilo que se pode fazer. Devo dizer que ao nível da agricultura muitas observações críticas podemos fazer, mas teria muitas dificuldades de dizer que a responsabilidade é do ministro.
Por falar em valores éticos e morais que sempre caracterizam a Frelimo, como é que o senhor encarou o facto do seu partido ter apostado num candidato que, chegou a ser detido pela prática do crime de corrupção, para edil do município de Moatize?
Creio que neste caso em concreto houve um erro, ao meu ver, de o ter designado como candidato do partido, na medida em que tinham aparecido provas de que ele tinha tido comportamento incorrecto do ponto de vista ético. Para isso e sobretudo num município como Moatize em que há envolvimento de transnacionais pode pregar graves vulnerabilidades e não dá confiança.
Qual deve ser o perfil ideal do futuro presidente de Moçambique tendo em conta o conjunto de factos que caracterizam o país neste momento.
Posso dizer que quando se fala de transnacionais qualquer delas sabe muito bem o que quer. Eu não me interesso por aquilo que elas querem.
Eu interesso-me por aquilo que nós como Moçambique queremos. O que é que é bom para o nosso país, o que é bom para o nosso povo. Nesse sentido já ocorreram situações bastante negativas. Por exemplo: Eu conheci alguns oleiros que estavam na zona de Benga. Ok, há uma mineradora que vai para lá, muito bem. Não vou discutir isso. Talvez possa discutir a lei das minas sobrepor-se à lei de terras.
Enquanto na lei de terras é obrigatória a consulta, na lei das minas não.
Aparece alguém com papel e diz aqui estou eu. Isso para mim parece que é errado.
Mas vamos dizer, está lá uma pessoa.
Conheci pessoas que por dia faziam quinhentos tijolos em cada forno e por dia rendiam mil meticais. Estava a dois passos do rio, pescava e comia peixe, vendia peixe, podia fazer a sua uma horta e de bicicleta estava mais ou menos 15 a 20 minutos da cidade de Tete, assim como de Moatize.
Agora disseram-lhe vai-te embora.
Que compensação lhe deram. Como se faz nos outros países. Consta-me, ainda não fiz bem a verificação, que na Austrália por exemplo, se vou ter com uma pessoa para lhe dizer que vou ocupar este lugar, dá-me uma casa, aliás, isso não se discute, depois digo que tenho carneiros, pastos, água e além disso tem que calcular o rendimento dessa pessoa por ano e dizer que te pago uma compensação igual a 100 anos do teu rendimento que é para si, seus filhos e teus netos.
Eu creio que isso está a falhar. Estamos a nos deixar sobrepor pelos interesses das transnacionais e não pelos interesses do povo.
Por outro lado, sei que já houve alguns conflitos na província de Nampula com as mineradoras. Estou preocupado com a situação da perfuração marítima em Cabo Delgado, tendo em conta que conhecemos algumas tragédias que ocorreram no mundo. Temos um caso que se verificou no Golfo de México entre os anos 2011, 2012 ou 2013 onde a empresa teve que pagar uma indemnização de vários biliões de dólares porque houve poluição. Nós quando tivemos aqui um pequeno desastre de petroleiro “katina P” só ficámos com praias sujas. Não tínhamos nenhum meio para limitar aquilo que pode ser a calamidade.
Por outro lado, não sei se alguém estudou os efeitos que pode ter essa mineração na vida dos pescadores na medida em que muitos deles têm a vida quotidiana resultante da pesca.
Até que ponto aquelas plataformas gigantes, aquele movimento todo afasta ou não o peixe?
Por consequência, quero crer que é fundamental que se estudem as necessidades do povo e que na discussão com as transnacionais, nos preocupemos com aquilo que são os interesses do país e do povo.
Vejo por exemplo que mesmo nestas questões de petróleo e gás a regra de fifty-fifty já existia nos princípios do século XX. Isto é, 50% para a mineradora e 50% para o país. Não sei se temos essa regra aqui.
Volto a insistir. Qual deve ser o perfil ideal do próximo Presidente da República?
Deve ser uma figura que defende os interesses do povo e do país e não os interesses das transnacionais. Isso seja para com as mineradoras ou seja para quem for. Quando se vai discutir com alguém de fora temos que ver o que é que nós queremos. É isso que interessa. O que é que Moçambique quer e o que é bom para o nosso país.
Alas na Frelimo
Alguns históricos da Frelimo, como Jorge Rebelo, já denunciaram publicamente que há alas na Frelimo. Qual é o seu comentário?
Quando um partido alega ter quatro milhões de membros, é muito provável que haja muitos interesses divergentes.
É uma coisa boa, é uma coisa má. Boa se há uma discussão saudável dentro da organização e depois da discussão as pessoas chegam a consenso e má se divide efectivamente a organização.
Creio que neste momento existe um certo défice de discussão. E é por isso que pessoas começam a serem atacadas nos jornais de qualquer maneira, ataques que muitas vezes não têm pé nem cabeça, até com tonalidade racista, tribalista, regionalista, coisas que são perigosas porque minam a essência da força de Moçambique e da Frelimo. Repare que Moçambique é o único país em toda a África Austral em que as pessoas se juntam e misturam-se às mais diferentes cores da pele e confissões religiosas.
Agora celebramos o natal e quantos não cristãs que se juntaram naquela família cristã para celebrar o natal?
O mesmo se verifica quando é Ide ou Ramadan. Juntamo-nos todos. Pessoas de diferentes cores, origens, religiões convivem, casam-se. Isso é que é a verdadeira força de Moçambique.
Quando a essência de Moçambique ou de moçambicanidade é atacada em alguns jornais, algo de muito negativo está aí. Estão a dar uma machadada na pátria.
Por falar em racismo, num passado recente, um alto dirigente do Estado falou de moçambicanos genuínos e não genuínos. Como é que Sérgio Vieira encarou essa declaração numa situação em que a Frelimo sempre combateu esses males.
O genuíno está escrito na Constituição?
Quem anda a procura de genuíno ou não genuíno que leia a Constituição da República e que não dê machadadas na pátria. Será que alguém é capaz de mostrar quem é genuíno? Como? Posso ir mais longe, o grosso dos moçambicanos é de origem bantu e os bantus foram invasores. Vieram da África ocidental.
E quando essa declaração vem do Presidente da República…
Quando essa declaração venha de quem vier é asneira. Talvez tenha uma intenção oculta ou clara, mas é asneira. É uma machadada na moçambicanidade.
O quer dizer ser genuíno?
Eu faço parte dos fundadores da Frelimo em 1962 e nunca mudei de cor, nunca mudei dos meus antepassados.
Servi e agora não sirvo? Era genuíno e agora não sou.
Sérgio Vieira fez parte do grupo de veteranos que, em 2002, defendeu a eleição de Armando Guebuza para a Presidência da República. Hoje é uma das pessoas mais atacadas por pessoas próximas do Presidente Guebuza. Como é que se sente?
Não me sinto e não deixo de sentir.
Uso o provérbio para palavras ocas, orelhas mocas. Essas pessoas que se dizem próximas do Presidente Guebuza, não sei porque não tenho dados, de repente descobriram que sou goês, mas eu nunca fui goês.
Não se sente traído?
Por quem…
Tendo em conta que defendeu uma figura que hoje está no poder para depois se ver marginalizado.
Quem é que marginalizou-me…
…quando aparecem escritos a criticarem a figura do Sérgio Vieira.
Opiniões clandestinas e disfarçadas de pseudónimos, gatos escondidos com rabo fora… por favor…
Olha, costuma-se dizer que quando quiser cuspir para cima vê para onde chega o teu cuspo. Isso nem sequer consegue chegar à sola de sapato. São pobres de alma, o que eles querem?
Depois do Congresso de Pemba, parece que a Frelimo transfigurou-se na pessoa do chefe. A organização confunde-se com a pessoa do Presidente. Há mais palmas ao Presidente. O que isso significa?
Eu creio que há muito oportunismo e há muita ambição. Isso criou uma crise muito grave na Frelimo em 68, que levou em 1969 ao assassinato do presidente Eduardo Mondlane. Houve também outros assassinatos antes como de Mateus Sessão Mutemba, Paulo Samuel Kankomba e outros.
Quem declarou ilegal o partido comunista da União Soviética. Foi o próprio Bureau Político. O secretário Geral do partido, Mikhail Gorbachev, acabou com o partido. Não foram os americanos, ingleses e nem chineses. Foram eles. Como é que chegaram lá. Foi na base de oportunismo e de terrorismo.
Há que estar atento a estes perigos sempre, porque eles não deixam de existir. Tentativa de dividir o país sempre existiu e existe. Isto existiu com o 07 de Setembro, existiu antes de 07 de Setembro quando o Jorge Jardim vinha fazer as propostas de nós ficarmos nas nossas zonas e o colonialismo noutra até se encontrar uma solução.
Havia dos da Frelimo de dentro e os da Frelimo de fora, Nós dissemos vai passear. Fizeram na Correia, Alemanha e no Vietname. Agora querem repetir em Moçambique.
Os sul-africanos tentaram dividir Moçambique, a Rodésia tentou nos dividir. Sempre tivemos e temos uma estrutura ou uma coluna vertebral que sempre elucidou que Moçambique é Moçambique do Rovuma ao Maputo de modo que esses parasitas que andam a querer procurar quem é mais moçambicano que o outro há que estar atento e combater.
Se o jornalista é preto e diz uma coisa, vão dizer que ele agiu assim porque é preto? O vosso colega Machado da Graça às vezes apanha porradas porque é branco. Quer dizer que mudou de cor desde então. Desde a independência para cá mudou de cor?
Eu não creio que Machado da Graça, de quem discordo muitas vezes, tivesse mudado de cor.
Como é que avalia a Frelimo de hoje quando comparada com a de 1962.
Não creio que seja a mesma Frelimo por muitas e variadas razões. Houve um crescimento quantitativo e qualitativo.
Quantos éramos quando criámos a Frelimo em 1962 e onde estávamos.
Quantos somos hoje e onde estamos.
É evidente que uma árvore grande tem sempre um e outro ramo podre que tem que ser cortado.
Quer dizer que os princípios que eram defendidos pela Frelimo em 1962 persistem até hoje.
O princípio de Unidade Nacional existe até hoje. Ninguém ousa atacar a Unidade Nacional. Bom, está esse grande parvinho de Dhlakama que está a tentar dividir o país. Que o diabo o carregue rapidamente, porque anda a matar gente de qualquer maneira, anda a destruir coisas, o que é isso. Diz que é pai de democracia.
Que democracia é essa? Quando vejo no jornal que é preciso discutir a paridade, que paridade é essa? Então, se hoje na Assembleia tenho três partidos, excluiu um partido? Não há que goste ou não, não posso excluir. Não há paridade nenhuma na sociedade.
Há uma maioria e há uma minoria.
O que posso dizer é que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) não pode ser escolhida dessa maneira. A minha tese é que a CNE deve ser um órgão profissional que funcione em permanência. Vi isso noutros países em que a CNE não tem nada a ver com os partidos.
Se fosse hoje, apostaria na figura de Armando Guebuza para a Presidência da República?
É uma pergunta que não tem pés nem cabeça. 2002 é 2002 e 2014 é 2014. Porquê não pergunta se apostaria no Samora, até que já morreu coitado, mas porquê não me pergunta se apostaria no Joaquim Chissano.
Estamos em 2014 e Guebuza já tem mais de 70 anos.
Eu não sou partidário de um dirigente com mais de 60 anos. Esse tem problemas nos rins, tem um bypass, não estou a dizer que Guebuza tem essas doenças, o que estou a dizer é que não sou favorável que se procure dirigentes de uma geração que já deu e deu muito. Agora há novas gerações que tem que entrar. Os que estão entre 45 a 50 anos ou no princípio dos 60 anos. São eles que têm que tomar conta do país em todos os ramos. O perigo do MDM no poder
Como é que o senhor caracteriza a situação que se vive em Muxúnguè, Gorongosa, Homoíne e Funhalouro?
É o desespero. Quando bate uma cobra não estrebucha muito? É a cobra que está a morrer. Eu creio que do ponto de vista do partido, a Renamo esgotou-se. E mais…
Uma boa pergunta a Procuradoria, se há uma organização que preconiza a violência, recorre à violência, ela é ou não uma organização ilegal. Se uma organização usa a violência contra a população, contra os bens da população, está ou não a praticar um crime de terrorismo. São perguntas a fazer.
Eu acho muita piada, que temos aí não sei quantos deputados da Renamo, de uma organização que anda a matar gente, civis e destruir bens da população. Mesmo que só matasse militares. São militares de onde?
São invasores do país. Não faz sentido.
Agora está a surgir e creio que nas autárquicas é muito provável que tenha recolhido uma boa parte do eleitorado da Renamo. Está a surgir o MDM. Agora, o que me preocupa é que todos os antigos apoiantes da Renamo que sejam os ultra-colonialistas de Portugal, que sejam racistas, que sejam elementos da extrema direita europeia e americana estão a apoiar esta organização. Estou a ver a Carmo Jardim, Nogueira Pinto e toda esta gente. Estão lá. Há ou não o intuito de fazer regressar a roda da história. Há ou não a vontade de vingar-se da independência moçambicana.
Há um grande perigo aí. Não é uma organização idónea.
Para o senhor, o aparecimento do MDM não é para fortificar o espaço democrático nacional, mas sim para vingar-se da independência?
O espaço democrático não é criado pelos apoiantes do racismo e do colonialismo. Quando me disserem que foi aprender democracia com os seguidores de Ian Smith na Rodésia e Pieter Botha na África do Sul de Apartheid, pergunto se é aí onde se aprende democracia? É isso é que é espaço democrático. Diz-me com quem andas vou te dizer quem és.
Quer dizer que é um perigo o MDM chegar ao poder?
Há perigo que eles venham a representar interesses de vingança, contra a independência nacional. Quem é que está a apoiá-los. Quem está fora de Moçambique a apoiá-los. Os jantares que fazem em Portugal para angariar fundos quem vai a esses jantares.
Renamo está a tornar-se numa associação de malfeitores
O Presidente Chissano disse que o líder da Renamo deve ser acarinhado para se sentir valorizado e vir a Maputo dialogar. O que acha sobre isso?
É direito à opinião de Joaquim chissano.
Eu penso que Afonso Dhlakama tem que assumir que se ele quer viver em Moçambique tem que se comportar como um cidadão moçambicano.
Se quer viver em Moçambique como um dirigente político tem que assumir quais é que são as responsabilidades políticas de um dirigente. Não é refugiar-se no meio de uma montanha e dizer que agora estou a matar gente porque não concordo com a composição da CNE.
Que o diabo o carregue. Isso não faz sentido em nenhuma parte do mundo. Já viste isso em alguma parte do mundo? porque não concorda com a composição da CNE, porque não é de paridade ou de igualdade, se não existe igualdade na Assembleia da República, nos votos que foram dados a este ou aquele candidato. Isso é terrorismo.
Se o senhor fosse Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segurança teria ordenado o assalto à base de Satunjira?
Eu teria dito... olhem…ocupem, capturem e acabem com isso, e não um entra e sai. Isto é brincar aos Cowboys.
Outra coisa que a Renamo reivindica é a partidarização do Estado. Sérgio Vieira sente isso?
Não tenho dados sobre isso. Vejo pessoas de muitos partidos políticos entre os funcionários. Para admissão de um funcionário no estado não se exige cartão. Essa é uma maneira de disfarçar dos problemas, partidarização é quando te candidatas para deputado, seja para Assembleia Municipal ou da Assembleia da República. Há sítios onde é obrigatório a partidarização e outros não. Quando vais para o serviço militar obrigatório basta que tenhas saúde, não te perguntam se tens cartão de membro.
Como é que classifica a forma como o Governo está a gerir a actual crise político-militar.
Não há crise política nenhuma. O que existe é uma crise de luta contra o terrorismo. É preciso lutar contra o terrorismo e acabar com ele, e é preciso que os próprios membros da Renamo acabem com o terrorismo.
Desligando-se das acções armadas, entregando as armas que as têm e ainda deixar de matar e de destruir.
Mesmo as Forças Armadas de Moçambique não podem ser alvos de ataques armados de forças políticas moçambicanas. Imaginas fazer isso nos Estados Unidos da América, em
Portugal, na Espanha, na Inglaterra, na França. Isso existe, por mais que discordes politicamente, não podes fazer isso porque é crime.
A Renamo está a tornar-se aquilo que era antes. Uma associação de malfeitores.
Pela primeira vez na história do país teremos um Presidente da Frelimo e outro da República. Ou seja, dois centros de poder
Não é a primeira vez, será a segunda vez. Quando Guebuza foi eleito Presidente da República, o presidente do partido era Chissano, até que este tomou a iniciativa de sair e o CC elegeu Guebuza como presidente da Frelimo.
Qual é a sua opinião sobre a forma como PR reage às críticas?
Mais ou menos, reage correctamente. O presidente da França decidiu meter um jornal no tribunal porque foi muito atingido. De facto Guebuza foi muito atacado e praticamente esteve calado até agora.
E quando em algum momento aparece a chamar os críticos de apóstolos da desgraça, tagarelas entre outros nomes.
Sendo o Presidente da República será que ele não tem direito de opinião.
Não sei a que ele se referia quando dizia isso, se as críticas que respondia eram justas ou injustas, mas é preciso ter cuidado. Ninguém é apóstolo da desgraça porque faz uma crítica que é justa, até pode ter pontos de vista errados, mas é crítica.
Agora denegrir não. Há dias alguém me perguntava, o que a independência trouxe de bom para Moçambique e recordo-me do que Samora dizia que não se pergunta a um escravo se quer liberdade.
Há algumas críticas que são injustas, especulações e às vezes calúnias.
É bom lembrar que vamos completar 40 anos de independência e quantos jornalistas estiveram na cadeia por emitir opiniões contrárias ao Estado ou ao Governo, creio que zero.
Quantos jornais fecharam desde a independência por criticar creio que nenhum. Onde está a comissão de censura de independência para cá.
Há quem diga que no partido Frelimo as decisões eram tomadas da base para o topo e agora é tudo ao contrário, é do topo para a base. Qual é a sua opinião em torno disso?
É tua conclusão!
Não. O padre Couto disse isso nas páginas do SAVANA
Respeito a opinião de Filipe Couto, que por sinal é meu amigo, mas isso não significa que apadrinho todas as opiniões dele. Lembro-me que num passado recente disse-lhe: ou Couto, andas a pedir Gundana que é mais velho em relação a mim com mais de 70 anos para ser Presidente, por favor. Mas era opinião dele e a mim cabia respeitar.
Tirando essa opinião de Couto não creio que seja muito correcto essa afirmação.
E mais, as opiniões não partem de cima para baixo ou de baixo para cima. Há uma acção mútua, há uma dinâmica, de repente há sentimentos na base que o topo toma conta, há preocupações que a direcção e por razões óbvias tem uma informação mais global interna ou externa e transmite as bases. É normal.
Há democracia na Frelimo?
Fundamentalmente há. A Frelimo tem muitos problemas, mas não é parte amolgada do desastre, há democracia sim na Frelimo
Qual é o balaço que faz dos mandatos de Guebuza?
De um modo geral foram correctos, possivelmente direi que o primeiro mandato pareceu-me mais eficiente que o segundo. No segundo houve muitas questões que vieram perturbar o desenvolvimento normal das coisas, e não posso apontar dedo a ele necessariamente, haverá responsabilidades dele, para equipa, haverá responsabilidades
que ultrapassam as fronteiras do país.
É preciso compreender que quando se quer apontar dedo a alguém é preciso ver quantos dedos voltam-se para apontar a nós mesmos.
Mas de um modo geral o primeiro mandato foi o melhor.
Qual é a análise que faz da homenagem que fizeram no passado sábado?
Foi uma iniciativa do Comité da Cidade, decidiram fazer uma manifestação de apoio ao presidente, correcto, porque não? são proibidos? Apenas se autoriza quando estão a fazer uma manifestação de repúdio.
Qual é sua opinião sobre a sociedade civil moçambicana….
O que é sociedade civil em Moçambique.
Eu sou pai e ia a reunião dos pais na escola. Era raro encontrar lá pais. Encontrava mais mães e por vezes empregadas a representá-los.
Onde é que está a sociedade civil aí.
Vivi num prédio que tinha associação de moradores. Cheguei a ver e fiquei escandalizado quando li que fulano, beltrano e sicrano não podem apanhar o elevador porque não pagam as taxas. Como coisas dessas não começam na tua casa como pai ou mãe de família onde é que está a sociedade civil.
Há uma organização que conheço aí onde há uma pessoa que faz muito barulho, desde que foi criada essa organização alguém é presidente, dona e proprietária. Ser dono de uma empresa não significa ser da sociedade civil. Nós ainda não temos sociedade civil, porque a sociedade civil começa em coisas elementares, nos vizinhos, nos pais. Ainda não temos nada, estamos a começar. Vais dizer que um feto já é adulto? Se ainda está na barriga da mãe.
SAVANA – 24.01.2014