Por Gustavo Mavie, da AIM
Se assumirmos que morrer, para além da morte física, é não mais se falar de quem morreu, isto é, é passar para o esquecimento à medida que o tempo vai passando, então o Arquitecto da nossa Independência e mentor da nossa libertação do hediondo colonialismo português, está provando que venceu a morte tal como o anteviu ele próprio quando, como Cristo, disse à sua esposa Janet Mondlane que ´´se passados 10 anos após a minha morte, não mais se falar de mim, então a causa de que me tenho batido, terá sido em vão´´.
Discorridos hoje 45 anos após o seu desaparecimento físico, mais do que falarmos apenas dele, o veneramos e o exaltamos em todo o nosso País, no que é também uma prova inequívoca de que de facto ´´venceu a morte´´ tal como Jesus é venerado há mais de 2000 anos, e que foi o primeiro a proclamar a vitória sobre a morte, quando disse, nas vésperas da sua crucificação, que ´´eu venci a morte´´.
O Professor Doutor Eduardo Mondlane venceu também a morte e é definitivamente um digno membro dos que ao passar deste mundo, souberam semear o bem não para eles próprios mas, acima de tudo, para os seus semelhantes e que os fazem com que sejam venerados tanto pelos que os conheceram em pessoa, como pelos que chegaram a este mundo muito mais tarde após eles terem partido.
Mondlane figura nessa galeria de ouro em que estão muitos outros legendários que se bateram pela mesma causa: a erradicação definitiva dos sistemas desumanos e diabólicos que, durante séculos, imperaram no mundo e que, no dizer de Alex Toqueville, impingiam nas pessoas da raça branca um sentimento de que pessoas de raça negra e de outras como os índios eram simples bestas para carga e que deviam ser tratadas com a mesma brutalidade com que certos homens tratam os animais´´.
Isto pode hoje parecer um exagero mas é mais do que verdade que quando Mondlane fundou a Frelimo e começou a lutar pela nossa libertação, o tratamento que certos brancos infligiam a um negro era pior que o que infligiam pelo menos aos seus animais de estimação.
Tal ocorria porque se ensinava às crianças de raça branca que era assim que se devia tratar os negros. Isto prova que tem razão Mandela quando diz que do mesmo modo que às pessoas se ensina uma boa conduta, também pode se ensiná-las a ter uma conduta horrenda ou maléfica.
De facto, assim que homens de bem como Mondlane passaram a apregoar o amor ao próximo e o anti-racismo, hoje temos pessoas de todas as raças a conviverem amistosamente lado a lado e totalmente indiferentes à cor da sua pele tal como já previam Mondlane e Samora que hoje os veneramos por terem sido capazes de libertar também os próprios racistas do vírus do racismo.
Graças à beleza dos seus ideais como bem o dizia Charles Chaplin como sendo o que imortaliza os homens e não a fortuna material que possam acumular que acabará perecendo como também nos ensina a Bíblia, o Dr. Eduardo Mondlane está mais presente hoje em nós do que estava quando foi barbaramente assassinado a 03 de Fevereiro de 1968, em Dar-es-Salaam, pelos que eram contra a nobre causa porque se batia, que era a libertação do nosso País e de nós seus compatriotas do colonialismo português.
Como um profeta, Mondlane anteviu, um ano antes de ser assassinado, que mesmo que ele fosse morto, tal não o preocupava, vincando que ´´posso morrer feliz, porque sei que a Revolução continuará´´. E de facto continuou até culminar com a derrocada do colonialismo português sete anos depois de ter feito esta asserção profética.
Hoje Moçambique e os seus compatriotas pararam para homenagear Mondlane pela passagem dos 45 anos apos a sua morte, e certamente que será sempre enaltecido pelos seus compatriotas pelos tempos que virão como ele próprio já o antevia há 46 anos. Essa sua exaltação será eterna porque todas as vezes que se celebrará a nossa independência, terá de se falar dele como quem concebeu a estratégia da independência.
Para os moçambicanos da época em que as pessoas de cor negra eram colonizadas ou escravizadas encaram Mondlane como o seu Deus da Terra, porque os salvou dessa tragédia colectiva em que eram sujeitas.
Para que se tenha uma ideia próxima do quão diabólico era o colonialismo português, e dum modo geral o racismo que se abatia pelo mundo fora contra todos os povos negros e de outras raças não brancas, faço questão de transcrever algumas passagens de Toqueville, contidas na sua brilhante obra ´´A Democracia

Uma das provas de que os negros eram tratados como bichos desprezíveis, é que os que eram levados como escravos para as Américas podiam ser atirados ao mar assim que se registasse um mau tempo que ameaçasse afundar as embarcações que os transportavam. Isto pode soar hoje a um exagero, mas foi feito varias vezes para se salvar essas embarcações. Para os donos dessas embarcações, os negros feitos escravos eram mais uma carga que se podia atirar para o mar, de modo a reduzir o peso e assim evitar-se o naufrágio do barco.
Isto é o que era feito com toda a crueldade aos negros em Moçambique que acabou forçando Mondlane a deixar o seu emprego nas Nações Unidas, em Nova Iorque, para vir dedicar todo o seu tempo, esforço e, acima de tudo, inteligência, para erradicar o sistema colonial português que era responsável por essa barbaridade.
Para que se entenda quão determinante foi Mondlane, para que hoje pudéssemos viver já como cidadãos livres de um país também livre, é pertinente transcrever mais passagens de obras históricas que descrevem o quão os negros moçambicanos eram brutalizados.
Um dos escritores europeus que tal como vários outros que então eram contra a brutalização dos negros e que certamente ajudaram o nosso presidente Mondlane a amadurecer na sua análise e definir melhor o inimigo foi Giovani Papini, ao vincar, num dos capítulos do seu livro A Vigia ao Mundo, que até finais do Século XX, o homem de côr de pez e fuligem era simplesmente tratado como besta para carga, um personagem literário, um tema de eloquência ou de estudo, ou acessório de vária decoração´´.
Na sua dissertação tão épica, Papini sublinha que durante tantos séculos, os negros foram tidos como escravos de trabalho

Quando se faz uma análise retrospectiva do perfil pessoal e político de Mondlane, chega-se logo à conclusão de que ele era um desses homens que preferia abdicar-se do seu próprio bem-estar, para se sacrificar pelo seu povo, tal como Mandela que colocou como condição para aceitar a sua libertação da cadeia, o desmantelamento do apartheid e o fim da discriminação dos negros, e a outorgação imediata de direitos iguais para todos os sul-africanos.
No momento em que Mondlane decidiu aplicar a tese de que a unidade faz a força e com isso cimentou indelevelmente, em Dar-es-Salaam, a unidade dos três movimentos que então se preparavam para lutar separadamente pela independência e, por essa via, a unidade de todos os moçambicanos, ´´a opressão que se abatia sobre os negros era tal que os privava de quase todos os direitos e privilégios com que a raça branca desfrutava, parafraseando Toqueville.
Um dos grandes méritos de Mondlane, e que o faz com que seja parte desses grandes homens que no mundo tiveram a visão de destrinçar entre o homem branco e o sistema que o embrutecia e incutia nele a supremacia racial, é ter sido capaz de definir correctamente o inimigo nessa altura das trevas como sendo os tais sistemas coloniais e racistas que incutiam nos brancos a ideia de que eram superiores às pessoas de outras raças, e que as podiam usar e abusar assim que o quisessem, sem que isso lhes criassem remorsos.
Uma leitura à Obra de Mondlane, apercebe-se logo que ele fez da política um instrumento de libertação colectiva e não da sua promoção pessoal. É o que me leva a citar Goethe, quando nos diz que não é nossa profissão que é culpada das nossas misérias mas nós próprios, porque a mesma profissão faz prosperar outros. Hoje temos lamentavelmente muitos jovens que vão à escola e universidades buscar diplomas e não o conhecimento de facto. É um facto que se Mondlane tivesse sido um cábula ou plagiador de teses, não se teria tornado no sábio e visionário que foi e cujas ideias ainda nos iluminam o caminho que estamos a percorrer como povo.
É graças a essa sua visão e definição que levou Mondlane a incutir nos moçambicanos que se iam juntando à Frelimo, que o inimigo não eram nunca os brancos, mas sim o sistema colonial fascista português e todos os seus tentáculos.
Ele foi tão longe ainda na sua análise, fazendo ver que os próprios brancos eram psicologicamente vitimizados pelo mesmo sistema, porque os levava a acreditar erradamente que os negros não eram pessoas normais como eles, e que, por isso mesmo, deviam os maltratar e usá-los como bestas para carga. É por isso que os que se recusavam a ser usados como bestas, eram mortos a sangue frio com o aval das autoridades coloniais.
Graças à evangelização política de Mondlane e de outros promotores desta política anticolonial e racista, como Luther King, Mandela e Samora Machel, hoje as raças convivem juntas e em harmonia. É graças ao trabalho

Por isso, é legítimo dizer que Mondlane é o arquitecto da unidade dos moçambicanos e do seu nacionalismo. Para conseguir unir os moçambicanos, ele valeu-se da tese de que quem é vítima de um certo mal, deve unir-se a todos os que são igualmente vítimas do mesmo mal. Ora, uma vez que todos os moçambicanos eram vítimas do colonialismo, deviam unir-se e lutar juntos contra este mesmo mal. E assim aconteceu até a derrocada do colonialismo. Unir os moçambicanos e levá-los a lutar juntos foi o grande mérito de Mondlane e que deve ser mantido vivo para as novas batalhas que as novas gerações irão travar, como a luta contra a pobreza.
Para que as futuras gerações tenham sempre em mente este grande ensinamento de Mondlane, é muito imperioso que se faça sempre uma referência viva e permanente destes terríveis tempos que ele ajudou a erradicar, porque só assim as gerações que virão nos tempos saberão valorizar a nossa unidade e não se deixar levar pelos racistas e tribalistas. Há que se expor, tal como ele expunha, todo o cortejo de factos horrorosos que ocorreriam no seu tempo, sem complexos de ferir os sentimentos de quem quer que seja, e nem tentar minimizar a dimensão com que ocorriam, porque, como dizia Cícero, só quando nos valemos da experiência do passado, nos tornamos adultos de facto.
Devemos sempre fazer uma evocação dos que, como Mondlane, lutaram com heroísmo invulgar no meio de tantas adversidades, limitações e, mais do que isso, riscos reais que sempre estavam à espreita das suas vidas, para que esses sistemas se erradicassem de uma vez por todas tanto em Moçambique, como no resto do mundo, como já é quase um facto universal, que tem na inédita eleição de Obama a presidente dos EUA, como uma prova eloquente de que o racismo foi de facto morto ou pelo menos está em agonia irreversível, tal como preconizavam ele e outros heróis da luta contra este sistema diabólico, como Luther King que, curiosamente, ele também foi morto há 45 anos por se opor à discriminação racial.
Evocando Mondlane e a sua obra, estamos a garantir que os mais novos possam crescer e sejam efectivamente adultos e não eternamente crianças de estatura adulta, como bem o vincou Cícero.
É imperioso evocá-lo porque ele merece essa nossa gratidão, já que alicerçou com a sua sapiência e fervor humanístico, as bases que nos permitiram que nos libertássemos do colonialismo e do racismo, a tal ponto que agora o mundo está a viver paulatinamente o Século Negro de que apenas falava profeticamente Giovani Papini.
Este Século Negro se corporiza no fim já universal da subjugação dos negros que havia levado homens como Mondlane e todos os outros heróis moçambicanos a acreditarem que antes valia morrer lutando pela liberdade, do que viver tragicamente mergulhado nessa subjugação e opressão. Assim aceitaram arriscar suas próprias vidas para que as gerações futuras, que são as de hoje e do amanhã, que virão com os tempos, pudessem desfrutar, finalmente, duma vida digna num mundo em que todos os homens sejam iguais, e tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades

GM ([email protected] )
AIM – 03.02.2014