XIPALAPALA Por: João de Sousa
Alguns dos nossos governantes não gostam de ouvir falar de redes sociais por considerarem esta plataforma tecnológica como “laboratório ou fábrica de sonhos inalcançáveis”. Quer queiram quer não é pela via das redes sociais que ficámos a saber aquilo que os órgãos públicos de comunicação social escondem. Foi pelas redes sociais que eu fiquei a conhecer o depoimento dum antigo combatente da luta de libertação nacional, que esteve presente no recente comício de apoio ao Presidente
Armando Guebuza. Quando entrevistado pela TVM afirmou que o Professor Castel-Branco devia serexpulso. O jornalista que entrevistava, por sinal omeu colega e amigo Simião Ponguane, recordouao seu entrevistado (escuso-me de mencionar aquio seu nome) que, independentemente de ser de raçabranca, o Professor Castel-Branco é moçambicano,ao que o ilustre entrevistado respondeu: “não émoçambicano originário, por isso podemosexpulsá-lo”.
Na sequência deste episódio e também numa rede social apareceu este comentário: “eu, que sou filho de português com moçambicana negra, mulato e chigondo, os meus filhos são de mulato com mulata, onde vamos viver? Será que é isto que a Frelimo quer? Será que Guebuza precisa mesmo de bajuladores que chegam a este ponto?”
Como se não bastasse este exemplo, a semana passada recebi um email duma leitora assídua do “Correio da manhã”. Preocupada com a questão dos “moçambicanos originários e/ou genuínos”, ela diz-me que “fui criada numa família multicolorida. A nossa família é um verdadeiro mosaico de cores. A minha avó era ‘caneca’, filha de goês com uma negra. Ela casou com um ‘cafuso’. Os seus filhos casaram-se com ‘um pouco de tudo’ e assim nascemos nós. Não consigo situar-me num Moçambique com problemas rácicos. Tenho medo, não por mim mas pelos meus filhos, que têm primos, uns louros e de olhos azuis e verdes e outros escurinhos de cabelo corrido e ainda outros negrinhos do estilo ‘guinéus’. E eles, jovens, nunca se sentiram diferentes. Como é que de repente se vão sentir quando forem confrontados com esta situação, sabendo de antemão que não são originários ou genuínos? Sinto-me desolada com tudo isto’”.
Recordo-me duma discussão havida na então Assembleia Popular sobre esta questão da nacionalidade originária ou genuína e do posicionamento dum ministro (de origem asiática) do Governo da época, que dizia mais ou menos assim: “que culpa tenho eu de ter nascido em Moçambique?”
Para fechar a minha crónica de hoje parece-me oportuno transcrever, com a devida vénia, uma passagem da entrevista que Sérgio Vieira concedeu ao semanário Savana. Ao abordar a questão do racismo ele referiu que “quem anda à procura de genuíno ou não genuíno que leia a Constituição da República e que não dê machadadas na pátria. Será que alguém é capaz de mostrar quem é genuíno? Posso ir mais longe. O grosso dos moçambicanos é de origem bantu e os bantus foram invasores. Vieram da África ocidental.”
Para Sérgio Vieira esta declaração de moçambicano originário ou genuíno, venha de quem vier, é uma asneira. Pode ser, adianta, que haja uma intenção oculta. É uma machadada na moçambicanidade. Tal como Sérgio Vieira, muitos de nós nunca mudámos de cor nem dos nossos antepassados. Muitos de nós serviram e agora não servem. Muitos de nós éramos genuínos e agora não somos.
Segundo sei e se diz por aí à boca cheia, “genuínos” e “não genuínos” que alguns membros da Frelimo teimosamente decidiram introduzir no dicionário político, tem como objectivo fazer a diferença entre nacionais negros e não negros. Esquecem-se os mentores desta ideia absurda e macabra que também há cidadãos negros “não genuínos”. Pesquisem.
Estou certo que vão encontrar.
CORREIO DA MANHÃ – 05.02.2014