Carta de Carlos Aragão
Votos de muita saúde, aproveitando para parabenizá-lo (um modo de falar o português no Brasil deixou de ser “brasileirismo”...) por mais um/uma Xipalapala de bom nível.
2. Refere-se ao Dia da Radiodifusão em Moçambiquecomo sendo o 18 Mar. 1933 que assinala a 1.ª emissão de rádio pelo Grémio.
3. Parece que já não é mais o 18 mas o 19 de Março. Num calhamaço intitulado Dicionário Temático da Lusofonia (autores Fernando Cristóvão Coord, Maria Amorim, Maria Marques e Susana Moita) publicado conjuntamente pela ACLUS – sigla de Associação de Cultura Lusófona e pela Texto Editores (www.textoeditores.com ), editado em 2005, na letra r existe uma entrada sobre a história da Rádio em Cabo Verde, Índia, Macau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Timor. A coluna é de autoria de J. de M.F.M (iniciais de MAIA, José de Matos Fernandes Maia de Portugal, realizador de rádio, adjunto de Direcção e autor de vários livros sobre comunicação).Na parte relativa a Moçambique o autor escreve o seguinte.
Nessa altura dos primórdios do RCM, os “nomes da rádio ao tempo” eram os locutores Edwiges Sequeira e Carlos Ahrens Teixeira.
Se calhar este emissor de 250 watts deve ter sido conservado pelo Eng. º J. L. Loforte no Centro Emissor da Matola (vulgo antenas da Rádio na Matola) e poderá até ser peça de um futuro Museu das Telecomunicações.
Há costume de referir que foram o Dr. António de Sousa Neves (advogado), Gilberto Tubio e Augusto Gonçalves os impulsionadores do RCM.
O estudioso da Imprensa Moçambicana e investigador bibliográfico que foi Ilídio José da Rocha (1925-2002) refere-se a Sousa Neves quando aborda a parte editorial do RCM que entre 1935 e 1973 publicou uma Revista mensal (Rádio Moçambique) em que o director legal era António Sousa Neves. Mas na realidade os directores eram outros, mas não tinham canudo, consequentemente pela Lei João Belo não poderiam ser directores de órgãos de informação.
Na coluna Xipalapala o João de Sousa estava numa de “recuerdo” como diríamos na gíria dos anos 70 do século passado embora sempre dentro de limitações físicas inevitáveis sobre o que pretende desbobinar.
Esse Xipalapala foi apenas o tiro de partida para colunas adicionais sobre o peso e a importância do RCM.
Ocorreram-me à memória alguns outros episódios.
No clima colonial, para além da actividade da Sara Pinto Coelho (personalidade que chegou a ser mãe adoptiva de muitos naturais de LM) havia uma rubrica de teatro gerida por um grande actor na dimensão portuguesa que foi o Rogério Paulo – parece que um dos discípulos de Villaret – actividade essa que era subtilmente patrocinada pela Robbiallac (Tintas Berger – pinta que mais pinta e não se farta de pintar que era a empresa que fornecia a tinta para os bairros e casas populares e urbanizações populares do Estado Novo nascido da Constituição de 1933).
Para além da orquestra de salão do maestro Artur Fonseca havia um quinteto que tocava música câmara (ou “música séria”) que era dirigida pelo Maestro Correia. E havia um outro Fonseca – menos conhecido – que era o António Fonseca, que tocava piano e guitarra (viola). E havia interacção com os sul-africanos da SABC (figurativamente chamada de Palácio da Rádio) que – de tempos a tempos – enviava a sua orquestra sinfónica e coral para tocar no África (então Manuel Rodrigues).
O Renato Silva não editou só singles. Tem pelo menos um LP. E acompanhava cantores e cançonetistas que vinham da então metrópole (Portugal Continental) com a Simone de Oliveira. E aos domingos no Auditório do RCM desfilavam vários conjuntos musicais.
O Romão Felix (Parafuso) teve seguidores na arte de “charge” humorística e imitação – embora numa outra vertente – como o Chaquatinica Nzero. (Sousa).
A nível social o RCM também era um local de referência – o tal Salão de Chá do Rádio Clube – onde nos tempos áureos havia um quarteto que tocava e animava as matinés.
O RCM fundou uma escola de telegrafia. O João de Sousa recorda-se que nos finais dos anos 50 estava a migrar-se da telegrafia para a dispersão troposférica e é precisamente nessa camada (éter) onde é feita a dispersão. Por isso se dizia na brincadeira que deveria trocar-se o “Estar no AR” ou só “No AR” por Estar no éter. Hoje o Centro de Formação impulsionado pelo Eng.º Loforte apenas ministra informática porque parece ser mais rentável e dar menos trabalho.
Havia a rifa e a estamina da dupla de irmãos Pedro e Pepe Diniz que anos após ano palmilhavam Moçambique de carro a vender cadernetas de rifa.
Havia– igualmente – os emissores provinciais e os canais como a Hora Nativa e o LM Rádio (vi no Centro Comercial Marés na Costal do Sol que montaram o seu estúdio).
Quanto às calinadas que o João de Sousa refere muito mais se poderia dizer.
Veja o spot recente que corre na TV em que se fala no “soriso” da MCel, ou a notícia que refere a destruição de um “murro” (não é o soco). A língua portuguesa – apesar de ser um traço de união e de comunicação – ainda é uma língua estrangeira em Moçambique. Basta olhar para os níveis de alfabetismo.
Finalmente, quanto aos princípios de deontologia profissional que elenca, faltou referir um que é fundamental: CULTURA GERAL. E como cultivá-la se hoje em Moçambique se lê cada vez menos, se documenta e se investiga cada vez menos? Razão para dizer: “cabeça não é só para usar chapéu”.
Força e coragem para escrever mais sobre a profissão e relevância dos radiófilos.
E – sobretudo – perante este panorama como é que se pode transformá-lo?
Dá para reflectir!
Abraço.
Boa semana.
CORREIO DA MANHÃ – 21.03.2014